A construção da usina alterou completamente a região e a vida de milhares de pessoas que, até hoje, sofrem os impactos ambientais provocados por Itaipu. O processo de desapropriação feito pela estatal militar levou ao deslocamento de aproximadamente 40 mil pessoas
Publicado 02/04/2024 - Atualizado 03/04/2024
Em abril de 2024 completam-se 60 anos do início do período da ditadura militar brasileira. Não por acaso, o evento coincide com os 50 anos da assinatura do Tratado de Itaipu, um período marcado pela repressão militar, violação de direitos e a forte interferência do capital privado internacional na economia brasileira. É importante considerar que o Paraguai, o outro país atingido por Itaipu, também enfrentava condição política muito parecida com a brasileira, sob o comando do então general Alfredo Strossner.
A produtividade da indústria da eletricidade no pós-Segunda Guerra vinha assumindo cada vez mais importância na economia, contrastando com a crise de excedente de capitais que se avizinhava e o “turbinamento” das águas do Rio Paraná era objeto de interesse mundial.
Eram muitas as possibilidades de locais para instalação de projetos para aproveitamento dessas águas, mas levou-se a cabo justamente aquele que “unia” as duas ditaduras, alagando justamente, e somente, o trecho comum do Brasil e Paraguai do Rio Paraná. Foram necessárias duas ditaduras para construir Itaipu. Não por acaso, duas ditaduras alinhadas aos interesses estadunidenses e do capital financeiro internacional. O ousado projeto de engenharia capaz de conter o caudaloso Rio Paraná e elevar seu leito em 115 metros fez submergir definitivamente uma enorme porção de terra de ambos os países, inclusive as Sete Quedas, espetáculo natural com uma vazão algumas vezes superior às Cataratas do Iguaçu.
Vale lembrar que, entre outros indexadores, a tarifa cobrada por Itaipu tinha moeda e taxa de inflação de países estrangeiros como referência na precificação da energia, além de uma política que contrata a potência (kw) ao invés da carga (kwh), permitindo que seus credores sejam religiosamente remunerados, independentemente da operação da usina.
O rol de exclusividades construído por ambas as ditaduras e pelo capital financeiro internacional para instituir Itaipu não param por aí. Apesar de ser uma empresa estatal de propriedade de dois estados, Itaipu está imune às leis de seus proprietários, assim como auditorias, fiscalizações, etc. Todas essas características ligadas a interesses econômicos globais respaldados por duas ditaduras fez de Itapu um território exclusivo, um “território do capital”.
Duas ditaduras, porém, ainda não eram suficientes. Esse território do capital foi constituído no período mais duro da ditadura militar brasileira: o Ato Institucional 5 (AI5). Sob esse regime violento, milhares de pessoas que viviam no território submergido foram expulsas de suas casas, inclusive centenas de comunidades indígenas, que ancestralmente ocupavam aquelas terras.
Dado o “êxito” da sua construção, Itaipu serviu de “exemplo” para erguer o enorme parque industrial de produção de eletricidade, que foi expandido exponencialmente no Brasil naquele período, também em resposta à crise do petróleo de 1973. Essa fase de “transição energética” utilizou o exemplo de violência e repressão de Itaipu para se expandir. É o que o MAB chama de “ditadura das barragens”.
Ou seja, Itaipu custou caro para o povo brasileiro e paraguaio que, além de pagar a conta de luz inflacionada, perderam compulsoriamente seus territórios, suas fontes de renda e trabalho, seus modos de vida e cultura. Paga-se caro pelo afogamento das Sete Quedas e de outras riquezas naturais. A partir da abertura democrática e do encerramento da dívida contraída com bancos e agentes financeiros de todo mundo, Itaipu deverá levar a cabo o pagamento de todas essas outras dívidas.
A defesa e a construção do exercício da democracia passam por Itaipu, que pode, e deve, pela importância e posição estratégica que ocupa, finalmente se transformar em um modelo para uma política de reconciliação com aqueles que a construíram, com aqueles que a pagaram e com aqueles que deram sua vida e seus territórios para sua instalação. Por isso, nesse momento, é necessário uma política tarifária justa e coerente com os custos de produção, baseada na participação popular e que sirva de base para integrar pela solidariedade e mútua cooperação os povos da região.