Vale do Taquari é destruído pela terceira vez em menos de um ano por conta de extremos climáticos no Rio Grande do Sul

Integrantes do MAB que conseguiram chegar à região relatam situação de fome e falta de água entre atingidos que estão em municípios mais isolados

Rio Taquari atinge o terceiro maior nível da história. Foto: Jornal A Hora
Rio Taquari atinge o terceiro maior nível da história. Foto: Jornal A Hora

“Tem companheiro nosso que está com lama da enchente na roupa do corpo até hoje, porque não tem água nem pra beber”, conta Leonardo Maggi, integrante da coordenação do MAB, que está atuando no apoio aos atingidos pelas enchentes no Vale do Taquari. Essa é a terceira vez, em menos de um ano, que a região é devastada por uma inundação. Neste mês de maio, a região foi uma das mais atingidas pelos temporais que assolam o Rio Grande do Sul há mais de uma semana. O Rio Taquari chegou a ultrapassar 30 metros – um recorde histórico amargado por moradores que ainda tentavam refazer suas casas e plantações depois das enchentes de setembro e novembro de 2023. De acordo com Leonardo, a situação ainda é de caos e abandono por conta da dificuldade de acesso ao território, já que muitas vias estão interditadas em todo o estado. “Chegamos, com muita dificuldade, até Lajeado, Estrela e Cruzeiro do Sul. Esses municípios estão com o cenário bastante destruído mesmo”, conta Leonardo.

“Estamos vendo comunidades inteiras que foram arrancadas e arrastadas pelas águas. Comunidades com 200, 300, 400 famílias inteiramente arrasadas. Tudo: desde as creches até a igreja, todas as casas. Até o asfalto foi arrancado. Então, é uma grande cena de escombros. E a angustia pior: há muitos desaparecidos. Onde estão essas pessoas? O receio é de que parte das pessoas que ainda não foram localizadas possam, inclusive, estar soterradas nesses escombros”, relata o dirigente. 

As chuvas que caem no estado desde 29 de abril deixaram pelo menos uma centena de mortos e mais de 130 desaparecidos. O número de feridos já passa de 360. Há 207,8 mil pessoas fora de casa. Desse total, são 48,8 mil em abrigos e 159 mil desalojados (pessoas que estão nas casas de familiares ou amigos).

Alojamentos não tem luz, nem água

Maggi explica que, no Taquari, muitos desabrigados já estão em alojamentos, onde o poder público estadual e municipal está conseguindo levar comida, mas as condições ainda são insalubres: não há água para a mínima higiene pessoal. Os moradores da região podem se tornar um dos 500 mil refugiados climáticos do Brasil, número levantado por um dossiê da Universidad de las Américas Puebla do México, publicado no ano passado.

“Os abrigos estão desorganizados, desestruturados e não têm condições adequadas de acolhimento para os atingidos. São ambientes com adultos, crianças, idosos e animais convivendo numa escuridão completa por conta da falta de eletricidade e isso está criando um ambiente de muita tensão”, avalia. 

Ainda segundo Leonardo, a situação de maior vulnerabilidade, porém, ainda é dos atingidos que estão fora dos abrigos, na casa de parentes ou perambulando pelas cidades. “Há uma condição de fome bastante grande”, destaca. 

Cozinhas Solidárias estão atendendo população que está fora dos abrigos

Neste momento, a coordenação do MAB está atuando na construção de cozinhas solidárias, especialmente para atender essa população que está desassistida (fora dos alojamentos). Além da cozinha de Porto Alegre, o Movimento já estruturou uma cozinha em Arroio do Meio, que está funcionando em uma das casas provisórias de 18 m² construídas pela prefeitura municipal para os atingidos pelas enchentes de setembro e novembro de 2023. Luana Paloma de Jesus Gomes, que está à frente da iniciativa, conta que enfrenta o desabastecimento na cidade e pede contribuições para a compra de utensílios e alimentos para o melhor atendimento dos moradores. O MAB está articulando ainda outra cozinha em Lajeado, em parceria com o Grupo da Juventude LGBTQI do município.

Tragédia cíclica

Atingidos de Muçum, no Vale do Taquari, tentavam reconstruir a cidade, quando foram surpreendidos pela nova enchente em primeiro de maio desse ano. Foto: Carla Ruas / Agência Pública

Alexania Rossato, também integrante da coordenação do MAB, conta que o Movimento já tem uma experiência de articulação na no Vale do Taquari, pois está trabalhando na região desde as enchentes de setembro. Na ocasião, o Movimento criou uma brigada de voluntários para fazer o atendimento dos moradores, estabeleceu uma articulação dos atingidos com o poder público e criou uma cozinha solidária em Arroio do Meio (que foi reativada agora). Na época, 53 pessoas morreram e milhares ficaram desabrigados em toda a região do Taquari. No dia 18 de novembro, enquanto as famílias ainda tentavam remover o resto de lama das suas casas, o Rio Taquari subiu novamente. Como tinha permanecido três metros acima do normal, bastou uma chuva intensa para transbordar.

A dirigente explica que, ainda em 2023, representantes da Brigada do MAB realizaram uma reunião no escritório do Governo Federal em Lajeado para apresentar as principais reivindicações dos moradores para a reparação do território e prevenção de novos desastres. A situação, porém, se agravou no último mês com a piora da crise climática no país e o despreparo do poder público estadual.

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“Passaram-se oito meses desde a primeira enchente, em setembro. Bilhões de reais foram disponibilizados pelo governo federal para ações de reparação, mas o que vimos agora é que não havia sequer transporte ou alojamentos estruturados para os atingidos nessa nova enchente. Então, precisamos ampliar os mecanismos de pressão sobre os governos, sobre os responsáveis a nível municipal, estadual ou federal, para que se resolva a questão dos atingidos por essa desgraça climática de forma definitiva”, avalia Maggi. 

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