Indignação e preocupação em Naque e Cachoeira Escura durante Marcha de 3 anos do crime

Atingidos do município se somam à Marcha, em caminhada desde o dia 04 de novembro. Descaso da Renova causa preocupação com futuro da região. Foto: Mídia Ninja No dia 5 […]

Atingidos do município se somam à Marcha, em caminhada desde o dia 04 de novembro. Descaso da Renova causa preocupação com futuro da região.

Foto: Mídia Ninja

No dia 5 de novembro completaram três anos do maior desastre socioambiental da história do Brasil, atingidos pela barragem de rejeitos de minério de ferro de Fundão, da Samarco/Vale/BHP Billiton. O Movimento de Atingidos por Barragem (MAB) realiza a marcha ‘Lama no Rio Doce: 3 Anos de Injustiça’ em sentido ao trajeto percorrido pela lama, uma série de atividades faz parte da marcha.

Hoje (08/11) dezenas de pessoas caminharam pelas ruas da localidade de Naque, distribuindo jornais e esclarecendo a comunidade sobre a falta de punição aos culpados pelo desastre.  Na Fundação Renova, responsável pelos processos de reparação da bacia do Rio Doce, aconteceu uma parada, quando os manifestantes gritavam palavras de ordem “águas para vida e não para a morte’. Mais uma vez a Renova fechou suas portas e não atendeu os manifestantes para não ouvir a pauta de reivindicações. A população de Naque se soma à Marcha que caminha desde o último dia 4, quando saiu de Mariana. Os atingidos denunciam a falta de compromisso e a lentidão da Renova. Por alguns minutos a BR 38 1 foi interrompida.

“Sempre que dava eu tava lá no Rio, pegava de tudo, pacumã, dourado, tilápia.. Já peguei lagosta, cimbaca, bagre. Comecei a pescar pegando ferrolho no Corguinho, depois passei pros peixe grande. Comia em casa e vendia num barzinho que tinha, vendia frito”, lembra Maria das Dores, moradora de Cachoeira Escura, ribeirinha de nascimento.

Ela relata que após o crime a pesca foi proibida, e acabou tendo que fechar o bar. “Dali pra cá ficou complicado. Eu tenho colesterol alto e diabete, e peixe era uma coisa que ajudava muito. Minhas netas tiveram que ir morar com a mãe, porque a minha dificuldade ficou ainda maior que a dela. Tô passando com cesta básica que ganho”, indigna-se.

Foto: Mídia Ninja

Desabafo e denuncia em Cachoeira Escura

A noite, uma assembleia reuniu cerca de 150 pessoas atingidas de Cachoeira Escura, com falas de denúncia e organização. A cidade é abastecida pelo Rio Doce e, apesar de a Renova apresentar estudos que apontam a qualidade da água, moradores denunciam que têm causado uma série de problemas de pele e saúde.

“Eles falam que a água do rio tá boa mas é mentira. Tem muita gente com enfermidade já, com bolhas, dores, porque já tá usando essa água. Eles são mentirosos, estão fazendo análises mentirosas”, relata Raimundo, moradora da cidade.

A Copasa, empresa de tratamento de água e esgoto na cidade, já afirmou que deve passar a cobrar água a partir de dezembro, mas a população se nega a pagar por algo que lhes faz mal. “Como a gente vai pagar por uma água que não serve nem pras plantas da ente, que queima elas?”, complementa Raimunda.

As doenças de pele estão presentes em toda a Bacia do Rio Doce, e assim como na região. “Meu filho está todo cheio de escaras, desde que a lama chegou por aqui. Eu já falei muitas vezes com a Renova que fizesse pelo menos uma cisterna pra colocar no quintal da minha filha, pra ter água boa pra eu dar banho no meu filho. Ele só piora e é culpa da Samarco”, conta uma moradora da cidade.

Os pescadores estiveram presentes e demonstram sua insatisfação com a Renova. “Pesco desde que era menino aqui no rio, e já recebo meu cartão. Mas muitos aqui não têm nada ainda por causa desse LMEO, que é uma enrolação da Renova”, compartilha um pescador.

Gilson, que também é pescador no Rio Doce e denuncia a injustiça. “Eu acho que todas as pessoas de Cachoeira Escura deveriam receber indenização, já que todos que moram aqui dependiam do rio”, defende. Ele conta que apesar de ter sua renda garantida pelo cartão, não tem satisfação. “Aqueles dourados que nós pescava no rio, grande que ficava pulando e tinha que pedir ajuda pra um colega pra pegar, aquilo era maravilhoso. Meu molinetes estão parados, estou recebendo mas não tenho aquela alegria”, lamenta. 

A Marcha segue e se divide no dia 10, já que serão realizadas atividades ao mesmo tempo em Colatina e Governador Valadares. O grupo segue por outras cidades, e em Regência o encerramento acontece no dia 13.

No dia 5 de novembro de 2015, a tarde, em Mariana se ouviu um grande estrondo. A apenas 10 quilômetros dali, a barragem do Fundão se rompia. Uma avalanche com 55 milhões de metros cúbicos de lama tóxica estava a caminho para eliminar o vilarejo do mapa. Desde então, a luta das famílias atingidas segue, mas sem resposta real da Justiça e sem punição das empresas criminosas. Nenhuma casa foi construída, milhares não são reconhecidos, e a população denuncia que a Fundação Renova “empurra” os problemas sem previsão de reparação real na vida dessas famílias.

Foto: Comunicação MAB

Entenda o caso

A Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, se rompeu e derramou 48,3 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos na natureza. A lama percorreu cerca de 650 km entre Mariana, em Minas Gerais, até a foz do Rio Doce no município de Linhares, Espírito Santo, espalhando-se por várias comunidades ao norte e ao sul da foz.

Atingiu, pela sequência, o córrego Santarém, o rio Gualaxo do Norte, o rio Carmo e todo o Rio Doce em um trajeto que compreende 43 municípios. Destruiu diversas casas, bens, modos de vida, fontes de renda, sonhos e projetos de vida. O rompimento matou 19 pessoas e provocou um aborto forçado pela lama no distrito de Bento Rodrigues. Destes, ainda há um corpo desaparecido de um trabalhador direto da Samarco.

Denise Veiga, especial para Marcha


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| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

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