“É preciso estruturar um serviço de atendimento de saúde às populações expostas à atividade minerária em MG”, diz pesquisador da Fiocruz  

Diante dos dados sobre contaminação da população de Brumadinho, o doutor em saúde pública, Sérgio Viana, diz que é necessário detectar as vias de exposição das comunidades atingidas e propor medidas efetivas para minimizar seus efeitos

Há seis anos, o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, causou 272 mortes, mas a contaminação segue afetando a vida de moradores do território. Foto: Fotos Públicas

“A nossa vida virou de cabeça pra baixo. Eu era agricultora e tive que parar de mexer com a terra quando tudo aconteceu. Meu irmão Paulo, que estava trabalhando na horta na hora da tragédia, foi atingido e não resistiu, morreu. E minha família está, assim, toda adoecida. E nem a terra a gente consegue mais vender. Só de pensar eu tenho vontade de chorar. Tem 27 anos que a gente planta no mesmo lugar, mas o que a gente colhe hoje não dá pra sobreviver”, afirma Aparecida Paré.

“A tragédia aconteceu dia 25 de janeiro de 2019, mas ela continua todo dia e toda hora”, sentencia a atingida.


Relatos como o de Aparecida, moradora do povoado Tejuco, localizado em Brumadinho (MG), se repetem em muitas comunidades do município afetado pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em 2019. Na ocasião, 272 pessoas morreram (uma pessoa ainda está desaparecida) e 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério foram despejados na Bacia do Rio Paraopeba, mas muitas outras vidas foram impactadas no território. “Teve muito caso de suicídio depois do rompimento. Só aqui, no Tijuco, foram 16 pessoas. É muito triste porque a nossa comunidade é muito pequenininha”, conta Aparecida, que relata que os casos de depressão cresceram consideravelmente no povoado formado por 700 famílias.

Até agora ninguém foi responsabilizado criminalmente pelo caso do Paraopeba. O processo criminal, inicialmente admitido na Justiça estadual, foi federalizado e, atualmente, está correndo o prazo para que os réus apresentem a defesa. Enquanto isso, a população segue enfrentando os efeitos do crime: escassez e contaminação da água, contaminação do solo, adoecimento físico e mental, inviabilidade de atividades produtivas tradicionais e desvalorização das propriedades na região.

Aparecida Paré, de Brumadinho, junto aos integrantes do MAB em ato por justiça. Foto: Arquivo MAB

No último mês, a Fiocruz Minas apresentou novos dados relacionados ao estudo, que avalia a saúde da população após o rompimento da barragem da Vale. Os dados coletados ao longo de três anos demonstram que a contaminação persiste e exige um acompanhamento de longo prazo. Os participantes da pesquisa são monitorados desde 2021, sendo que as análises atuais incluem dados de 2023, permitindo estabelecer uma comparação entre os períodos.

“Há uma continuidade de exposição nesses três anos, demonstrando que há metais disponíveis no ambiente”, explica Sérgio Viana,líder do Grupo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento (NESPE) da Fiocruz.

Segundo a pesquisa, o arsênio é o metal que aparece mais frequentemente acima dos limites de referência. “A exposição crônica a esse metal pode levar a neuropatia (doença que afeta o funcionamento dos nervos periféricos), problemas de pele, gastrointestinais, renais/urinários e alguns tipos de cânceres, principalmente bexiga, pele e pulmão”, complementa o pesquisador.

Guilherme Camponez, integrante da coordenação do MAB, destaca que outro ponto preocupante levantado pelo estudo é que 100% das crianças testadas apresentaram metais pesados fora do padrão.  “O percentual total de crianças acima do valor de referência para arsênio passou de 42%, em 2021, para 57%, em 2023”, diz a pesquisa. 

Indígenas Pataxó Hã-Hã-Hãe vivem na aldeia Naõ Xohã, às margens do rio Paraopeba. Foto: Lucas Hallel Ascom / FUNAI

Para Camponez, essa é a prova de que a população sempre esteve certa: o território segue contaminado. “Os dados vão de encontro ao discurso da Vale, que garante que a água já está limpa. A empresa diz, inclusive, que o rio está melhor do que antes do rompimento”, ressalta o dirigente. 

De acordo com Aparecida, em Tejuco, casos como diarreia e coceira são constantes. “Mas a gente vai no médico e eles só dizem que é virose. Mas o porquê dessa virose?”, questiona. A moradora conta que, além de terem tido sua propriedade atingida pelos rejeitos do rompimento em 2019, as famílias da comunidade receberam lama nas próprias torneiras de casa por conta de outro episódio grave, que aconteceu dois anos após o rompimento.

Para tentar manter a lama tóxica longe das nascentes da comunidade, a mineradora Vale construiu uma caixa de contenção. Ao realizar a limpeza da caixa, porém, funcionários da empresa teriam despejado a lama diretamente no reservatório de água do Tejuco. “Até nossa nascente foi contaminada… Um dia, quando a gente abriu a torneira, só saia lama, em todas as casas. A gente entrou em pânico. Ficamos mais de cinco dias sem água e tudo entupido de lama. Aí a gente ligou pro Ministério Público e, nesse dia, a Vale trouxe um caminhão-pipa. E até hoje é assim. Eles precisam ficar trazendo caminhão ou a gente fica sem”. As famílias que moram no povoado, porém, alegam que a água é insuficiente.

“O estudo da Fiocruz também chama atenção para a questão do adoecimento mental da população, o que é uma situação que os atingidos denunciam há anos”, afirma Camponez. Segundo a pesquisa, a aplicação de escalas para triagem de transtornos mentais mostrou um aumento na frequência dessas condições. Entre os adultos, 28,8% tiveram episódio depressivo maior em 2021; já em 2023, foram 38,4%.

No Rio Doce, contaminação da barragem de Mariana segue afetando saúde coletiva

A 360 km do povoado do Povoado do Tejuco, em Governador Valadares, Cândido Pereira de Oliveira conta que os problemas de saúde também são recorrentes por conta do outro rompimento causado há nove anos pela Samarco (Vale/BHP) em Mariana.

“Tudo foi afetado: a água, a pesca, a plantação. Contaminou a água e a terra. Afetou nosso lazer, a gente ficou nervoso, doente. Ficamos deprimidos, tem que tomar remédio de ansiedade”, conta o morador.

Segundo Oliveira, a sua saúde nunca mais foi a mesma. “Dor de barriga, coceira, meu corpo está todo manchado. Eu coço o corpo que chega a ferir. De 2015 pra cá, nossa vida mudou muito. Faço acompanhamento no posto, vou em médico de cabeça. Só com médico, eu já gastei mais de 25 mil reais, porque eu ainda tenho diabete e piorou depois da tragédia. Hoje, a gente sente muita tontura”, relata.

Para Sérgio Viana, o panorama de saúde coletiva nos territórios atingidos mostra que há necessidade de se estruturar um serviço de atendimento às populações expostas à atividade minerária em Minas Gerais.

“O SUS apresenta enorme potencial, mas é preciso se estruturar as iniciativas, como treinamento e suporte aos profissionais de saúde para atendimento à população, laboratório de referência para realização de exames, protocolo de atendimento e fortalecimento das ações das vigilâncias, sobretudo ambiental, para que possam detectar as vias de exposição e propor medidas efetivas para minimizá-la”, analisa.

Projeto Vigilância em Saúde

Neste contexto, Ministério da Saúde, o MAB e a Fiocruz firmaram uma parceria para lançar um projeto relacionado ao monitoramento das condições de saúde nos territórios atingidos. O objetivo geral é promover e apoiar ações de vigilância popular em saúde, ambiente e trabalho e preparar as populações dos territórios atingidos para identificar, monitorar, comunicar e registrar o surgimento ou agravamento de danos causados pela construção e/ou presença ou rompimento de barragens. Para isso, as populações recebem capacitações facilitadas pelas equipes de Vigilância em Saúde do SUS.

Batizada de “Saúde e Direitos Humanos: vigilância popular e participativa em saúde e ambiente nos territórios atingidos por barragens”, a iniciativa foi lançada durante o G20 Social e irá levar formações presenciais para diferentes territórios atingidos do país.

Participação da ministra Nísia Trindade na mesa sobre saúde durante o G20 Social, quando aconteceu o lançamento do projeto sobre Vigiância em Saúde. Foto: arquivo MAB

Segundo Moisés Borges, integrante da coordenação e do Coletivo de Saúde do MAB, os vigilantes formados pelo projeto vão fazer a fiscalização dos empreendimentos nos seus territórios, a denúncia em casos de violação de direitos e o contato com os órgãos de saúde para garantir a proteção da população. “Dessa forma, a iniciativa aumenta a participação da comunidade na garantia da saúde coletiva e na proteção do meio ambiente de forma técnica e democrática”.

Ainda de acordo com o coordenador, o projeto tem inspiração na metodologia da Educação Popular, dialogando com o legado de Paulo Freire para fomentar práticas emancipatórias. Ele também conecta movimentos sociais e serviços de saúde, estimulando o desenvolvimento de estratégias locais, como planos de ação comunitária e sistemas de vigilância integrados.

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