Novo risco de rompimento em Mariana (MG) alerta para urgência de uma Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas

Três estruturas de rejeitos da mineradora Vale estão em risco e, de acordo com a Defesa Civil, há três anos a empresa tem conhecimento sobre o caso

Imagem anexada em documento da ANM mostra a mancha da onda de lama caso a estrutura se rompa — Foto: ANM/DIVULGAÇÃO

Na manhã de ontem, 13, a Agência Nacional de Mineração – ANM divulgou um documento sobre a instabilidade de três pilhas de disposição de estéril da mina de Fábrica Nova, de propriedade da mineradora Vale, localizada no distrito de Santa Rita Durão, em Mariana (MG). Foram reportados problemas na estabilidade física e nos sistemas de drenagem das estruturas. As pilhas ficam acima de uma barragem de rejeitos, que, até o momento não está instável, mas seria atingida com um possível rompimento das pilhas de estéreis.

Ainda no dia de ontem, a ANM, juntamente ao Ministério Público de Minas Gerais, promoveu uma reunião na mina da Vale, com o objetivo de solicitar esclarecimentos da empresa em relação à estabilidade das estruturas analisadas. Participaram do encontro representantes do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente, da Defesa Civil Estadual, da Defesa Civil Municipal de Mariana, dos órgãos FEAM, NEA, CBMMG e Associação dos Moradores da Associação Santa Rita. Na ocasião, a mineradora apresentou um estudo preliminar apontando que não há risco iminente de ruptura da pilha ou mesmo do dique a jusante.

Durante vistoria de campo realizada na mesma data, técnicos da ANM também não constataram anomalia aparente que apresente qualquer risco iminente da estrutura, porém uma nova vistoria mais detalhada foi programada para o dia de hoje, 14 de novembro.

Ainda assim, de acordo com o Plano de Ação de Emergência para Barragens, 295 pessoas estão na Zona de Auto Salvamento da estrutura que está abaixo das pilhas de estéril instáveis e deverão ser desalojadas do território. Já a Defesa Civil de Minas Gerais informou que a barragem contém 62 mil m³ de rejeitos e há 123 residentes diretamente na rota da lama. Em caso de galgamento da barragem devido ao deslizamento das pilhas de estéril, estes moradores teriam apenas 30 minutos para escapar da onda de lama que seria gerada. 

O Ministério Público de Minas Gerais determinou a instauração de um inquérito para investigar o caso, porque, de acordo com informações cedidas pela Defesa Civil de Mimas Gerais à imprensa, o relatório de instabilidade da estrutura foi realizado em 2020, mas somente agora, no final de 2023, foi reportado e entregue à ANM.

“Independente do diagnóstico atual, é um grande absurdo que a Vale já soubesse que as pilhas estavam em risco e não tenha informado imediatamente ao órgão fiscalizador. Mais uma vez, a empresa coloca as pessoas em risco sem avisar essas famílias sobre a situação. As comunidades ficam no escuro sem qualquer informação sobre o processo”, ressalta Letícia Oliveira, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens. A dirigente destaca que a garantia de informações às comunidades é um dos direitos previstos na Política Nacional dos Atingidos por Barragens – PNAB, que será votada hoje, 14, no Senado Federal.

Atingidos fazem mobilização em Brasília (DF) pela aprovação da PNAB. Foto: Nane Camargos / MAB



“A fiscalização das barragens e de outras estruturas de rejeito também é muito falha. Ainda é necessário alocar mais recursos para essa fiscalização, garantindo mais profissionais, para que a sociedade mineira não precise ficar a mercê apenas das informações apresentadas pelas empresas mineradoras”, completa.

Vale lembrar que um possível rompimento destas estruturas da Mina de Fábrica Nova contaminaria o rio Piracicaba, afluente do Rio Doce. Com um novo crime na região, cidades já atingidas como Mariana e Ipatinga seriam revitimizadas. Além disso, a comunidade de Santa Rita Durão, que fica há 10 km de Bento Rodrigues – distrito completamente devastado pela lama de rejeitos em 2015 –  também é uma comunidade histórica que guarda patrimônios culturais e arquitetônicos, sendo alguns imóveis do século XVII e XVIII.

“Os rompimentos de barragens ou outras estruturas de rejeitos já fazem parte do modelo de mineração adotado em Minas Gerais, onde o lucro vale mais que a vida e o Estado é conivente com as mineradoras. Mais uma vez, vivemos em Minas Gerais essa situação de estruturas de rejeitos em risco, o que mostra a irresponsabilidade das empresas e a dificuldade do Estado em fiscalizar”, pontua a dirigente, relembrando também que, neste ano, os trabalhadores da Agência Nacional de Mineração realizaram uma greve de mais de 90 dias em protesto por mais investimentos na entidade.

“Até hoje as empresas Vale e BHP Billiton não foram punidas pelos rompimentos de Mariana e Brumadinho e não garantiram os direitos das pessoas atingidas nas 2 regiões. Isso deixa as mineradoras à vontade para cometerem novos crimes. Por isso, é tão importante ter uma lei que garanta os direitos dos atingidos de acompanhar a situação de uma barragem desde antes de sua construção e que garanta os direitos dessa população atingida”, explica Oliveira.

Caso seja aprovado, o PL 2788/2019, que regulariza PNAB, irá para a sanção do presidente Lula. A legislação prevê a garantia, por exemplo, do reassentamento e reparação integral das comunidades atingidas, retomada econômica e produtiva, entre outros direitos. “A principal conquista da PNAB é a criação de um marco regulatório de garantia dos direitos dos atingidos, que, atualmente, ficam à mercê de Termos de Ajustamento de Conduta e acordos, criando uma assimetria nas reparações”, explica Letícia.

Hoje, no Brasil, há 2.700 barragens em alto risco. A estimativa é que cerca de 1 milhão de brasileiros vivam sob o risco iminente de rompimento de barragens.

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