Após manifesto, juiz federal recebe atingidos pela Samarco

Jacques de Queirós, juiz federal em Ponte Nova, apresentou suas explicações para a suspensão do processo criminal contra a Samarco e ouviu relatos da indignação dos atingidos sobre a impunidade […]

Jacques de Queirós, juiz federal em Ponte Nova, apresentou suas explicações para a suspensão do processo criminal contra a Samarco e ouviu relatos da indignação dos atingidos sobre a impunidade do crime que matou 19 pessoas.

Atingidos organizados pelo Movimento dos Atingido por Barragens (MAB) realizaram um manifesto na tarde desta terça-feira (22) na porta da Justiça Federal em Ponte Nova, Zona da Mata de Minas Gerais, para denunciar a forma com que a Justiça brasileira tem tratado os réus do maior crime ambiental do Brasil e o maior da mineração global

O juiz Jacques de Queirós Ferreira, titular na Vara Federal de Ponte Nova e responsável por 22 cidades na região, acatou pedido da defesa da Samarco, da Vale, da BHP Billiton e suspendeu o processo criminal contra elas. A decisão beneficiou, além do presidente atualmente afastado da Samarco, Ricardo Vescovi de Aragão, o diretor de Operações e Infraestrutura, Kleber Luiz de Mendonça Terra, três gerentes operacionais da empresa, 11 integrantes do Conselho de Administração da Samarco e cinco representantes das empresas Vale e BHP Billiton na governança da empresa que respondem na ação penal por dolo eventual.

A esta decisão soma-se outras que beneficiam as empresas. Em março de 2016, após discordância sobre a competência judicial, a investigação criminal conduzida pela Polícia Civil foi suspensa, o que atrasou a apuração dos fatos.

Um ano depois, as rés nos processos firmaram Termo de Colaboração com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais em que assumem a responsabilidade de organizar o processo de indenização dos moradores de Governador Valadares, no que concerne a problemática da água, entregando nas mãos das criminosas o protagonismo que deveria ser das comunidades atingidas na reconstrução de suas vidas.

Há menos de dois meses, o juiz da 12ª Vara Federal em Belo Horizonte suspendeu a Ação Civil Pública do Ministério Público Federal (MPF) que, entre outras violações, questiona a não participação dos atingidos na criação da Fundação Renova o que, na prática, enfraquece a pressão sobre as criminosas.

Para registrar a sua indignação, os atingidos vindos de Barra Longa e Rio Doce realizaram um ato simbólico e silencioso na porta do prédio da Justiça Federal portando faixas de “Luto pelo rio Doce” e “Crime da Samarco: (in)justiça que se RENOVA”. Foi o suficiente para incomodar e fazer Jacques de Queirós receber os manifestantes, acompanhado do procurador da Advocacia Geral da União (AGU) e ex-prefeito de Ponte Nova, Guto Malta.

O juiz se justificou para os atingidos dizendo que fez o que pede a legislação. Como apareceram escutas fora do período pedido judicialmente, considerou prudente suspender temporariamente o processo para ele não ser anulado em outras instancias. Ele mesmo lembrou outras investigações como a Satiagraha e Castelo de Areia, anuladas pelos tribunais superiores com os mesmos argumentos.

Disse que é garantista e que pensa diferente de muitos de seus pares no poder judiciário, mas que não aceita violar o direito de ninguém e que o devido processo legal deve ser respeitado. Falou que tem 7 mil processos em andamento sob sua responsabilidade e que o processo criminal já possue cerca de 100 volumes com 400 testemunhas e que sua estrutura física e de servidores é insuficiente para atender as demandas.

Presente na reunião, o jornalista e integrante da coordenação do MAB, Thiago Alves, refez o convite para o juiz visitar a região, o que, sua opinião, ajudaria na sensibilização da análise dos fatos. Jacques falou que já visitou Barra Longa e que sua ida foi discreta. Ele não tem competência nas questões sociais e ambientais e que não pode interferir nos procedimentos da 12ª Vara Federal. 

Os atingidos ouviram cuidadosamente o juiz e o procurador federal, protocolaram a nota do MAB sobre o cancelamento e o texto “A Samarco, a justiça brasileira e a nudez em praça pública”, divulgado pelo movimento. Simone Silva levou sua filha de 3 anos e relatou muitos problemas de saúde enfrentados por ela e por outros membros de sua família, bem como os atrasos na garantia das questões definitivas como o reassentamento em Gesteira. “Vivemos uma luta diária para garantir nossos direitos. Eu não tenho cartão e nenhuma renda que vem da Samarco e minha casa foi afeitada, assim como de muitos outros moradores”, contou.

Serginho Papagaio, também atingido de Barra Longa, falou de seu amplo conhecimento na região atingida e dos muitos dramas humanos vivenciados e que pioram com o sentimento de impunidade.

Para Thiago Alves, foi uma conversa positiva, mas que registra e reafirma a posição do movimento sobre o papel da Justiça brasileira. “Concordamos com o Juiz que não podemos ceder em princípios em nome de uma suposta ‘justiça’, tais como divulgar grampos que contém conversas entre réus e advogados, o que seria dar força a fascização e a barbárie em marcha no Brasil,”, comenta.

“Mas, o respeito ao devido processo legal não pode significar abrir brechas ridículas para que as mineradoras escapem de uma condenação justa diante de um crime tão complexo. Nosso papel enquanto movimento que luta por direitos, justiça e democracia é denunciar, dar voz a esta indignação e fazer a luta pressionando também a Justiça e esta tarefa continuaremos cumprindo”, conclui.

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