Justiça irá decidir sobre reconhecimento do litoral do Espírito Santo como território atingido pelo crime do Rio Doce
Integrantes do MAB irão acompanhar, nesta quarta, 24, audiência decisiva para a inserção de populações atingidas do litoral norte capixaba no processo de reparação pelos crimes da Samarco, Vale e BHP Billinton
Publicado 23/04/2024 - Atualizado 23/04/2024
Nesta quarta-feira (24), a Justiça brasileira julgará no Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), em Belo Horizonte (MG), o agravo sobre a Deliberação 58, relacionada à reparação do crime da Vale, BHP Billinton e Samarco – decorrente do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), no ano de 2015. A deliberação versa sobre o reconhecimento do litoral norte capixaba como atingido pelo rompimento, garantindo que as populações das localidades Nova Almeida (distrito de Serra), Conceição da Barra, Aracruz, Linhares e São Mateus tenham acesso aos programas de reparação integral previstos no acordo judicial sobre o crime. Essa decisão, fruto da luta dos atingidos organizados no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), foi aprovada em 2017 pelo Comitê Interfederativo (CIF), órgão Deliberativo da Fundação Renova, mas foi suspenso em outubro de 2023, após ação movida pelas mineradoras. Por isso, a Justiça irá julgar amanhã um recurso sobre a suspensão que representou um grande retrocesso no processo de reparação do território.
O reconhecimento do litoral capixaba como território atingido pelo rompimento foi baseado em dados do monitoramento realizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), de estudos de órgãos públicos e iniciativas de pesquisa financiadas pela própria Renova, como a Rede Rio Doce Mar/UFES, que confirmam a contaminação do litoral pelo rejeito do rompimento, o que impacta no ecossistema e, consequentemente, nas atividades produtivas da região. “Além de fazer pouco caso dos bilhões investidos em pesquisa ambiental, essa decisão suspendeu os direitos básicos das famílias atingidas do litoral e demonstrou a falta de respeito da Renova com sua própria governança no processo reparatório, tendo o aval da Justiça Brasileira. Não é à toa que os olhos do mundo estão voltados para as ações internacionais que correm contra a Vale e BHP na Inglaterra e na Holanda”, afirma Marcus Barbosa, integrante da coordenação do MAB.
Enquanto a Justiça avança e recua na decisão, a Deliberação 58 não é respeitada na íntegra pelas empresas criminosas, que seguem questionando as reivindicações dos atingidos por direito à renda digna e reparação do território. “Por várias vezes, a Fundação Renova passou por cima das decisões do CIF ao se recusar a reconhecer os direitos das comunidades atingidas do litoral capixaba em uma atitude irresponsável, autoritária e oportunista”, reforça Marcus.
Entenda o caso
No dia 05 de novembro de 2015 rompia a barragem de Fundão, em Mariana, no Estado de Minas Gerais, que lançou 45 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração na Bacia do Rio Doce e atingiu milhares de pessoas em comunidades ribeirinhas até o litoral do Espírito Santo.
Após quase nove anos, desde o rompimento, os atingidos do Litoral Capixaba relatam que os problemas decorrentes da chegada da lama só aumentaram, diante da lentidão nas ações judiciais sobre o caso. A decisão que suspendeu a Deliberação nº 58 representa a negativa de que o litoral capixaba foi – e continua sendo – prejudicado pelos rejeitos da lama tóxica que se acumulam nos afluentes, nas bacias hidrográficas adjacentes ao Rio Doce e no mar.
Em 31 de março de 2023, o juiz do caso, na época Michael Procópio, determinou que a Samarco, a Vale e a BHP depositassem mais de R$ 10 bilhões, de forma parcelada, em conta judicial para garantir a reparação dos territórios da Deliberação nº 58, que abrange áreas de Conceição da Barra, São Mateus, Linhares, Aracruz, Serra e Fundão. Em razão desta decisão, as empresas entraram com ações próprias para cada município e fizeram depósitos judiciais com valores que elas mesmas estipularam.
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Fundaçäo Renova ataca novamente
Em 17 de outubro de 2023, o juiz atualmente responsável pelo caso, Vinicius Cobucci, determinou que os municípios poderiam receber uma transferência desses valores – o que representou uma vitória histórica para o povo atingido destas áreas, que buscam reconhecimento e respeito pelos seus direitos há anos e com muita luta. Em paralelo a isso, porém, as empresas criminosas também entraram com uma ação que contesta os estudos técnicos que foram utilizados pelo CIF para fundamentar a Deliberação nº 58, com o objetivo de tornar essa deliberação inválida. Este é o pedido que foi aceito por um desembargador que suspendeu o reconhecimento dessas áreas do litoral do Espírito Santo. Por isso, a Justiça irá julgar, amanhã, um recurso sobre a suspensão.
Diante destes fatos, Marcus questiona a contradição das mineradoras, que se recusam a reconhecer o território como atingido, embora já tenha pagado indenização a uma parte dos moradores da região.
“Em 2020, inclusive, durante a pandemia, foi criado o Novel, sistema de indenização que incluiu moradores do Espírito Santo, embora com pagamento de valores menores em relação ao programa anterior e com condicionantes abusivas. A adesão ao Novel acarretava na obrigatoriedade dos atingidos perderem o Auxílio Financeiro Emergencial e assinarem a chamada “quitação final” para as empresas. Ou seja, os moradores não poderiam recorrer à justiça no futuro para pleitear alguma indenização de danos não previstos por aquele acordo”, explica o coordenador.
Para fins de quitação, a Fundação Renova reconhecia o pedido de indenização das famílias que tiveram danos comprovados à sua atividade econômica e modo de vida, mas não aceitava executar a totalidade dos programas de reparação previstos para as regiões atingidas do litoral.
Audiência
Acompanhe as notícias sobre a audiência do caso através do Instagram do MAB e se junte à mobilização por justiça para as comunidades atingidas pelo crime no Rio Doce.