Milhares de atingidos de Jequié (BA) lutam na justiça por reparação de danos causados pela CHESF no estado
Além de indenização, moradores representados pela Defensoria Pública, exigem um plano de ação da Companhia para evitar novos desastres e garantir segurança da população na região
Publicado 12/09/2024 - Atualizado 12/09/2024
“Vimos construções de toda uma vida ficarem embaixo d’água, em pleno Natal. Um dia que era pra ser feliz, nos trouxe traumas para sempre. Por isso, estamos nas ruas, porque entendemos que a CHESF precisa pagar os danos que causou nas nossas vidas”, relata Jeiziane Brito, moradora do bairro Curral Novo, alagado em Jequié (BA), após a abertura repentina das comportas da Barragem de Pedra, no dia 25 de dezembro de 2022. Com receio de viver o mesmo episódio que se repetiu durante dois anos consecutivos, a população atingida de Jequié foi às ruas no último dia 03 para pedir justiça e medidas de prevenção que possam evitar novas inundações no município.
Em dezembro de 2021 e de 2022, diferentes cidades do Sudoeste da Bahia ficaram debaixo d’água por conta do aumento inesperado da vazão da Barragem de Pedra, de propriedade da CHESF, na Bacia do Rio de Contas. Em Jequié, aproximadamente 30 mil pessoas foram atingidas, direta ou indiretamente, incluindo moradores de comunidades ribeirinhas e de conjuntos habitacionais do programa “Minha Casa, Minha Vida”, além de comerciantes e feirantes do centro da cidade. Um ano e nove meses após o último episódio, atingidos seguem aguardando indenização e reparação dos danos causados: destruição de equipamentos públicos, casas, móveis, documentos e instrumentos de trabalho de famílias que foram obrigadas a abandonar a ceia de Natal para escapar da morte, quando a água invadiu suas casas.
Integrante da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Cleidiane Barreto relata que, até hoje, apesar das inúmeras perdas, não houve reparação aos atingidos pelas enchentes.
“A decisão irresponsável da CHESF colocou em risco a vida de milhares de pessoas e elas seguem sem reparação justa. Muitas famílias ficaram sem casa, sem fonte de renda e com enormes dificuldades para retomar a vida” declara a dirigente.
CHESF foi responsabilizada na justiça
Desde janeiro de 2023, a Procuradoria Geral do Estado da Bahia obteve decisão determinando à CHESF a apresentação de planos de segurança, de contingência e de recuperação das áreas afetadas pelo alagamento. Na ação civil pública, ficou demonstrada a responsabilidade da empresa no descontrole da vazão da barragem, o que provocou inundações em cadeia, com graves consequências no meio ambiente e na vida da população.
Apesar da determinação judicial, a empresa não adotou qualquer providência para mitigar ou reparar os danos. Por conta disso, a Defensoria Pública da Bahia interveio no processo, ratificando os pedidos de indenização por danos patrimoniais e morais às vítimas e enfatizando-se a urgência na análise das violações sofridas pela população.
“Destacamos também a necessidade de um protocolo de atuação para evitar eventos futuros danosos à população, de modo que a CHESF seja compelida a promover medidas de não repetição do evento, além da reparação dos danos socioambientais”, afirma o defensor Gabriel Salgado.
Para reforçar essa reivindicação de justiça e mais segurança para os moradores, no último dia 03, o MAB organizou um ato em Jequié com a presença de atingidos dos bairros Mandacaru, Quilômetro 3 e Joaquim Romão, que marcharam rumo ao fórum da cidade, para pressionar as autoridades sobre o andamento do processo coletivo.
Gabriel Salgado explica que entre as principais demandas que constam na ação estão a oferta de apoio psicológico às vítimas, a adoção de medidas de apoio financeiro e de fomento da atividade empreendedora a serem ofertadas aos comerciantes locais. “Além disso, outras medidas de reparação devem ser definidas com o auxílio da sociedade civil, em especial, do Movimento dos Atingidos por Barragens”, afirma.
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Ato dos atingidos exige justiça e segurança
Durante a manifestação dos atingidos, o juiz Gabriel Alvares Campos, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Jequié, recebeu integrantes do MAB para uma reunião com o objetivo de esclarecer o andamento do processo movido contra a CHESF. Na ocasião, o magistrado destacou que este é um processo prioritário, de interesse público, e que todos estão empenhados para que o seu andamento ocorra da forma mais ágil possível.
Para Maratania Pereira, atingida do bairro Mandacaru, a reunião com o juiz foi positiva. “Foi um momento de escuta, onde apresentamos um panorama de como estão as nossas vidas após as enchentes. Entender e ouvir a população atingida nesse momento é muito importante. Pois, além das marcas materiais que serviram como provas nesse caso, as enchentes deixaram marcas psicológicas no nosso dia a dia”, ressalta.
“Importante pontuar que as pautas e pleitos emergenciais reivindicados pelo Estado da Bahia como pedidos liminares, a exemplo do auxílio emergencial em favor dos atingidos pela enchente, embora deferidos pelo Judiciário no início de janeiro de 2023, encontram-se suspensos, em razão da pendência de julgamento, por parte do Tribunal de Justiça da Bahia, de recurso interposto pela CHESF”, explica Yana de Araújo Melo, coordenadora da 12ª Defensoria Pública Regional – Jequié.
Segundo Cleidiane, a impunidade da CHESF pode acarretar diversos outros problemas com grandes empreendimentos no Brasil. “Entendemos que a luta por justiça e reparação é fundamental para a garantia de direitos das pessoas. Além disso, o processo sendo favorável aos atingidos será exemplo pro país, para que casos como o de Jequié não se repitam”, destaca.
A manifestação integrou a Jornada Nacional de Lutas do MAB, que no 05 de setembro – Dia da Amazônia – realizou atos em todo Brasil, intensificando as denúncias sobre o aumento das queimadas no país, que impulsiona a crise climática e os eventos extremos, como a seca nos rios da Amazônia e as enchentes na Bahia, no Rio Grande do Sul e em outros estados brasileiros.