Enquanto ex-presidente tenta se safar de processo por mortes, Vale tenta impedir enterro de líder indígena em Brumadinho (MG)

Causa da morte do Cacique Merong Kamakã está sendo investigada, liderança lutava pela retomada de território disputado pela Vale

Cacique Merong Kamakã foi encontrado morto nesta segunda (4). Foto: Alenice Baeta/Divulgação FUNAI

Durante a madrugada desta quarta (6), a mineradora Vale entrou na Justiça para impedir o sepultamento do líder indígena Cacique Merong Kamakã, encontrado morto em sua aldeia, na comunidade de Córrego de Areias, em Brumadinho (MG).  A decisão foi proferida pela juíza federal Geneviève Grossi Orsi, que justificou a proibição “ante a notória controvérsia acerca da titularidade das terras objeto desta ação”. Em seu proferimento, a juíza também recomenda e autoriza o uso de forças policiais para impedir o ato. 

A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL/MG) entrou com recursos na Justiça Federal e no Ministério Público sobre o caso. Além de desumano, impedir e reprimir o ritual de luto e o sepultamento do Cacique Merong Kamakã é uma violação do “direito indígena garantido pela Constituição Brasileira e por pactos internacionais”, afirmou a parlamentar em suas redes sociais. Antes de tomarem conhecimento sobre a ordem judicial, o povo Kamakã realizou o velório e sepultamento do seu líder, já que o ritual é tradição e parte da cultura indígena. Agora, lideranças populares e demais entidades atuantes no território, defendem que o direito do povo Kamakã, garantido no artigo 231 da Carta Maior, seja mantido e que não haja a exumação do corpo.

Na avaliação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a conduta da Vale expõe mais uma vez sua postura perversa diante dos atingidos pelo crime da mineradora na Bacia do Paraopeba. “Novamente ela usa do Estado para cometer e amplificar seus crimes. A Vale enterrou 272 pessoas vivas em sua lama, agora quer impedir um povo atingido de enterrar um de seus filhos. Isso é inadmissível”, avalia Guilherme Camponêz, integrante da coordenação nacional do MAB. Ele pontua ainda a postura controversa da Justiça brasileira que, mesmo passados cinco anos, ainda não proferiu nenhuma decisão criminal sobre o caso em Brumadinho.

“Para os ricos e poderosos a Justiça é lenta e parcial e para os atingidos e pobres ela é rápida e atua como um carrasco”, critica Guilherme se referindo ao julgamento do pedido de habeas corpus do ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman. 

O julgamento do pedido será retomado nesta quarta (6), no Tribunal Regional Federal da 6º Região (TRF-6). A decisão final, que já recebeu um voto favorável, deve ser publicada até o dia 12 de março. Caso o voto dos outros dois desembargadores que analisam a solicitação seja positivo para a Vale, Fábio Schvartsman será retirado do processo criminal sobre o homicídio das 272 vítimas do rompimento da barragem da mineradora em Brumadinho, em 2019.

Referência de luta

Cacique Merong Kamakã foi uma grande referência de luta na retomada de territórios indígenas e desde 2021 atuava em Brumadinho (MG) na comunidade de Córrego de Areias, onde sua mãe, a Cacica Katorã, é liderança. Ele também teve participação ativa em territórios originários na Bahia e no Rio Grande do Sul. 

De acordo com informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em conversa com a entidade no dia 25 de fevereiro deste ano, o Cacique Merong havia manifestado a intenção de ampliar a luta no território, o que reforça a idéia de que sua morte não foi um suicídio. O caso está sendo investigado pelas Polícias Civil e Federal.

Em 2022, Cacique Merong Kamakã enfrentou uma tentativa de reintegração de posse realizada pela Polícia Militar a pedido da Vale. Confira um trecho do relato da liderança durante o episódio, que ocorreu entre os dias 22 e 24 de março, há quase dois anos. A declaração foi retirada de uma gravação feita por Frei Gilvander para a CPT.

“Se for preciso derramar meu sangue nesse território, ele vai derramar. Não vamos sair, vamos resistir. Isso que o Estado de Minas Gerais está fazendo é para marcar com sangue. Eu sei que a Polícia Militar está cumprindo o papel que a juíza mandou e eu estou cumprindo o meu de indígena, que é resistir!”

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