Atingidas denunciam ineficiência da Fundação Renova e exigem reparação

Em seminário realizado em Ouro Preto (MG), atingidos criticam a omissão das empresas e do poder público e apontam que o caminho é a organização coletiva  “São três anos lutando […]

Em seminário realizado em Ouro Preto (MG), atingidos criticam a omissão das empresas e do poder público e apontam que o caminho é a organização coletiva

 “São três anos lutando por reconhecimento. Hoje, os criminosos estão soltos, enquanto os meus filhos já foram sentenciados e estão contaminados pela lama tóxica da Samarco”, disse Simone Silva, moradora da comunidade de Barra Longa (MG), durante o seminário Balanço de 3 anos do rompimento da barragem de Fundão. Atingidos, acadêmicos, militantes e religiosos se reuniram no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto (MG), nesta terça-feira (6), para lembrar o crime do Rio Doce. O evento foi organizado pela Rede de Pesquisa Rio Doce e pelo Observatorio de Conflictos Mineros de America Latina (Ocmal).

Simone cresceu na comunidade de Gesteira, ouvindo o avô dizer que um monstro “lá em cima” poderia estourar e destruir a comunidade. “Mal sabia o meu avô que 13 anos depois de sua morte a profecia iria se cumprir. O monstro rompeu e matou pessoas, e continua matando”, disse a atingida se referindo ao aumento de casos de depressão e tentativas de suicídio. “Em Gesteira, tinha cinco pessoas com problemas mentais antes da barragem romper. Agora são mais de 60”, diz.

Ela participa do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e ressalta que os impactos do crime da Samarco se renovam a cada dia, afetando especialmente as populações mais pobres. “Um exemplo foi quando limparam o centro da cidade, tirando a lama da praça central, onde vivem os ricos, e levando para o alto dos morros, onde moram pessoas que não tem uma condição social boa”, relatou.

A moradora de Gesteira falou das dificuldades que enfrenta como mulher, negra e atingida durante sua participação no primeiro debate do seminário que tratou das questões de gênero, raça e classe frente à mineração. Foram realizadas outras mesas de discussão, abordando temas como participação dos atingidos nos processos de decisão, reassentamento e impactos do rompimento da barragem nos povos tradicionais.

 

Fundação Renova

Silvia Lafaiate, pescadora de São Mateus, no litoral do Espírito Santo, também esteve no seminário para discutir a situação de sua comunidade. “Não foi um acidente, foi um crime, mas as empresas não querem nem saber. Nós fomos esquecidos”, desabafou.

A comunidade que vivia da pesca artesanal teve seus rios contaminados pela lama tóxica que vazou da barragem da Samarco. A atingida relatou a falta de atitudes da Fundação Renova. “A única coisa que quero da Renova é o respeito com a vida. Nós estamos sofrendo. Não era para eu estar aqui lutando, era para eu estar no meu cotidiano. Eu quero a minha identidade de pescadora e o meu rio de volta”, afirmou.

Letícia Oliveira, integrante do MAB que atua em Mariana, apontou que a Fundação Renova viola direitos humanos, não reconhece diversas pessoas que foram atingidas, paga irrisórias indenizações e é ineficiente nas obras – já que, após três anos, construiu apenas uma casa em Mariana. “A existência Fundação Renova é uma forma de impedir a participação dos atingidos. É para maquiar e dizer que houve decisões que, na verdade, não houve”, aponta.

A militante avalia que a Renova investe em propagandas, e não em ações de reparação aos atingidos.  “A Vale e a BHP precisam dizer para o mundo que podem reparar esse crime para que possam continuar explorando minério de ferro. E, por isso, a Renova quer dizer que as empresas criminosas conseguem resolver o problema que criaram. Mas está claro que não conseguem”, disse.

A defensora pública do Espírito Santo, Mariane Sobral, criticou o acordo que criou a Fundação Renova e foi assinado pela Samarco, governo federal e dos dois estados afetados, chamado de Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC). “Foi um acordo sem nenhum tipo de participação popular”, afirma. A defensora também apontou que o poder público foi omisso, deixando para entidades privadas assumirem as reparações aos atingidos, e criticou o grande poder dado para a Fundação Renova para definir quem são os atingidos e como devem ser reparados.

“A maior parte dos auxílios financeiros e de indenizações foram para os homens atingidos. Falta a Renova e o poder público discutirem o direito das atingidas”, defende. Sobral apresentou dados que apontam que, apesar das mulheres corresponderem a 49,4% da população reconhecida como atingida até o momento, correspondem a apenas 31,5% das pessoas que receberam o auxílio emergencial. Ela criticou a falta de ações afirmativas para garantir tratamento diferenciado para grupos como mulheres, idosos e crianças. “Nós observamos na Bacia do Rio Doce que pessoas idosas morrem sem nem receber a resposta da indenização da Renova”.

Helder Magno, do Ministério Público Federal (MPF), também criticou o acordo e as ações da Fundação Renova. “Os governos fizeram um acordo de gabinete e os programas que seriam executados pela Renova foram pensados dentro de escritórios, sem ouvir os atingidos”, diz. Magno afirmou que a Fundação Renova cadastrou os atingidos sem que eles saibam para que serve o cadastro. “Como a Renova age dessa forma, impondo aos atingidos um acordo sem dar a informação adequada? Ela está cometendo um novo crime quando faz acordo com pessoas em situação de vulnerabilidade e sem informação adequada”, afirma.

 

Fortalecimento coletivo

Simone Silva conta que se emocionou com os relatos da equatoriana Gloria Chicaiza e da boliviana Anela Cuenca que apresentaram os trabalhos da Rede Latinoamericana de Mulheres Defensoras dos Direitos Sociais e Ambientais e trouxeram casos da participação das mulheres na defesa de seus territórios ameaçados pela mineração. “São processos muito parecidos e não é fácil ficar sem resposta. Nós estamos há três anos sem resposta, mas nos fortalecemos quando encontramos mulheres guerreiras. Tivemos um encontro agora com as mulheres atingidas e nos sentimos abraçadas, confortadas”, disse.

O encontro de mulheres e crianças atingidas pela barragem do Fundão aconteceu nos dias 04 e 05 de novembro, em Mariana (MG) e marcou o início das atividades da Marcha “Lama no Rio Doce: 3 Anos de Injustiça”. Organizada pelo MAB, a marcha irá percorrer o trajeto da lama de rejeitos, partindo de Mariana (MG) rumo a Vitória (ES). Serão mais de 650 km de marcha, passando por 14 municípios para realizar manifestações, atos culturais, celebrações religiosas e assembleias para denunciar a lentidão da empresa e da Justiça na reparação dos atingidos.

Por Júlia Rohden, jornal Brasil de Fato

Conteúdos relacionados
| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

Desenvolvimento para quem? Piauí, um território atingido pela ganância do capital

Coletivo de comunicação Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Piauí, assina artigo sobre a implementação de grandes empreendimentos que visam somente o lucro no território nordestino brasileiro