Só se vence o fascismo com luta antirracista
O Dia da Consciência Negra é uma data para denunciar a violência estrutural contra a população negra, mas também celebrar conquistas da luta, como a eleição de 26 parlamentares ligados à Coalizão Negra por Direitos
Publicado 20/11/2022 - Atualizado 30/06/2024
Aproxima-se mais um dia de celebrar a Consciência Negra, de fazer memória e reafirmar o caráter de luta desta celebração. Motivado a escrever algo para marcar este 20 de novembro, fiquei pensando em estatísticas que poderiam ser lembradas neste curto artigo. Os poucos caracteres disponíveis me impedem de detalhar dados encontrados nas recentes leituras feitas ou em encontros inspiradores, em que discutimos Lélia Gonzalez ou a conclusão da trilogia de Laurentino Gomes.
Pensando em um argumento simples, escolhi o básico: vou “dar um google” e buscar a última informação sobre como tratam pessoas negras no Brasil. A última notícia que o agregador nos traz confirma algo presente na paisagem brasileira desde o “descobrimento”: no último domingo, 13, mais uma vez, integrantes da Polícia Militar agrediram, agora em Planaltina, no Distrito Federal, o jovem Marcos Vinicius da Silva, de 27 anos. Ele era o único negro do grupo.
A abordagem racista apenas reforça um dado conhecido: é perigoso ser negro no Brasil. Esta é uma síntese básica, corriqueira e assustadoramente normalizada. O Atlas Da Violência de 2019 informa que a taxa de homicídios por 100 mil habitantes negros foi de 29,2, enquanto a dos não negros foi de 11,2. Ser jovem e mulher negra no Brasil é correr risco de vida, na verdade, de morte permanente.
A violência estrutural contra pessoas negras é apenas parte do racismo que organiza a sociedade brasileira, que dá base a todos os preconceitos devidamente manipulados para os interesses mais concretos da dominação. Nem tudo, porém, é sangue derramado. Há lutas que não param e que alcançam conquistas.
A vitória de Lula com amplo apoio de negros e mulheres provou que ainda há reação organizada e que a barbárie não é aceita como regra geral. O Quilombo nos Parlamentos, iniciativa da Coalizão Negra por Direitos, elegeu 26 parlamentares nas eleições. Ao todo, as mais de 120 candidaturas em 24 unidades da federação obtiveram um total de 4.223.028 de votos.
O desafio das urnas, porém, nos mostrou que a extrema direita está consolidada. O movimento neofascista no Brasil está vivo, com método, organização e referências e ocupou cargos importantes na Câmara dos Deputados, no Senado e em governos estaduais. Esse movimento é sustentado por uma sofisticada reafirmação racista que é própria substância deste movimento.
Precisamos comemorar nossa incrível vitória nesta eleição, mas também colocar todas as forças vivas para pautar a esquerda brasileira e o governo da aliança liderada por Lula, para ter o combate ao racismo como um pilar do novo mandato. Não apenas ter representações negras em cargos importantes, ou reabrir secretarias e ministérios. Isso é o básico. É reconhecer na complexa formação social brasileira a chave do que somos e aquilo alimenta o neofascismo em todas as suas dimensões.
Não existe luta contra o fascismo e pela democracia sem luta estrutural contra o racismo. É uma exigência que nos coloca tarefas importantes e o governo Lula tem uma chance histórica de dar uma guinada e pautar uma transformação singular.
“É preciso estar atento e forte”, canta para nós a inesquecível Gal Costa, que nos deixou recentemente. Esta é a mensagem principal para mais este 20 de novembro. Atentos, organizados e cheio de esperanças na luta que constrói a verdadeira humanidade livre do racismo inspirados na letra e na voz do maior artista brasileiro, Milton Nascimento, um acontecimento na história, que fez sua última turnê:
“Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço, cadê poder? Viva a preguiça, viva a malícia que só a gente é que sabe ter. Assim dizendo, a minha utopia eu vou levando a vida. Eu viver bem melhor. Doido pra ver o meu sonho teimoso, um dia se realizar.”
*Thiago Alves, é jornalista e militante do MAB em MG