Com resultado negativo da COP29, MAB aponta COP30 no Brasil como oportunidade de enfrentar atual modelo econômico

Após duas semanas de negociações, segunda maior Cúpula da História se encerrou sem decisões necessárias para garantir avanços na adaptação dos países às mudanças climáticas

Se encerrou na sexta, 22, a COP 29, Conferência para o Clima da ONU, que aconteceu em Baku, capital do Azerbaijão, reunindo 66 mil pessoas de 193 nações. Ao todo, o Brasil enviou 1.914 pessoas ao evento, que teve iníncio no dia 11 de novembro. Representando o MAB, Gabrielle Sodré e Cleidiane Vieira participaram não só de debates sobre os atingidos pelas mudanças climáticas em todo o mundo, mas também de atos e mobilizações contra mega empreendimentos na Amazônia, como a Ferrogrão.

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“Levamos o debate do MAB para os espaços de diálogo da COP com o objetivo de compartilhar a realidade dos atingidos por barragens em meio à crise climática, pois estamos vivendo entre os extremos no Brasil, das cheias do Rio Grande do Sul à seca na Amazônia”, explica a integrante da coordenação do Movimento, Cleidiane Vieira.

Em uma das agendas, as representantes do MAB, juntamente com diversas organizações da sociedade civil, reuniram-se com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, e ministros, em um momento em que a delegação brasileira pode compartilhar impressões e expectativas para as duas semanas de conferência, além de representar um espaço de escuta da pauta dos movimentos.

Segundo Vieira, a participação na conferência também foi importante como preparação para a COP 30 que irá acontecer em 2025 no Brasil. “Então, estamos nos articulando com os demais movimentos que também vivem essa realidade de crise climática em seus territórios, para fazermos da conferência de Belém uma oportunidade de construção de ações para avançarmos coletivamente”, complementa a dirigtente. 

Apesar da presença de grande quantidade de ambientalistas, representantes indígenas e de diferentes movimentos sociais no evento, vale ressaltar que o Brasil também mandou diversos lobistas da carne para a Cúpula do Clima, com acesso privilegiado às salas de negociação. Levantamento realizado pela coalizão de organizações Kick Big Polluters Out (KBPO) também mostrou que ao menos 1.773 grandes lobistas do petróleo ganharam acesso à COP29.

A presença cada vez maior de membros destas indústrias nos espaços das negociações das Conferências, e a potencial influência sobre as negociações, dificulta que os países proponham transformações concretas nas suas práticas econômicas para reduzir o impacto ambiental e social que causam no mundo. “Essa foi uma longa jornada de muitas ações e incidências políticas, mas a gente sai sem grandes avanços no que realmente importa, que é: quem vai pagar a conta da crise climática”, afirma Cleidiane. Segundo a KBPO, o objetivo dos lobistas, deste e de outros setores que também são grandes poluidores, é justamente influenciar a formulação ou implementação de legislações, de forma a manter seus interesses e evitar avanços em políticas ambientais. Além disso, os principais debates seguem em torno de soluções do capitalismo verde, como os créditos de carbonos e o fomento a matrizes de energia supostamente limpas.

“Nossa conclusão é que o mercado de carbono não pode ser considerado como financiamento climático e não haverá transição justa com um modelo que viola nossos direitos, saqueia nossos territórios e, acima de tudo, coloca o lucro acima da vida”, alerta, Clediane.

O conceito de armazenamento permite que os países que possuem florestas emitam e comercializem certificados de compensação pelas emissões de carbono, que são colocados no sistema financeiro à disposição das empresas que queiram utilizá-los como licenças para continuarem a poluir e a gerar emissões. Os projetos de energia eólica configuram outra falsa solução para a crise climática. No Nordeste brasileiro, parques eólicos têm gerado sujeira, ruído e afetado a subsistência das comunidades locais.

Cientistas pedem reestruturação da COP

Para que a Conferência possa avançar no sentido de reduzir – de fato – os impactos gerado pelas mudanças climáticas nos países, um grupo formado pelos maiores especialistas de clima do mundo, incluindo o cientista brasileiro Carlos Nobre, publicou, no último dia 15, uma Carta Aberta pedindo a “reforma da COP”. O documento reconhece avanços promovidos pela conferência e a importância dos acordos firmados entre os países no intuito de reduzir a emissão de carbono, mas pede uma mudança na estrutura das Conferências. O desejo dos cientistas é que as negociações fiquem menos vulneráveis a pressões contrárias ao objetivo da COP: buscar soluções concretas para a crise climática que está se escalando.

“As emissões globais continuam a aumentar, os sumidouros de carbono estão a ser degradados e já não podemos excluir a possibilidade de ultrapassarmos os 2,9°C de aquecimento até 2100. O nosso primeiro encontro com 1,5°C foi acompanhado por impactos humanos sem precedentes, juntamente com enormes custos climáticos que afetam centenas de milhares de milhões em 2023”.

Diante deste cenário, a carta contempla sete pedidos, entre eles melhorar o processo de seleção dos países sede, de forma a excluir nações que não apoiam a eliminação/transição da energia fóssil e representantes de indústrias que causam a destruição ambiental responsável pelas mudanças climáticas. “O fato de haver muito mais lobistas de combustíveis fósseis e do agronegócio do que representantes oficiais de instituições científicas, comunidades indígenas e nações vulneráveis ​​reflete um desequilíbrio sistêmico na representação da COP”, afirma o documento.

Direito dos atingidos pelo clima

Neste contexto, Gabrielle Sodré afirma que os caminhos apresentados não contemplam as demandas das comunidades atingidas, que têm tido seus direitos básicos violados por conta da atuação de grandes empresas com atuação predatória em todo o mundo. “Precisamos de soluções reais e não das falsas soluções que o capitalismo impõe. Por isso, os desafios para a COP 30 são ainda maiores. É hora de priorizar as vozes daqueles que estão lutando por justiça e sustentabilidade, não os interesses dos poluidores”, afirma.

Sobre a COP 30, o MAB avalia que ela só terá efeitos práticos, se for construída junto à classe trabalhadora e aos próprios atingidos pelas mudanças climáticas. “Em 2024, a Amazônia enfrenta mais uma seca histórica que atinge diversos estados da região que declararam estado de emergência. É muito preocupante esse momento que estamos vivendo. As comunidades estão sendo muito impactadas, porque, quando nossos rios secam, perdemos não só o acesso à água, mas o meio de subsistência, porque dependemos dos peixes, um meio de deslocamento, porque os rios são nossas ruas, perdemos nossa cultura. Então, precisamos pensar em saídas coletivas que passam necessariamente por políticas públicas estruturais”, avalia Cleidiane.

Segundo a militante, a COP Belém precisa enfrentar, de forma prática, a lógica do modelo econômico que tem impactado não somente o clima, mas a vida dos moradores da Amazônia.”Precisamos de um plano de adaptação urgente para que a vida continue sendo possível na Amazônia. Porque, se esse território segue sendo importante para o equilíbrio climático do mundo, é preciso garantir a proteção da vida daqueles que estão lá, resistindo, lutando e preservando essa região”.

Protesto contra a Ferrogrão

No dia 21, lideranças indígenas e organizações realizaram uma manifestação na COP, para denunciar os impactos do projeto da Ferrogrão e de outras obras de infraestrutura na Amazônia. O protesto foi organizado na Zona Azul do evento, espaço onde ocorrem as negociações oficiais, reuniões de grupos de trabalho e sessões plenárias da conferência climática. Nessa área, representantes dos países se reúnem para discutir e negociar acordos e tomar decisões.

A Ferrogrão, ferrovia de 933 quilômetros de extensão, destinada ao escoamento de soja e milho, está prevista para ser construída entre os municípios de Sinop (MT) e Itaituba (PA), passando por áreas protegidas, como o território dos indígenas Munduruku. A ferrovia integra um sistema de transporte dos grãos, formado pelos portos instalados nos municípios de Itaituba e Santarém e pela rodovia BR 163, onde há intenso fluxo de caminhões no trecho entre Mato Grosso e Pará.   

O protesto ocorreu em meio a ações de setores do governo brasileiro para acelerar o projeto. Nesta semana, o Ministério dos Transportes emitiu uma diretriz que transfere para a União o licenciamento ambiental dessas obras, buscando segurança jurídica para atrair investimentos. Organizações ambientais veem a medida como um retrocesso que ignora os impactos sociais e ambientais. 

 

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