Repactuação Rio Doce: entre a chance histórica de garantir direitos e a renovação da injustiça

Em nota Movimento alerta para prejuízos de acordo sem participação dos atingidos e cobra participação

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) acompanha com preocupação o avanço das negociações da Repactuação Rio Doce, acordo que discute mais de R$100 bilhões referentes ao desastre da barragem de Fundão, em Mariana, de propriedade da Samarco, da Vale e da BHP. Foram 19 mortos, um aborto forçado pela lama e mais de 8 anos de prejuízos sociais e ambientais, além de incontáveis direitos violados que até hoje se estendem pela calha do Rio Doce e pelo litoral baiano e capixaba.

Crime da Samarco, Vale e BHP completou 8 anos em novembro, com mobilização em Brasília e compromisso do governo em participação na repactuação. Foto: Joka Madruga / MAB

Este acordo está sendo costurado desde fevereiro de 2021 após o pacto com a Vale, em Brumadinho, e envolve as mineradoras responsáveis pelo crime, o governo federal, governos estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo e instituições de justiça que já realizaram centenas de reuniões. Desde então, nem o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nem o Tribunal Regional da 6ª Região (TRF6), que atualmente conduz o acordo, jamais chamaram as pessoas atingidas para participar ativamente das decisões. Todo o acordo vem sendo construído a portas fechadas, sem participação social e sem acesso dos atingidos às propostas, detalhes e documentos.

Sabendo da assimetria de poder que existe entre empresas globais da mineração e comunidades atingidas, não há dúvida de que a Repactuação, feita da forma que está, será um acordo que prejudicará o direito dos atingidos e atingidas. Com relação aos direitos individuais, e sabendo das práticas e intenções das empresas responsáveis, tudo indica que o valor a ser pago pode ser ainda menor que os valores pagos por meio do Sistema Novel e do Programa de Indenização Mediada – PIM, os quais já foram considerados inadequados pelo Judiciário. A Advocacia Geral da União (AGU) já pediu a divulgação dos documentos com as propostas apresentadas pelas empresas, mas a Vale e a BHP não aceitaram. Continuamos apenas lendo pequenas notas e divulgações genéricas que não esclarecem nada para a população. 

Está claro para nós que a principal intenção da Vale e da BHP, no presente momento, é de reduzir suas responsabilidades de pagarem indenizações na Ação Inglesa, e não oferecer uma proposta adequada para as vítimas do Brasil no Brasil. 

Denunciamos que a falta de transparência no acesso aos documentos das propostas entregues às empresas torna este acordo um instrumento de violação de direitos porque estão negociando o futuro de milhares de pessoas sem que estas saibam o que está sendo decidido.

Precisamos saber detalhes da negociação dos direitos individuais e coletivos, quais as propostas para as ações de recuperação ambiental, combate à fome e à pobreza, piorada na região após o rompimento, as ações de recuperação econômica e proteção e fortalecimento das comunidades tradicionais e indígenas. 

O governo brasileiro tem a chance histórica de fazer um acordo com ampla repercussão positiva e que seja um exemplo internacional a ser apresentado nas Conferências de Clima, sobretudo na COP 30, que ocorrerá em Belém em 2025.  Mas, sem a participação efetiva dos atingidos e com um processo de negociação rebaixado, o efeito será o contrário. Um mau exemplo que favorece somente as empresas. Todos os que estão sentados à mesa de negociação têm a responsabilidade de não fazer um acordo com valores e condições rebaixadas. Estamos falando das maiores empresas da mineração que movimentam bilhões por ano. Vale e BHP lucraram, de 2016 a 2019, cerca de R$162 bilhões. Nos últimos 4 anos (2019-2022), só a Vale lucrou mais de R$230 bi, tendo pagado, no mesmo período, cerca de R$100 bilhões em lucros aos seus acionistas. Não podemos aceitar menos do que a reparação integral exige e que é o justo a ser garantido na bacia do Rio Doce. 

Queremos ser ouvidos!

Nós queremos uma compensação justa, uma indenização adequada e proporcional às perdas sofridas pelas vítimas. Todas elas! Não finjam que estão tentando resolver um problema quando sequer consultam as pessoas afetadas ou seus representantes. Nós somos seres humanos e as nossas vidas é que foram arruinadas, não a vida de políticos ou de empresas de mineração multibilionárias que, sentados nas suas cadeiras confortáveis, negociam em nosso nome sem sequer ouvirem o que queremos para nós mesmos. Não nos contentaremos em receber as migalhas do banquete oferecido pela Vale e pela BHP às autoridades do nosso país!

Pedimos apoio da sociedade brasileira e internacional para não permitirmos que este acordo seja assinado sem termos acesso a todas as informações e propostas. A aprovação da Política Nacional dos Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) no último dia 14 de novembro e a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB), em Minas Gerais, aprovada em 2019, nos garante o direito à participação ampla e informada dos processos que versam sobre nossos direitos. Estamos sendo desrespeitados, mais uma vez, vítimas do autoritarismo que nos retira dos espaços que podem decidir o futuro de nossas vidas. 

Repactuação justa só com participação popular! Revida Mariana! Justiça para limpar essa lama.

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