NOTA | Mais uma vez, instituições impõem injustiças e agravam desigualdades na reparação pelo crime de Brumadinho
70% dos atingidos e seis municípios da Bacia do Paraopeba vão ficar sem assessoria técnica independente, em momento crítico do processo de reparação, com prejuízo à participação
Publicado 14/10/2025 - Actualizado 14/10/2025

Tragédias anunciadas. É assim que o MAB definiu os crimes de Mariana e Brumadinho. E agora, na luta por direitos e reparação integral no crime de Brumadinho, a história se repete como farsa. Mais uma vez, o direito à Assessoria Técnica Independente (ATI) é colocado em enorme risco, dessa vez a mando das Instituições de Justiça (IJs) atuantes no caso – Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) e Ministério Público Federal (MPF).
A quem interessa o desmonte da participação justamente quando estão chegando os projetos definidos pelas comunidades atingidas? A precarização das Assessorias Técnicas Independentes no crime da Vale de Brumadinho a Três Marias ocorre em meio à conquista do Anexo 1.1 do Acordo, em que 300 milhões serão investidos em projetos de demandas comunitárias para reativação econômica e de qualidade de vida dos municípios atingidos.
No último dia 10, o relator André Leite Praça do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), foi infelizmente convencido pela falsa narrativa criada pelas IJs junto à coordenação que foi imposta às ATIs sem consulta aos atingidos, chamada de Coordenação Metodológica Finalística (CAMF). O desembargador relator, Leite Praça, concedeu uma liminar, isto é, uma decisão antecipada em um recurso judicial chamado agravo de instrumento.
Essa decisão judicial, na prática, suspende o direito à ATI nas regiões 1 e 2 – onde, pelos estudos recentes, se concentra 70% da população atingida, onde estão concentrados a maior parte dos rejeitos e, portanto, contaminação ambiental, incluindo os municípios de Brumadinho, Betim, Mário Campos, Igarapé, São Joaquim de Bicas e Juatuba. O que significa a desmobilização e encerramento da atuação da AEDAS e de mais de 100 técnicos, que deverão entrar em aviso prévio em breve, caso a situação não se reverta nos próximos dias.
A decisão também impõe rebaixamentos no direito à Assessoria Técnica Independente com a homologação dos termos aditivos para que a ATI siga nas regiões 3, 4 e 5, já que agora a CAMF poderá emitir relatórios de avaliação sobre desempenho das ATIs com base em critérios não definidos que irão condicionar o pagamento das ATIs.
Isto é, na prática, se o direito à Assessoria Técnica Independente vai continuar com condições mínimas dependerá no que pensa a CAMF, uma entidade não democrática a quem foi dado poderes sem consulta às comunidades atingidas. A Coordenação Metodológica Finalística decidirá com base no juízo de valor de sua equipe ou no que for mandada pelas Instituições de Justiça.
A situação orçamentária das ATIs era tão grave que as ATIs das regiões 3, 4 e 5 foram praticamente obrigadas a aceitar os termos impostos em prazo exíguo. Praticamente toda a equipe do Instituto Guaicuy, que presta assessoria técnica independente nas regiões 4 e 5, passou por quase um mês de aviso prévio, já que as IJs pressionam as ATIs estrangulando seu orçamento e atrasando o pedido por novos repasses.
Resumindo, quem definiu os termos de contratação, orçamento e prazos de atuação das ATIs hoje são as IJs, sem nenhuma participação popular, contrariando a legislação como a Política Estadual e Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PEAB – Lei Estadual 23.795/2021 e PNAB – Lei Federal 14.755/2023) e a Recomendação 08/2025 do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), sobre aplicação imediata da PNAB ao caso. A ATI que não aceitasse os termos impostos seria trocada, novamente sem consulta às comunidades atingidas que escolheram quais entidades iriam conduzir os trabalhos.
A justificativa das IJs seria de que teriam total autonomia pra gerir o que caberia à elas dentro do Acordo Judicial de 2021, firmado entre MPF, MPMG, DPMG, a poluidora Vale e o Estado de Minas Gerais. No entanto, o MAB lembra que o direito tutelado não é das Instituições de Justiça, e sim do povo mineiro que aqui reside, e dos 26 municípios atingidos de forma explícita pelo crime.
O direito à ATI foi criado na luta, pelo desejo das comunidades atingidas, desde o crime da Samarco/Vale/BHP em Mariana. Lá também, na luta por reparação na Bacia do Rio Doce, o Judiciário buscou limitar o direito à assessoria técnica independente, colocando “ressalvas” limitadoras às funções das ATIs e buscando postergar o financiamento de suas atividades.
Esse direito, bom lembrar, surgiu para garantir o direito à participação informada às pessoas atingidas no processo de reparação e compensar um pouco a desigualdade de armas no processo judicial frente a empresas bilionárias. Portanto, qualquer ataque à esse direito é um ataque à todas às ATIs e a todas as comunidades atingidas. O MAB já denunciou em notas recentes os “cortes de orçamento, atrasos na liberação de recursos e perseguições contra entidades que prestam o serviço. Para o movimento, essas ações ameaçam não apenas a continuidade das ATIs, mas também o direito de milhares de famílias a uma reparação justa e integral.” (confira aqui a nota completa).
No caso concreto, se faz necessário reverter, de forma imediata, o posicionamento do relator Leite Praça. As decisões tomadas pelo juiz de primeiro grau, Murilo Silvio de Abreu, foram adequadas e pertinentes ao caso, já que havia garantido um mínimo de recursos financeiros para continuidade das ATIs em toda a Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias. As decisões do juízo foram necessárias em meio a falta de colaboração das IJs, em um processo complexo e de enorme tamanho como é o crime da Vale de Brumadinho a Três Marias, que justifica medidas estruturantes e atípicas conforme recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça (Recomendação 163/2025 do CNJ).
As IJs reclamaram que não foram ouvidas para definir os critérios revistos pelo juiz para definição do orçamento. Mas foram elas que pediram à CAMF para inventar critérios até agora não justificados para definir um teto orçamentário arbitrário e uma divisão de recursos por ATI, que na prática inviabiliza os trabalhos, principalmente frente às metas impostas. O orçamento previsto para cada ATI desconsidera questões relevantes, como vinculação orçamentária proporcional às metas de mobilização das pessoas atingidas e extensão territorial assessorada.
As IJs, por estarem com as mãos sujas de lama ao se juntarem à Vale para realizar o Acordo Judicial, agora vão se tornando cúmplices da empresa poluidora na execução da injustiça e falta de participação e transparência. Cada vez mais, vão se fechando e decidindo sobre direitos alheios, de forma tirana e ao arrepio da democracia.
Se no crime do Rio Doce, o juiz que atacou o direito à ATI se autointitulava o “juiz Moro do Rio Doce”, no crime de Brumadinho temos fieis discípulos no MPMG, MPF e DPMG de uma linha excludente e que viola direitos humanos mensalmente, como se fossem pagos pra isso e não pra resguardar o interesse coletivo.
Embora profundamente decepcionado com mais esse ataque, o MAB, que já vem repetidamente alertando e buscando conscientizar as IJs, reforça que irá divulgar amplamente os desmandos e ilegalidades que vem sido perpetrados por quem deveria defender o povo. E irá em breve convocar todas as pessoas atingidas por se unir e denunciar nas ruas e nas cortes mais essa injustiça.
“Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira” Pablo Neruda.
Ataque à ATI é ataque ao direito dos atingidos!
Lei dos atingidos aplicar, pra reparação avançar!
Belo Horizonte, 14 de outubro de 2025
Coordenação do MAB na Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias
