Mulheres atingidas dos cinco continentes reafirmam seu protagonismo na luta popular
O segundo dia do IV Encontro Internacional culminou com o grito unificado das mulheres: a luta não vai recuar!
Publicado 10/11/2025 - Actualizado 10/11/2025

Mulheres. Atingidas pelo modelo capitalista, racista, patriarcal, machista e homofóbico. Que travam a luta do dia a dia para garantir a continuidade da vida frente à tantas crises. Mulheres assassinadas por serem o que são. Mortas por companheiros, por capatazes, por mandantes sem identidade. Com vidas ceifadas por defenderem sua casa, seu território, seu direito à alimentação, à água e a vida plena.
Nilce de Souza Magalhães, Marielle Franco, Mãe Gilda de Ogum, Dilma Ferreira Silva, Debora Moraes, Flávia Amboss, Bertha Cáceres, Diana Carolina Rodriguez Madrigal. Foi a memória das companheiras que traçaram diversas batalhas na construção de um outro mundo, que inspirou as mulheres a gritarem por respeito, por liberdade e por um futuro justo na noite de sábado (08), no IV Encontro Internacional de Comunidades Atingidas por Barragens e Crise Climática.
Da periferia aos campos, elas lideram as pautas por direitos, terra e moradia em todo o mundo, e cada uma em sua realidade – seja na África, Ásia, Oceania, Europa ou América do Sul – protagonizam a luta popular e garantem a organização de outras companheiras em defesa das águas, da vida e dos seus territórios.
Do berço da humanidade, um grito pela terra

Euxabuce Awuonda, da Marcha Mundial das Mulheres, veio do Quênia e iniciou sua exposição com um alerta: “Eu preciso dizer que as mulheres são 70% da população da África e somente 20% delas têm acesso à terra”. Essa exclusão, em um continente onde a mulher é historicamente guardiã da terra e da agricultura, configura uma violência generalizada. “A terra é um direito fundamental, que precisamos para produzir comida para nós e nossas famílias. Não é possível não falar e não lutar por isso”, afirmou Euxabuce.
Durante a fala, a queniana explicou que, apesar de serem as principais trabalhadoras da terra, as mulheres africanas frequentemente enfrentam grandes barreiras para possuí-la legalmente. Os sistemas tradicionais de herança e mesmo as leis modernas, em muitos casos, privilegiam os homens. Por isso, a luta pelo direito à terra e à herança é uma das bandeiras mais importantes das mulheres no continente, que reconhecem que este sistema favorece ao capital e lutam para quebrar esses ciclos de dependência. “O capitalismo também se aproveita dessa situação, porque impede que as mulheres tenham seu espaço, cultivem, colham e avancem em frente”, pontuou ela.
Euxabuce realçou que o movimento tem um papel fundamental na organização destas mulheres, informando sobre seus direitos e organizando-as em grupos para enfrentar os problemas que elas reconhecem em seus territórios.
“Nós as trazemos para falarem sobre as suas situações, especialmente aquelas que enfrentam secas e enchentes, sinais da crise climática. A partir disso, as mulheres buscam alternativas de energia, de produção e de educação. As mulheres africanas precisam se levantar e saber que têm direitos”, declarou.
Com um pedido aos delegados, Euxabuce Awuonda encerrou sua participação: “Não vamos esperar até o V encontro para fazer alguma coisa. Precisamos fazer isso agora, algo que possa realmente impactar vidas.”
Resistência no Grande Continente Azul

De uma pequena ilha na Oceania, Moñeka Dioro trouxe o canto que celebra a força das mulheres que protegem os homens em cada travessia. Natural das Ilhas Marianas, neste IV Encontro Internacional ela integra a pequena delegação da Oceania, que chama de o “grande continente azul”. Em meio às mais de 10 mil ilhas espalhadas pelo Oceano Pacífico, ela descreveu como os povos do mar têm vivido a crise climática: “Nossas ilhas estão sendo engolidas pelo capitalismo! Sofremos com inundações frequentes causadas pela elevação dos oceanos”.
Para Moñeka, são justamente as populações atingidas dessas ilhas que devem compartilhar suas experiências e saberes na busca por soluções. “Nós somos os primeiros na linha de frente do combate à crise climática. Minha ilha foi colonizada há 450 anos e conquistou sua liberdade há muito pouco tempo, mas é rica por ter um povo que resiste, especialmente nossas mulheres”, afirmou.
A revolução das mulheres curdas

O Curdistão, nação sem Estado cujo território é dividido entre Turquia, Síria, Irã e Iraque, é palco de uma das experiências mais radicais e inspiradoras de organização social do nosso tempo. A luta deste povo, dono de uma identidade, cultura e língua próprias, vai além da busca por autonomia territorial: é um projeto de sociedade revolucionário, que coloca a libertação das mulheres em seu centro.
“No atlas capitalista, o Curdistão pode nem aparecer”, alertou a militante curda Sermin Gueven. Em sua fala, ela detalhou a batalha das mulheres pela superação do patriarcado e denunciou o ecocídio e o genocídio promovidos por grandes projetos imperialistas, como a construção de barragens. “Entretanto, nenhum idioma, nenhuma barragem, nenhum sistema colonial vai nos deter em nossa luta. Porque nós, mulheres, nos conectamos como os rios, desde os menores até os maiores. Quando nos unimos, somos muito grandes e nada pode nos conter”, declarou.
Sermin reforçou que um dos pilares fundamentais do movimento curdo é a ecologia social, que defende uma relação de harmonia, e não de exploração, com a Mãe Terra – vista não como um recurso, mas como uma comunidade da qual a humanidade é parte integrante.
Ao final, com a força que marcou toda a sua fala, Sermin Gueven gritou pelas mulheres, pela vida e pela liberdade, concluindo: “Não é só sobre o passado, ou sobre hoje, mas é também sobre o futuro. Estamos dispostas a lutar juntas, nunca pelo lucro, e sim pelo nosso povo”.
O caminho é colocar a vida no centro

A brasileira Natália Lobo, da Marcha Mundial das Mulheres, encerrou a noite com um alerta crucial: falar de feminismo não garante, por si só, a construção de uma luta capaz de transformar a vida das mulheres. A mudança real, segundo ela, vem da organização coletiva.
“O que muda de verdade a vida das mulheres é a organização coletiva, não só entre elas, mas também junto aos homens, para pautar as suas lutas em todos os espaços”, afirmou.
Natalia apresentou os princípios da economia feminista, uma perspectiva que coloca a sustentação da vida – e não o lucro – no centro do projeto político. “Ter a vida das pessoas no centro é avaliar também o que sustenta esta vida, que hoje é o trabalho das mulheres, feito muitas vezes de forma invisível. Mas este trabalho não pode ser só das mulheres; precisa ser também dos homens e, principalmente, do Estado”, denunciou.
Ela reforçou a urgência de se reconhecer que as mudanças climáticas atingem especialmente as mulheres, impactando a soberania alimentar, aumentando a sobrecarga de trabalho e agravando as violências e a violação de direitos. Para Natália, a resposta já existe na prática das mulheres. “Temos na nossa organização e na nossa rotina as soluções para os problemas que debatemos. O desafio é lutar para efetivar essas soluções de forma global”.
