Enio Verri: “a nossa prioridade é gerar emprego, renda e desenvolvimento local”

Entrevista: Diretor-presidente brasileiro da Hidrelétrica de Itaipu fala das renegociações do Tratado Binacional entre Brasil e Paraguai, políticas tarifárias e novas perspectivas para a usina que é uma das maiores geradoras do planeta

Enio Verri assumiu, em 2023, a presidência da Usina de Itaipu já com a responsabilidade de renegociar o tratado binacional com o Paraguai. Foto: Rafa Kondlatsch / Itaipu Binacional

Marco histórico para a diplomacia latino-americana e referência mundial em acordos bilaterais, o Tratado de Itaipu completou 50 anos em abril deste ano. Para o diretor, Enio Verri, Itaipu deu origem ao processo de integração regional na América Latina, mostrando que é possível que dois países possam se unir para um interesse comum.  

A data marcou o momento de renegociação dos termos do acordo, uma das principais responsabilidades do novo diretor. Em fevereiro deste ano, a  hidrelétrica havia quitado as últimas parcelas da dívida contraída para a construção da hidrelétrica, há quase 50 anos, tornando-se uma empresa amortizada. Os últimos pagamentos foram destinados à Eletrobras e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e somam US $115 milhões. Com isso, o Conselho de Itaipu aprovou a redução da tarifa de energia em aproximadamente 20%. 

Em entrevista exclusiva para o MAB, Enio falou sobre novos termos para o acordo, as políticas tarifárias da usina e as perspectivas para o futuro da geração de energia, para a soberania e desenvolvimento do país. 

Confira a entrevista completa:

MAB: Ao completar 50 anos, quais são as propostas/medidas que podemos esperar para essa nova fase de Itaipu?

Na verdade, o fim da dívida implica necessariamente numa redução do preço da energia. Itaipu não gera lucro, ela produz resultados. À medida que vai caindo a prestação o valor da dívida, vai cair o preço da energia produzida por Itaipu. Ocorre que, na hora de fazer a negociação sobre o preço a ser vendido a energia, nós dependemos dos cálculos que o Brasil faz, mas também dos cálculos do nosso sócio, o Paraguai, que detém 50% da empresa agora quitada, faz. Nós temos agora, portanto, o valor de 16,71 dólares por  kWh da energia elétrica e valor cobrem os custos e também uma conta que nós chamamos despesa de operação. Essas despesas de operação são recursos que a Itaipu investe em políticas ambientais sociais e infraestrutura. Então, nossa expectativa é conversar com movimentos sociais, conversar com associações de prefeituras, em especial, os pequenos municípios, os mais pobres, com índice de IDH mais baixos, para apresentar projetos que estejam dentro desse escopo, o escopo de políticas ambientais, sociais ou infraestrutura.

A infraestrutura para nós – não que não seja importante, mas ela fica em terceiro lugar. No mandato passado, foi investido muito, por exemplo, na segunda ponte aqui de Foz, do Brasil-Paraguai, em rodovias. Julgamos essas obras importantes, mas, neste momento, a nossa prioridade é gerar emprego, renda e desenvolvimento local. Por isso, os recursos que nós temos agora por conta desse excedente – que nós temos por conta da negociação da tarifa com o Paraguai – serão destinados para esse tipo de investimento, para projetos que garantam o desenvolvimento local, que vislumbrem a questão ambiental e social.

MAB: Apesar do Brasil possuir uma matriz elétrica sustentada por fontes renováveis, possui uma das tarifas de energia mais caras do mundo.  Como Itaipu pode atuar no enfrentamento dessa contradição?


Nós temos um problema na Itaipu, porque nós representamos apenas 10% da produção de energia do país. É por isso que, às vezes, a gente derruba muito o preço, mas o efeito sobre a tarifa para o consumidor é muito pequeno. Nós conseguimos reduzir a tarifa nessa última negociação com o Paraguai em, arredondando, 20%. De US$ 20 o kilowatt para US$ 16,70. Então, é 20% de redução, mas, como nós entregamos apenas 10% do que o país precisa, automaticamente isso reflete muito pouco na tarifa. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto: mesmo assim, a tarifa poderia ser mais barata? Poderia, se dependesse só do Brasil, a tarifa seria muito mais barata, porque, para nós, a prioridade é a tarifa barata para a população brasileira. Tanto que na nossa planilha, o valor da tarifa tinha que ser US$ 12,67. Esse é o nosso cálculo.

Entretanto, o Paraguai, que tem 50% de Itaipu, não consome toda a energia produzida e vende a energia excedente para o Brasil. Então, para o Paraguai, ele precisa de energia o mais caro possível para poder ficar com recursos. Para nós, tem que ser o mais barato possível. Enquanto ele for dono de 50% – e vai continuar sendo – nós não conseguimos baixar muito mais esse preço. 

Se fosse a US$ 12,67, a redução para o consumidor não seria de 1  ponto percentual, mas de até 3 pontos percentuais. Entretanto, como o valor acertado não foi 12 que era o que queríamos e não foi 20, como eles queriam, ficou em 16 dólares e só 1% da redução. 

Vertedouro da Itaipu conectado ao Rio Paraná a jusante da barragem. Foto: Rubens Fraulini / Itaipu Binacional

MAB: Itaipu é, por natureza, uma obra de integração elétrica regional. E os países da região possuem grandes desafios, como a questão tarifária e a dependência de fontes fósseis. Como Itaipu deve lidar com esses desafios?

Então, o primeiro ponto para podermos baixar ainda mais o custo, seria aumentarmos a nossa produção de energia elétrica. É possível? É possível. Itaipu vende a sua capacidade, ela não vende energia. Agora, se o Brasil consumir mais energia do que nós produzimos, podemos produzir e a gente pode aumentar a nossa participação no conjunto da economia. E aí, em segundo, se negociamos com o Paraguai para baixar o preço, poderemos influenciar diretamente no preço da economia no conjunto do país. Isso pode ocorrer logo? Olhe, há uma estimativa de 10 anos, porque daqui a 10 anos o Paraguai estará utilizando toda a energia a que tem direito.

Consequentemente, como ele (Paraguai) não vai vender mais para o Brasil, ele não terá interesse em ter uma energia cara. Então, vai ser interesse deles uma energia muito barata. E aí então haverá uma confluência de interesse dos dois países. Nós queremos energia mais barata possível, eles vão querer também. Então, eu diria que, infelizmente, ainda leva 10 anos, mas em 10 anos os dois países terão direito a uma energia muito barata. E, segundo, se nós conseguimos ampliar a demanda, não a produção, a produção nós temos, a demanda de energia de Itaipu para o país também seria uma segunda variável que poderia contribuir para a redução. E uma terceira, que eu deixo bem a parte, é que nós estamos vivendo no Brasil e na Itaipu um processo muito forte de transição energética.

Nós temos aqui pesquisas sobre hidrogênio verde, e, também, sobre energia solar. A possibilidade de ser uma pesquisa, um estudo que tem se aprofundando bem até, de usar o leito do lago para placas de energia solar, isso pode ampliar a produção de energia alternativa e, consequentemente, baixar o preço da energia para o conjunto da população.

MAB: As negociações e a construção de Itaipu ocorreram no período mais duro e violento das ditaduras brasileiras e paraguaias, quando as reivindicações populares eram brutalmente reprimidas. Como Itaipu espera ampliar o ambiente de diálogo e participação da sociedade de ambos países na participação da sua gestão?

Sobre o território, nós já definimos. O território de abrangência de Itaipu são os 399 municípios do Paraná, mais 34 municípios do Mato Grosso do Sul. É a área de abrangência que nós passaremos a atuar a partir de agora, tanto através dos nossos convênios, patrocínios e parcerias.

Então todos os municípios do Paraná serão beneficiados pelas nossas políticas. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto sobre o diálogo. Nós temos na Itaipu cinco diretorias, a técnica, que cuida da usina em si, a financeira, a administrativa, a jurídica e temos uma diretoria chamada diretoria de coordenação, que faz essa relação com a sociedade e que administra os convênios e os investimentos que nós chamamos de despesas de operação da Itaipu.

O diretor que coordena é o advogado Carlos Carboni, que é muito conhecido em todo o estado do Paraná. E aí ele está fazendo esse diálogo com a sociedade. Ele está montando neste momento o modelo de como vamos receber o projeto, porque a Itaipu é um ministério, não pelo seu tamanho, mas pela sua prática. É uma estatal, tem toda uma rigidez para avaliação dos projetos pelo corpo técnico para chegar até a etapa financeira, onde nós vamos ver se eles são viáveis ou não financeiramente para se repassar o recurso e, depois, fazer a fiscalização na execução e prestação de contas. Então, Carlos Carboni está montando todo esse projeto. Ele tem conversado já com vários movimentos sociais, esteve em reuniões no sudoeste do Paraná com várias entidades e também em Curitiba.

A ideia é abrir para os movimentos e organizações sociais, entender qual a expectativa deles e esperar apresentarem projetos. O que nós temos pensado muito? Por exemplo, temos municípios com IDH muito baixo e que têm dificuldades financeiras gigantescas. Então podemos pensar, por exemplo, no financiamento de placas solares. Com isso, o município economiza a energia elétrica e sobram recursos do caixa do município para outros investimentos. Nós temos conversado também com muita gente aqui, principalmente dos assentamentos, que estão pedindo investimento nas estradas para escoar a produção. Também é possível estarmos discutindo e montando isso. Às vezes, estão pedindo pequenos espaços para asfaltamento de pequenos trechos para escoar a produção de assentamentos, de acampamentos, ou mesmo, o pequeno produtor, para que ele possa fazer essa demanda. Isso tem chegado até nós também. Então, nós temos vários projetos que estão sendo construídos através de audiências, reuniões que nós fazemos para ver quais são as demandas e o que é que nós podemos atender. Nós não podemos atender todo  e qualquer pedido porque temos restrições também do Tratado de Itaipu, mas eu diria que, em termos geográficos, ele foi muito ampliado e, em termos financeiros, também. Temos uma capacidade financeira como a de um ministério.

Em contrapartida, temos todas as exigências burocráticas que não nos agradam, porque são lentas, né? Para que o recurso chegue até a ponta, mas estamos à disposição para ouvir propostas e sugestões, para que a gente possa pensar algum projeto que a ser avaliado, por exemplo, pelos movimentos sociais, como o MAB.

No que se refere à agricultura familiar, temos atendido várias entidades, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e outras organizações estão nos procurando. Cooperativas do agronegócio também. Temos que procurar também e claro, as associações de municípios. Estamos também à disposição de vocês para ouvir sugestões para que possamos construir matrizes ou modelos de projetos que possam ser utilizados na nossa área de abrangência.

MAB: Quais são as perspectivas sobre o tema da transição energética?

Nós temos dentro da Itaipu um parque tecnológico chamado PTI, é dirigido pelo ex-deputado, Professor Lineu Colombo, e nós temos ali um centro de pesquisa enorme que trata do hidrogênio verde, que trata da energia solar e eólica. Então, nós temos pesquisas já bastante avançadas em parceria com centros de pesquisa de universidades públicas, inclusive fora do país. Isso nós já temos um histórico. Hidrogênio verde já faz parte da pauta do Itaipu há 20 anos. 

A melhor experiência de integração que eu conheço – eu fiz meu doutorado exatamente nessa área – é a de Itaipu. São 50 anos de parceria de um país do tamanho do Brasil com o Paraguai. São 50 anos de muito respeito, de construção de acordos. Claro, de ruídos nas negociações, o que é comum. Mas essa experiência é muito bem-sucedida. O presidente Lula assumiu com o compromisso de fortalecer a integração da América Latina, se referindo não só ao Mercosul, mas à UnaSul. Ele quer retomar a Unasul e nós temos um papel muito importante. E eu não tenho dúvidas de que, durante a negociação do Anexo C, que irá começar agora em agosto, a pauta da integração vai existir, porque, assim como nós temos a experiência da usina de Itaipu Brasil-Paraguai, o Paraguai tem experiência com a Argentina. Então, o Paraguai já vive essas experiências e nós achamos que a energia pode ser um grande instrumento para aprofundar a integração, não só no campo da produção de energia, mas nas áreas econômica, cultural e social.

Particularmente, eu sou apaixonado por esta pauta e o que nós vivemos, eu estou aqui há pouco mais de 45 dias, mas as negociações, os acordos que eu tenho construído aqui com o meu par, que é o diretor geral paraguaio de Itaipu, têm sido muito bem sucedido, né? As declarações do presidente eleito, o Félix, de que ele quer, junto com o presidente Lula, contribuir com a integração da América Latina nos deixa muito feliz, porque essa é uma marca do presidente Lula.

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