VITÓRIA | Após oito anos de lutas e batalha judicial, litoral do Espírito Santo é reconhecido como atingido pelo crime do Rio Doce

Medida beneficiará atingidos de cinco municípios do litoral capixaba, que ainda não tiveram seus direitos garantidos quase uma década após o rompimento em Mariana (MG)

Atingidos do Espírito Santo viajaram até Belo Horizonte (MG) pra acompanhar julgamento. Foto: Pedro Gonzaga / MAB

Por unanimidade, a corte do Tribunal Federal Regional da 6ª Região validou o reconhecimento das comunidades do litoral norte capixaba enquanto atingidas pelo crime da Samarco (Vale/BHP Billiton). Nesta quarta (24), os desembargadores responsáveis pelo caso julgaram o agravo imposto pelas mineradoras contra a Deliberação nº 58 do Comitê Interfederativo (CIF). A normativa reconhece o litoral norte do Espírito Santo como território atingido pelo rompimento da barragem de Fundão, que aconteceu em novembro de 2015, em Mariana (MG). A Deliberação engloba comunidades dos municípios de Serra, Aracruz, Linhares, São Mateus e Conceição da Barra.

A deliberação, fruto da luta dos atingidos organizados no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), foi aprovada em 2017 pelo Comitê Interfederativo (CIF), órgão Deliberativo da Fundação Renova, mas foi suspenso em outubro de 2023, após ação movida pelas mineradoras que desrespeitaram a decisão judicial todos esses anos.

“Nenhum dos 42 programas da Renova foi, de fato, efetivado no Espírito Santo. As empresas se negavam a cumprir a reparação nesse território. Em toda a Bacia do Rio Doce ela [reparação] está atrasada, mas, no litoral, ela sequer começou”, explica Marcus Tadeu Barbosa, integrante da coordenação nacional do MAB. 

Além da Deliberação nº58, o TRF-6 ainda decidiu sobre o poder conferido ao Comitê Interfederativo. Também por unanimidade, a Corte definiu que o CIF tem natureza de órgão público, cujos atos têm executoriedade imediata e presunção de legitimidade. Isso também confere a ele o poder de aplicar multas em caso de descumprimento das suas deliberações. “Essa decisão recoloca as rédeas do processo de reparação nas mãos do Estado e atribui o poder de dar diretrizes à Fundação Renova ao CIF, que é e deve ser cada vez mais ocupado pelos atingidos e instituições de justiça, para que a gente faça valer a centralidade da vítima, do atingido no processo de reparação”, avalia o procurador da República e responsável pelo caso do Rio Doce no Ministério Público Federal, Felipe Barros.


Mobilização em Belo Horizonte (MG)

Para acompanhar o julgamento, cerca de 200 atingidos seguiram em vigília na porta do Tribunal durante cinco horas. Entre eles, a artesã e pescadora Leila de Souza França, moradora da Ilha de Guriri, em São Mateus (ES). Mesmo trabalhando com o mar há 25 anos, Leila ainda não havia sido reconhecida pela Fundação Renova como atingida pelo crime. No entanto, todos os dias ela convive com os danos causados pela contaminação das águas. Com sua renda comprometida, hoje Leila sobrevive da ajuda de vizinhos.

Leila França, moradora de São Mateus (ES), é uma das atingidas que passa a ser reconhecida a partir da decisão. Foto: Pedro Gonzaga / MAB

A atingida conta ainda que, desde o rompimento, ela e o marido enfrentam diversos problemas de saúde no sistema digestivo e cardíaco. Em dezembro, Leila enterrou o irmão, que faleceu em função de um câncer de intestino, e, nesta semana, velou a sua vizinha de apenas 28 anos, também vítima da doença. “A cada seis meses, a gente enterra alguém. Eu peguei um trauma dessa água. Se você deixa uma panela de molho com a água, em três dias, o fundo do alumínio está corroído, parece que passou soda”, desabafa a atingida.

Celebrando a vitória conquistada com luta, a pescadora de 60 anos, agora sonha com o acesso ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) para ter um pouco mais de segurança. “Todo mês vamos ter pelo menos alguma renda para pagar as contas e comprar água e os remédios”, comemora.

A luta continua

“A decisão de hoje é importante, mas sabemos que só ela não garante que os direitos cheguem aos atingidos do litoral. Nós vamos continuar em luta, porque aprendemos nesses oito anos que os direitos só vêm quando a gente luta. O MAB vai continuar a marcha por justiça até que todos os atingidos recebam”, afirmou Silvia Lafaieti, integrante da coordenação do Movimento e atingida do município de São Mateus.

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