Mineração em Congonhas ameaça comunidades e impõe clima de medo e insegurança
Moradores de comunidades como Pires e Santa Quitéria denunciam violações, pressões e o “terrorismo de barragem” promovido pela CSN e pela Ferro+
Publicado 23/10/2025

Em Congonhas, na região Central de Minas Gerais, comunidades inteiras vivem sob ameaça constante da mineração. O município, conhecido por abrigar o maior complexo minerário urbano da América Latina, enfrenta um cotidiano de violações e medo causados pela atuação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e da Ferro+, empresa controlada pelo mesmo grupo. Famílias das comunidades de Pires e Santa Quitéria denunciam desapropriações forçadas, destruição de territórios e insegurança provocada pelas barragens que cercam a cidade.
Casa de Pedra: medo sob a maior barragem urbana da América Latina
Em meio à expansão desenfreada da mineração, Congonhas abriga uma das maiores barragens de rejeitos do mundo em área urbana: a barragem Casa de Pedra, da CSN. A estrutura armazena cerca de 65 milhões de metros cúbicos de rejeitos e está situada acima de bairros populosos como Cristo Rei, Eldorado e Residencial Gualter Monteiro, onde cerca de 20 mil pessoas poderiam ser atingidas em caso de rompimento.
Mesmo diante da insegurança e das falhas registradas em fiscalizações anteriores, a empresa segue ampliando suas operações. Em 2024, o governador Romeu Zema (Novo) publicou o Decreto nº 496, declarando como de “utilidade pública” uma área de 261 hectares para a expansão do complexo minerário da Mina Casa de Pedra. O decreto abriu caminho para desapropriações de famílias inteiras, aprofundando o medo e a instabilidade social.
Moradores e ambientalistas denunciam também o fracionamento de processos de licenciamento, que impede a participação popular e mascara os impactos ambientais e sociais do empreendimento.
A sensação de insegurança não é nova. Em 2022, o município de Congonhas enfrentou fortes chuvas que provocaram alagamentos, deslizamentos e transbordamento de rios, deixando, pelo menos, 138 pessoas desabrigadas, segundo a Defesa Civil. Uma notícia sobre deslizamento na área da barragem Casa de Pedra deixou a população em pânico, e o medo de uma tragédia se espalhou por toda a cidade.
Enquanto o poder público se mantinha ausente, as próprias comunidades acolheram as famílias atingidas, organizaram abrigos e cozinhas solidárias – um gesto de solidariedade popular diante da negligência e do risco.
Santa Quitéria: um quilombo sob ataque
O decreto de Zema também ameaça a permanência de uma comunidade quilombola histórica, certificada pela Fundação Cultural Palmares – a comunidade de Santa Quitéria. O território, ocupado desde 1728, pode ser desapropriado para a instalação de uma pilha de rejeitos da CSN – a menos de 30 metros da escola, da capela e do cemitério local. O caso afeta cerca de 400 pessoas e viola direitos básicos previstos na Constituição e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito à consulta prévia, livre e informada a povos e comunidades tradicionais.
Moradores relatam episódios de intimidação, presença constante de drones e tentativas de retirada forçada. Aline Soares, moradora do Santa Quitéria há 38 anos, relata que sua comunidade tem vivido sob constante ameaça e medo.
“O processo tem sido de invasão, de ameaça, de falta de diálogo. Estão criando confusão, colocando família contra família, coagindo nossa comunidade que tem vivido um medo fora do comum. Todo mundo com insônia, tomando ansiolítico, remédio para dormir. Não conseguimos mais viver em paz.” afirma Aline.

O caso chegou à Justiça Federal após mobilização do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), da Federação N’Golo e de parlamentares. Durante audiência de conciliação em julho de 2025, a juíza Geneviéve Grossi Orsi solicitou que a CSN dialogue com a comunidade, apresente o licenciamento ambiental e repense a expansão do projeto para evitar remoções. O CEO da CSN, Otto Levy, se comprometeu a levar a proposta de não desapropriação à diretoria da empresa. Ainda assim, os moradores aguardam a derrubada do decreto 469, para dar fim de vez à ameaça de desaparecimento do Quilombo Santa Quitéria.
Pires: contaminação das águas e resistência contra a expansão da Ferro+
No bairro Pires, moradores convivem há mais de uma década com a contaminação das águas e o descaso das mineradoras. Em março de 2023, o rompimento de uma adutora – provocado pelo tráfego de caminhões da CSN – levou lama misturada a minério para dentro das casas, deixando mais de três mil pessoas sem acesso à água potável. Dias depois, outro rompimento, causado por veículos da Ferro+, agravou a situação. As famílias receberam apenas 300 galões de água para 1.200 residências e relataram casos de intoxicação, inclusive em crianças.
Já neste ano de 2025, a comunidade de Pires também se mobilizou contra um projeto da Ferro+, mineradora que pretende expandir sua mina a menos de 120 metros das casas, sobre a Serra do Pires – área rica em nascentes e parte do conjunto paisagístico tombado da Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, reconhecida como patrimônio mundial pela UNESCO.
Moradores relatam que, além de ameaçar a natureza e a saúde, o empreendimento pode destruir um símbolo histórico do povo mineiro. A audiência pública, realizada em agosto de 2025, foi marcada por tensões, tumultos e ausência de autoridades locais, demonstrando o descaso com a comunidade. O espaço, que deveria ser de escuta e diálogo, se transformou em um palco de intimidação e tentativa de silenciamento das falas populares.
Para o MAB, a situação em Pires é um exemplo claro de como a mineração avança sobre as comunidades sem diálogo, sem respeito aos direitos e sem qualquer processo de reparação. Antônio Claret, integrante do MAB em Congonhas, explica que a empresa tem atuado para impedir iniciativas de proteção da Serra do Pires e dividir os moradores.
“A mineradora tem resistido a um projeto da deputada estadual Beatriz Cerqueira, que propõe a criação da Unidade de Preservação Integral da Serra do Pires. Esse projeto é visto como um obstáculo à expansão da Ferro+, e a empresa vem se movimentando nos bastidores para evitar sua aprovação. Ao mesmo tempo, tenta se aproximar das lideranças locais alegando que pode encerrar as atividades caso o projeto não avance”, afirma ele.
Com tanta pressão, Claret destaca que a relação da comunidade com a mineração é marcada por contradições.
“Os moradores do Pires ficam divididos, porque a empresa oferece emprego e faz muitas promessas. Isso acaba iludindo alguns, mas o povo, em geral, é contra essa forma de expansão. O pessoal pensa no emprego, mas já tem a evidência de que a mineração, dessa forma, mata. O povo quer a proteção da Serra do Pires e sabe que ela é um obstáculo ao avanço da mineradora.”

O Terrorismo de Barragem e a luta por Soberania Popular
Congonhas é hoje uma cidade cercada por 24 barragens, e mais da metade delas apresenta alto potencial de dano. Esse contexto alimenta o que moradores e pesquisadores chamam de “terrorismo de barragem” – uma estratégia de poder baseada no medo, que provoca adoecimento, deslocamentos forçados e desestruturação comunitária.
O medo de perder a vida, a casa e o território se tornou um instrumento de controle, que impede a população de planejar o futuro. Para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), essa é uma forma de violência que ultrapassa a dimensão material e fere profundamente o direito à dignidade e à segurança. É um modelo padrão de violação de direitos imposto pelo grande capital para geração de lucro e acumulação, a partir da exploração de bases naturais e do trabalho humano. Os setores de mineração e energia têm sido cada vez mais disputados para acumulação com a justificativa de promover uma transição energética. Entretanto, a privatização da produção e distribuição de energia contrariam frontalmente os interesses populares e beneficiam o grande capital.
Diante desse quadro, o MAB e as comunidades atingidas seguem se organizando para enfrentar a violência minerária e promover uma outra forma de produção com controle e apropriação dos recursos energéticos estratégicos pelo povo. A luta é por justiça, soberania popular e por uma nova sociedade que coloque a vida acima do lucro.
