Jornada de Lutas | Conheça a história de Maria José: quilombola, paraense e duplamente atingida
Conheça os atingidos que participam da Jornada Nacional de Lutas do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, em Brasília (DF)
Publicado 04/11/2023 - Atualizado 05/08/2024
Aos 57 anos, Maria José Souza vive atualmente um segundo ciclo de violações de seus direitos. Entre 1974 e 1984, a construção da barragem de Tucuruí, no estado do Pará, atingiu em cheio o modo de vida do Quilombo São José de Icatu, localizado entre os municípios de Baião e Mocajuba, no baixo Tocantins, onde ela vive.
“Nós moramos na jusante da barragem e lá tinha grande quantidade de peixes antes da construção de Tucuruí, que nos atingiu fortemente. Hoje, quando eles querem nos afogar, eles soltam a água. Quando querem nos matar de fome e de sede, prendem a água”, conta.
Maria José relata ainda que, além da atividade pesqueira, a produção agrícola do quilombo foi drasticamente afetada. Hoje, a comunidade tradicional vive cercada por empreendimentos do agronegócio, sobretudo para o cultivo de soja. Para a moradora, o que está ruim sempre pode piorar. As obras para a construção da Hidrovia Araguaia-Tocantins estão previstas para se iniciarem em 2024.
Segundo especialistas, as obras aumentam o risco de erosão e assoreamento dos rios da região, a perda da qualidade da água, que já é contaminada, e a redução da biodiversidade local.
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Além dos mais de 600 moradores do Quilombo São José de Icatu, cerca 18 mil pessoas devem sofrer com os impactos das obras, que preveem a remoção do Pedral do Lourenço, o que permitiria, de acordo com o projeto, a navegação e o transporte de mercadorias. “Hoje, nós estamos na luta contra essa hidrovia. Nós queremos viver mais e melhor. Essa hidrovia, só vai servir pra eles. Para nós, só muda para pior”, reclama a moradora.
Segundo a atingida, o poder público precisa se fazer presente no território para garantir os direitos básicos da população. “Hoje, nós precisamos também de política pública, de saneamento básico, porque senão a gente vai acabar morrendo, porque, se não tiver uma política pública voltada para esse povo, a gente vai continuar tomando água contaminada, comendo peixe contaminado”, desabafa.
Trazendo consigo a força da ancestralidade e da luta do povo quilombola, Maria José presta uma homenagem a sua terra, a Amazônia, com uma música de resistência:
“Porque eu não quero que Amazônia fique assim
toda escura e se torne um carvão
porque Amazônia é uma beleza
a natureza que se tem nessa nação.
Ai Amazônia,
tu é riqueza
é um tesouro profundo
ai Amazônia
luto por ti,
tu és o pulmão do mundo.
Todo ricaço está de olho na Amazônia.
Mas é só para investir seu capital
tão derrubando e queimando a floresta,
mas para nós está fazendo muito mal.
Vamos lutar para ela não acabar pois
a Amazônia faz a gente respirar.
Vamos lutar para ela não se acabar
pois Amazônia faz a gente respirar
Ai Amazônia,
tu é riqueza
é um tesouro profundo
ai Amazônia
luto por ti,
tu és o pulmão do mundo”.
Jornada de lutas em Brasília
Maria José é uma das mais de 2.500 pessoas atingidas que estão em Brasília (DF) para a Jornada Nacional de Lutas do MAB, que acontece até o dia 7 de novembro. A proposta é dar visibilidade às principais reivindicações do Movimento: reparação, efetivação dos direitos e políticas de proteção social para os atingidos por parte do Estado brasileiro. Durante esses dias, atingidos de todas as regiões do país estão participando de atos, assembleias e reuniões para apresentar suas pautas para a população em geral e para diferentes órgãos do executivo e do legislativo.
A principal demanda do MAB hoje é a aprovação da Política Nacional de Direitos da População Atingida por Barragens – PNAB. A proposta que está em tramitação no Senado e deve ser colocada em pauta no próximo dia 7, define responsabilidades, formas de reparação e cria, também, mecanismos de prevenção e mitigação de impactos dos empreendimentos com barragens no Brasil. Se sancionada, a lei será considerada um avanço inédito no tratamento dos atingidos no Brasil.
Outra reivindicação do Movimento é a criação de um “Fundo Nacional Para a Reparação das Populações Atingidas” com foco em garantir recursos para projetos que previnam novas tragédias no Brasil relacionadas à construção, operação e rompimento de grandes obras (de represamento de água, mineração e produção de energia), a partir do envolvimento ativo da população na formulação das ações. O fundo também deve servir para lidar com prevenção de tragédias e reparação dos prejuízos causados pelas mudanças climáticas, como inundações, secas extremas e deslizamentos.
A data escolhida para iniciar a jornada, 5 de novembro, marca os oito anos do rompimento da barragem da Samarco (Vale e BHP Billiton) em Mariana (MG).. O Movimento espera sensibilizar o governo para que ele possa atuar efetivamente na reparação dos atingidos. Enquanto as empresas e o poder público discutem na justiça uma nova “repactuação”, os atingidos, defendem que haja participação popular em todas as etapas do processo.TAGS: