PERFIL | Hendro Sangkoyo: o guardião das águas e das memórias das ilhas
Da Indonésia à Amazônia, uma travessia de solidariedade e resistência
Publicado 10/11/2025 - Actualizado 02/12/2025

Hendro Sangkoyo, ou “Yoyok”, como gosta de ser chamado, veio da Indonésia, no Sudeste Asiático, para participar do IV Encontro Internacional de Comunidades Atingidas por Barragens e Crise Climática, que acontece de 07 a 12 de novembro em Belém do Pará, na Amazônia brasileira. Envolvido com ativismo, ensino e iniciativas voltadas ao fortalecimento das comunidades locais, especialmente na Indonésia, Yoyok carrega em sua trajetória uma profunda ligação entre conhecimento, território e vida comunitária.
Cresceu em Bali, para onde sua família se mudou logo após seu nascimento. Sua mãe foi uma ativista muito engajada, que o envolveu desde cedo nas questões sociais das comunidades balinesas. Ainda jovem, Yoyok estudou arquitetura e participou de movimentos estudantis contra a presidência, que acabaram derrotados e resultaram em intervenção militar no campus.
Posteriormente, passou um período em pequenas ilhas, convivendo com comunidades locais, aprendendo idiomas e conhecendo diferentes realidades. Foi então que percebeu que “não conhecia nada sobre os países vizinhos”, o que o impulsionou a estudar a região e a aprender a história social do Sudeste Asiático.
Por muitos anos, seguiu carreira acadêmica, lecionando por cinco anos em Melbourne, na Austrália, e depois por dois anos nos EUA, em Cornell. Mas, em 29 de maio de 2006, uma explosão subterrânea causada pela exploração de gás mudou sua trajetória.
“Meus amigos começaram a me ligar o tempo todo. Neste momento, eu estava ensinando em Ithaca, Nova Iorque. Com a explosão, a população não sabia o que fazer e, todas as noites, muitas pessoas precisavam ser movidas e alojadas devido ao deslizamento de lama. Em poucas semanas, a lama já estava cobrindo os telhados. Foi então que decidi retornar para a Indonésia. Eu pensei: ‘Este não é o meu lugar. Eu não quero ser professor, com todos esses privilégios, e eu tenho que retornar’.”
De volta à Indonésia, Yoyok fundou a Escola da Economia Democrática, onde atua como educador e educando. O objetivo é criar uma infraestrutura de aprendizagem para pessoas comuns, homens e mulheres que desejam compreender e narrar suas próprias histórias.
A escola funciona com base em convites das comunidades, sem vínculos com ONGs ou financiamentos externos, operando de forma autônoma desde 2007, a partir de solicitações das próprias comunidades.

A água como espírito e identidade
A Indonésia, país-arquipélago formado por mais de 17 mil ilhas, é o quarto país mais populoso do mundo. Com clima tropical úmido e relevo montanhoso; a água é elemento central para a sobrevivência e identidade cultural dos povos insulares.
“Viver em uma ilha demanda uma abordagem diferente de sustentabilidade e gestão ambiental do que em grandes massas de terra como Brasil, América do Sul ou Ásia Continental”, afirma Yoyok. Ele explica o conceito de “lente de água”, o reservatório de água doce subterrânea nas ilhas. A exploração excessiva dessas lentes provoca intrusão salina, levando à morte de vegetações e alterando os regimes alimentares. Muitas pequenas ilhas foram destruídas por esse processo, como ocorre na entrada da Baía de Jacarta, onde existem 105 ilhas, chamadas de ‘Mil Ilhas’, as quais são alvos de interesse para os oligarcas, que escolhiam a ilha que preferiam. Alguns foram mais longe e perfuraram o recife por conveniências.
“Outra coisa que me toca profundamente é Bali. Os conhecimentos indígenas balineses valorizam a água como sagrada e nem sequer a chamam de água, mas sim de “tirtha”, que significa água sagrada. Foi isso que aprendi na minha infância. E quando voltei, estava tudo uma bagunça por causa do plano diretor do Banco Mundial para Bali, de 1970, que basicamente tratou Bali como uma mera mercadoria para o turismo. É aí que reside a agressão e o abuso do aquífero, das águas subterrâneas, das águas superficiais e de tudo o que os povos originários protegiam por meio de rituais. Aliás, as religiões balinesas são chamadas de ‘religiões da água’.”
Nem todas as ilhas, porém, compartilham da mesma visão. Yoyok explica que no arquipélago de Lesser Sunda, que se estende de Bali até o leste, “em algumas ilhas, há pouco sentimento de pertença à mesma ilha”.
Em apenas quatro décadas, de 1970 a 2010, grande parte das florestas e paisagens aquáticas de Kalimantan foi devastada. A parte oeste de Nova Guiné, com vastas paisagens fluviais como o rio Mambramu, hoje enfrenta projetos gigantescos de produção de hidrogênio, e a escassez de água na região tem sido estopim para diversos conflitos entre tribos locais.
Resistência em meio à repressão
O contexto político da Indonésia moldou a trajetória de Yoyok. Após o golpe militar de 1965, o governo do general Suharto proibiu qualquer associação com o marxismo e o comunismo, fazendo estudantes e jovens crescerem nesse ambiente repressivo, sem acesso a leituras e discussões sobre Marx. Nesse vácuo, organizações internacionais e ONGs, principalmente financiadas por países do Norte, ocuparam o espaço da resistência, muitas vezes tentando domesticar os movimentos populares. “Então, você é mais polido em dizer não”, ironiza.
De volta à Indonésia, seu ativismo passou a ser visto como “fora do normal”. “Na Escola de Economia Democrática, as situações são engraçadas, porque começamos a ser esses caras estranhos. Nós não falávamos sobre dinheiro, mas nós trabalhamos intensamente, fazendo workshops em campo.”
Entre continentes, a construção da solidariedade
Com ampla experiência internacional e redes de amizade em diferentes países, Yoyok conta: “Tenho adotado uma mentalidade internacionalista desde o início. Por isso, aprendi e construí muitas redes de amigos e colegas. Na Europa, por exemplo, há amigos muito próximos com ideias semelhantes, que se opõem diretamente ao mercado de carbono.”
Não é a primeira vez que Yoyok participa de encontros na América Latina. Ele já esteve presente em atividades na Colômbia, no Brasil e em Montevidéu, relacionadas ao Movimento Mundial pela Floresta Tropical (WRM). Para ele, há algo único na América Latina. “Há uma maior identificação e orgulho entre militantes na América Latina, algo relativamente raro na Indonésia, onde há desafios próprios de um contexto historicamente repressivo e influências externas.”
Sobre o encontro em Belém, ele destaca: “Esta oportunidade de nos reunirmos e unirmos forças é extremamente importante, para compartilharmos experiências sobre os estresses e pressões causados pelas operações de extrativismo e da indústria energética, que afetam nossos territórios na África, América Latina, Caribe e Ásia. Então, acho que é um passo importante para fortalecer a resistência no território.”
