Após 20 anos de luta, atingidos pela barragem de Acauã realizam colheita de algodão em reassentamento conquistado

Agricultores que haviam perdido suas terras por conta da operação da barragem produziram 10 toneladas de algodão agroecológico na primeira safra da Agrovila Águas de Acauã, no agreste paraibano

Colheita do algodão orgânico em reassentamento em Itatuba (PB). Fotos: Comunicação MAB

Na última semana, 100 famílias atingidas pela barragem de Acauã, no município de Itatuba (PB), celebraram uma colheita histórica de algodão agroecológico em uma área desapropriada para a construção do reassentamento destinado aos pequenos produtores que perderam suas casas e suas terras quando a barragem transbordou, em 2004, e inundou seis comunidades.

Além da área produtiva, a Agrovila Águas de Acauã, de 300 hectares, contará com casas, abastecimento de água, unidade básica de saúde, escola, praças, campo de futebol e toda infraestrutura necessária para acolher parte dos atingidos que perderam suas áreas de cultivo.

Reparação histórica


Mesmo antes da mudança para o reassentamento, que será oficialmente inaugurado em 2024, os agricultores já trabalham na produção – tanto de cultivos focados na segurança alimentar, como macaxeira, feijão, milho, gergelim, entre outras espécies já colhidas em 2022, quanto na produção das 10 toneladas de algodão orgânico. Ao final da colheita de toda a produção, a renda é repartida igualmente entre todos. O algodão já tem compra garantida e deve gerar uma receita de R$ 50 mil para as comunidades envolvidas. Para Aline Araújo da Silva, da comunidade Cajá, do município de Itatuba, a expectativa sobre a agrovila é gigantesca.

“Esse reassentamento significa muito para as famílias atingidas pela barragem. É a volta do agricultor à terra, aquilo que dá segurança alimentar, que garante soberania e devolve a dignidade dessas famílias”.

Segundo o coordenador do MAB, Osvaldo Bernardo Silva, a colheita simboliza a realização de um sonho conquistado depois de duas décadas de organização popular e muita luta. “Foi necessário resistir e ter muita esperança, mas também fazer diversas articulações e pressão política durante cinco governos diferentes”, afirma o dirigente, que, neste fim de semana, está participando da ExpoAgro, maior feira agrícola da Paraíba, junto aos demais agricultores, para apresentar os resultados do projeto para a população.

A agricultora Aline também celebra a participação no evento. “A produção já está dando muito certo. Hoje, estamos aqui, na capital do estado, nesta grande feira, fazendo uma demonstração do nosso algodão agroecológico e está sendo incrível”, afirma.

Para Paulo Emílio Souza, gerente da regional de Itabaiana da Empaer, empresa de extensão agrícola da Paraíba que deu assistência técnica aos produtores, esse momento é muito importante, porque representa uma reparação histórica para pessoas que perderam o seu meio de produção sem aviso prévio por conta da barragem. “Além de garantir o abastecimento das famílias, a produção excedente dos alimentos poderá ser comercializada para o governo federal, através de iniciativas, como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Vale ressaltar, também, que a produção do algodão orgânico tem muito potencial de escoamento, já que existe uma grande demanda mundial que não é atendida atualmente”, reforça. A safra atual do reassentamento, porém, já tem destino certo: a empresa paraibana Santa Luzia Redes e Decoração é parceira do projeto e, além de garantir a compra, também forneceu as sementes para os produtores.

Além de áreas produtivas, a agrovila terá casas, escola, praças e unidade de saúde para receber atingidos. Foto: Comunicação MAB

A barragem de Acauã e a violação de direitos

Assim como Aline, muitos atingidos que conquistaram o reassentamento celebram a reparação, tendo em vista que a construção da barragem de Acauã, de responsabilidade dos governos federal e estadual, foi marcada pela omissão completa em relação aos direitos das famílias que foram expulsas de suas casas e de suas terras agricultáveis. Na época, elas ficaram sem atividade agrícola e, até mesmo, sem acesso à água potável, pois, mesmo estando ao lado da barragem, a água do açude não servia e nem serve aos próprios atingidos pela construção.

Devido a fortes chuvas, após dois anos de construída (em 2004), a barragem encheu em seu nível máximo, provocando o deslocamento forçado de novos moradores que ainda se encontravam dentro da área a ser alagada. Não houve um plano de evacuação e ninguém foi informado sobre a inundação.

Para Osvaldo, a resistência dos atingidos é o único caminho para a conquista da justiça, mesmo que tardia. “A luta do povo é como fogo que, às vezes, diminui de tamanho, às vezes fica mais intenso, mas permanece sempre aceso. É como dizia o líder popular João Pedro Teixeira:  – Eu sei que o nego vai morrer. Essa luta vai continuar, mas vai ser abafada. Vai ficar como um fogo de monturo por baixo. E quando ele levantar mais tarde. Aí não tem água que apague esse fogo”.

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