Rauber faz reparos a relatório holandês e diz que gestão municipal deixou de cumprir suas obrigações

Ex-diretor do DEP garante que não há erro estrutural de projeto no Sistema de Proteção contra Inundações de Porto Alegre

Sacos de contenção foram colocados na frente das comportas de Porto Alegre – Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Vicente Rauber é um dos maiores conhecedores dos sistemas de saneamento e anti cheias de Porto Alegre. Ele é engenheiro especialista em Planejamento Energético e Ambiental, ex- Diretor do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), extinto em 12 de julho de 2017, durante uma reforma administrativa da Prefeitura de Porto Alegre, na gestão de Nelson Marchezan, e consultor de empresas privadas, além de várias outras atividades ligadas a estas áreas. 

Hoje, Rauber se debruçou sobre o relatório holandês entregue ao DMAE na segunda-feira (19), avaliando e apontando problemas estruturais do sistema anti cheias de Porto Alegre – erros técnicos de desenho e execução de diques, além de falhas das estações de bombeamento e das comportas.

Conforme os holandeses, os erros técnicos em diques concentram-se na zona Norte: algumas estruturas têm 1,5m a menos do que deveriam, segundo a verificação. Em relação às casas de bombas, o estudo aponta que elas precisariam estar em altura superior à cota dos diques para que não apresentassem problemas.

Elaborado por integrantes do programa Redução de Risco de Desastres, vinculado à Agência Empresarial Holandesa, que estiveram em Porto Alegre em junho, recomenda medidas como capacidade de bombeamento temporário em caso de emergências, monitoramento de curto prazo dos diques e alertas com antecedência e assertivos para que a população possa se proteger de inundações.

Rauber elaborou aquilo que chama de “Reparos necessários às versões dos relatórios da delegação holandesa”, feitos na sua visita à Capital. A conclusão do especialista é essa: “Não há erro estrutural de projeto no Sistema de Proteção contra Inundações de Porto Alegre. Há sim uma gestão que deixou de cumprir com seus compromissos públicos.”

Confira toda manifestação feita pelo ex-diretor do DEP:

“Tão logo a inundação generalizada foi ocorrendo em Porto Alegre, no início de maio, um grupo de 48 profissionais – ex-dirigentes do Saneamento e áreas vinculadas, professores e pesquisadores – sentiram-se completamente indignados com o que viam, comportas externas vazando, casas de bombas também com as comportas vazando, as águas do Guaíba invadindo pelas próprias canalizações, fazendo chafarizes nas bocas-de-lobo. Ficaram mais indignados ainda quando viram que os defeitos não estavam sendo sanados com mergulhadores, profissionais especializados que trabalham sob águas, usualmente atuantes nas atividades do saneamento a qualquer tempo.

Eles redigiram uma “Manifestação aos porto-alegrenses” fazendo um diagnóstico da situação e apresentando propostas emergenciais, com a cidade ainda inundada, e propostas para após as águas baixarem. A manifestação teve ampla repercussão nacional, internacional e local, por ser uma importante contribuição visando a solução dos problemas constatados. No entanto, foi mal compreendida. A reação dos dirigentes da Prefeitura e do DMAE foi atacar os signatários e negá-la.

Preferiu-se então trazer uma ampla delegação holandesa que, após avaliar a situação, anunciou preliminarmente:

É necessário recuperar a integridade do sistema, fazer o monitoramento de seus níveis de integridade. Monitorar vazões e ventos, com alertas para a população.

Ou seja, nada diferente da nossa manifestação e dos nossos alertas, entre eles engenheiros do DMAE e especialistas em pesquisas hidráulicas. Frise-se: ‘recuperar a integridade’ é fazer a manutenção que deixou de ser feita.

É importante fazer uma troca de experiências com os holandeses, por todo seu conhecimento e experiência histórica. A questão ruim é como foram trazidos, para tentar negar o que era bem conhecido em nível local.

Nesta segunda-feira (19) a delegação holandesa entregou à direção do DMAE o relatório final. O DMAE  informou somente que irá divulgar a sua íntegra daqui a dois meses. Por que escondê-lo se é de interesse público?

Resolveu chamar uma entrevista coletiva para divulgar a sua versão.

Segundo informado, o relatório aborda centralmente três pontos: a baixa altura dos diques do Sarandi, as deficiências nas Casas de Bombas, que foram construídas num nível mais baixo, e as fragilidades das Casas de Bombas.

Na entrevista a palavra manutenção não esteve proibida. A versão apresentada é a de ‘que existem problemas estruturais decorrentes da construção do Sistema de Proteção contra Inundações’.

Se assim realmente consta do relatório é necessário perguntar qual fonte de informações foi dada à delegação holandesa. Erro de projeto verifica-se no projeto. Ou seja, seria necessário revisar a documentação técnica do DNOS que estava arquivada no DEP, essencial para o exercício das atividades. Era usada permanentemente e foi base da publicação ‘Prevenir é o melhor remédio’. Certamente esta documentação não foi apresentada à delegação holandesa. Anteriormente um dirigente do DMAE já havia informado que esta documentação não existia no Departamento. Ou esta documentação está escondida ou foi realmente perdida, o que é gravíssimo, e os responsáveis por transferir o DEP ao DMAE precisam responder por isto!

Vamos aos fatos:

– Diques do Sarandi – Os principais diques são os diques Sarandi (Arroio das Pedras) e Fiergs (Arroio Santo Agostinho). Foram construídos nas alturas corretas, no caso, na cota 6,5m com a régua Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS).

Estão sendo degradados há anos. Em 2018, a Metroplan, no seu relatório visando a implantação dos diques no Arroio Feijó, de competência estadual por ser a divisa entre os municípios de Porto Alegre e Alvorada, alertou para a necessidade de recomposição destes diques. Este alerta foi encaminhado à Prefeitura de Porto Alegre, para conhecimento e providências. Nada foi feito.

– Casas de Bombas – Igualmente foram construídas pelo DNOS, atendendo recomendações dos engenheiros alemães, os construtores. A altura dos motores nas Casas de Bombas está correta. As Casas de Bombas não foram feitas para operar inundadas. Aliás, todo o Sistema foi feito para proteger a cidade e não para inundá-la. Atendem na melhor eficiência para mais de 95% das necessidades de operação. Com as águas subindo necessitam de mais potência. Com o crescimento da cidade há necessidade de mais potência para retirar as águas das chuvas.

Por isto, os Engenheiros do DEP, em 2014, elaboraram um Plano de Ampliação e Modernização das Casas de Bombas e obras no Arroio Moinho, para o qual a presidenta Dilma liberou R$ 124 milhões a fundo perdido (ratificados por Temer e Bolsonaro), perdidos em 2019 por falta de projeto executivo (DEP foi extinto em 2017). E a atual gestão, mesmo acumulando R$ 430 milhões em aplicações financeiras, também não executou nada do programa em cinco anos.

– Fragilidades das comportas – Falou-se em atualização das comportas em 2010.

O que aconteceu de fato: A última revisão com reformas foi realizada em 2020. Em informação oferecida pelo DMAE, para investimentos entre 2021 e 2024, não consta nenhum recurso destinado a comportas e Casas de Bombas.

Malditas comportas: Não possuem nenhuma manutenção desde 2020, mesmo tendo sido operadas em setembro e dezembro de 2023, quando, pelo menos nestas oportunidades deveriam ter sido registrados seus defeitos e contratadas as respectivas manutenções. Tempo e dinheiro não faltaram.

A comporta nº 3, próxima ao Tribunal de Contas do Estado, importante acesso ao porto, numa cena dantesca, foi arrancada ao invés de ser aberta devidamente.

A seguir, num rompante, foi anunciado que todas as comportas seriam substituídas. Ora, porque não revisá-las e verificar quais suas reais necessidades.

Agora anunciou-se que oito das 14 comportas externas seriam eliminadas, sendo concretado nestas aberturas. Em relação a de nº 14, que permite acesso aos clubes náuticos e outras importantes atividades da região Norte junto ao Rio Gravataí, houve fortes manifestações públicas contrárias e a direção do Dmae resolveu retirá-la da relação. E as outras sete? Qual a justificativa para a sua eliminação?”

Nota da prefeitura

No seu site, a prefeitura afirmou, a propósito do relatório holandês, que “o detalhamento entregue ao DMAE inclui sugestões para curto, médio e longo prazo. Foram feitos apontamentos no desenho e na execução dos diques, realizada entre as décadas de 1960 e 1970 na zona Norte.” Menciona, ainda, que nos próximos dias serão realizadas obras emergenciais nos diques do Sarandi e Fiergs.

“Em paralelo, está sendo realizado o trabalho de sondagem para a continuidade do reforço na proteção da zona Norte. As intervenções nas Estações de Bombeamento de Águas Pluviais serão contratadas nas próximas semanas, a partir da entrega dos anteprojetos encomendados pelo Departamento. As casas de bombas passarão por elevação de painéis elétricos, substituição de motores e instalação de geradores. O DMAE fará, ainda, a substituição e fechamento de comportas”.

Edição Katia Marko

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