Abertura repentina de comportas de barragem da empresa causou inundação de diversas comunidades na Bahia
Publicado 18/04/2023 - Atualizado 28/08/2024
De Euskal Herria (País Basco), onde a empresa de energia Iberdrola tem sua sede e matriz, fazemos eco das reclamações no Brasil, e mais especificamente agora em Itapebi (estado da Bahia) onde em 27 de dezembro de 2022 sua má administração da barragem do mesmo nome, ao abrir repentinamente suas seis comportas, causou a inundação da cidade de Belmonte, 100 km a jusante (veja mapa). Esta não é a primeira vez que isto acontece. A inundação afetou consideravelmente as comunidades Tupinambá em ambos os lugares. Como pode ser visto nas fotos, as famílias afetadas tiveram que tirar seus pertences de canoa e tiveram suas casas e colheitas inundadas, perdendo alimentos e meios de subsistência.
A produção agrícola ocorre nas atuais margens do rio, pelo solo ser mais fértil e a água estar disponível. Mas obviamente estas são as primeiras e mais afetadas pelas enchentes. Seu abastecimento de alimentos também é afetado pela falta de pesca causada pela perda do fluxo do rio. A Neoenergia (Iberdrola) se comprometeu a fornecer cestas básicas de alimentos, mas até hoje, quase quatro meses depois, estes não foram distribuídos à população afetada. Apesar disso, é óbvio que esta não foi uma solução, mas se ela se concretizar, também não será, pois a barragem hidrelétrica afeta totalmente seu modo de vida, suas formas tradicionais de produção e sua subsistência.
Por outro lado, as comunidades perderam seus meios de comunicação e transporte, que até agora dependiam do rio, através de canoas, porque o rio perdeu seu curso e o nível da água é muito baixo. As margens do rio também se transformaram em lodaçais onde nenhuma atividade é possível.
Em 11 de abril, iniciaram-se as negociações entre as comunidades Tupinambá afetadas e a empresa Neoenergia, uma subsidiária brasileira da Iberdrola – super-representada, é de se notar. O MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), como em muitos outros crimes perpetrados por grandes empresas energéticas ou extrativistas (em Brumadinho, Mariana, Congonhas, etc.), apoia e auxilia as vítimas do povo indígena Tupinambá. Nós nos unimos a eles na denúncia da recusa desta empresa de energia em assumir a responsabilidade e compensar o povo afetado.
A usina hidrelétrica de Itapebi está localizada no curso inferior do rio Jequitinhonha, na fronteira dos estados da Bahia e Minas Gerais. Ela é de propriedade integral do Grupo Neoenergia, uma subsidiária brasileira da Iberdrola. A construção foi iniciada em 1999 pela Neoenergia e entrou em operação em fevereiro de 2003. Tem uma capacidade total de geração de 1,88 milhões de MWh/ano de energia, com uma capacidade instalada de 462 MW de três unidades geradoras de 154 MW cada. Trata-se, portanto, de uma barragem substancial. Seu reservatório tem uma superfície de 62,48 km² e sua barragem tem 620 metros de comprimento e 106 metros de largura.
Como nos informou Moisés Borges, militante do MAB, o valor de MW/h no Brasil é de cerca de 37 euros, então estamos falando de altos lucros, já que um sistema de produção desse tipo não exige quaisquer recursos para sua atividade, exceto fluxo de água.
Em janeiro do mesmo ano (2022), também em um período de alta pluviosidade no Brasil, vários reservatórios transbordaram e ameaçaram estourar (o que não é novidade no Brasil). A barragem de Itapebi também afetou mais de 200 famílias. O MAB aponta a necessidade de planejar, reconstruir o Brasil e dar assistência técnica para as famílias que perderam sua produção, além de exigir uma inspeção mais rigorosa dos reservatórios que estão cheios e não podem armazenar água durante a estação chuvosa. Não é à toa que, em menos de um ano, o problema dessas famílias voltou a ser o mesmo.
Desde sua inauguração em 1999, as comunidades locais têm reclamado da falta de indenização. Além disso, entre os afetados pela construção do reservatório, não foram incuídos muitos que perderam seus empregos: lavadeiras, pescadores, pedreiros, extrativistas, mineiros. A empresa, Neoenergia (Iberdrola), também não cumpriu obrigações fundamentais sem as quais tal projeto não poderia ser implementado, tais como a falta de informação e participação das comunidades afetadas. Segundo a FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) não há nenhum documento que aborde os efeitos do projeto hidrelétrico sobre as comunidades indígenas.
Além disso, o Ibedrola não cumpriu uma das condições com as quais se comprometeu ao construir o reservatório, que era a de prover drenagem de esgoto no município de Salto da Divisa, que atualmente permanece sem tratamento. Esta cidade também foi afetada por buracos no asfalto, casas em colapso, paredes rachadas e ruas desniveladas. Para a construção da barragem, um bairro e várias casas foram inundas, e várias famílias foram despejadas de suas casas, injustamente compensadas, humilhadas e negligenciadas. Muitas casas estão agora em risco de colapso, mas os ocupantes não foram realocados. O abastecimento de água e energia da cidade também é de má qualidade, ironicamente, apesar de estar às margens de um reservatório que produz eletricidade. A produção da população também foi afetada. A construção da barragem só causou problemas, por isso o MAB afirma que toda a população de Salto da Divisa é agora afetada pela barragem hidrelétrica de Itapebi.
Outro dos problemas causados pela usina é que desde sua construção ela tem causado sedimentação no rio Jequitinhonha, o que agora afeta (junto com a má gestão) o rio ao liberar muita água e causar seu transbordamento.
Além de Itapebi, a população de Salto da Divisa também é afetada por outra hidrelétrica, Irapé, mais a jusante. Além de Itapebi, a população de Salto da Divisa também é afetada por outra usina hidrelétrica, Irapé, mais a jusante. Irapé é de 2006, pertence à CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais) e tem 360 MW de potência.
Os lucros da Iberdrola no ano passado, 2022, foram de 4.338,6 milhões de euros: um aumento de 11,7 %. Estes lucros correspondem principalmente a seus ganhos no Brasil, México e Estados Unidos. No Brasil, além de gerar eletricidade através de usinas hidrelétricas (as mais rentáveis), a Iberdrola, através da Neonergia, fornece eletricidade a 34 milhões de pessoas. Portanto, entendemos que é vergonhoso que ela se beneficie desta forma em outro país, mas também, quando comete abusos por esta atividade, também se recusa a restabelecer as pessoas afetadas e os ecossistemas. Devemos ter em mente que estas comunidades indígenas são altamente sustentáveis, e que o Vale do Jequitinhonha é uma das áreas com menor renda per capita no Brasil, portanto, lucrar tratando seus habitantes desta forma é desumano.
O povo Tupinambá vive no extremo sul do estado da Bahia, no nordeste do Brasil, uma região de intenso conflito por terras indígenas. Em 2004 eles iniciaram um processo para recuperar suas terras, já que seus 47.000 hectares de terra permaneceram não demarcadas. Mas sua luta remonta a séculos atrás, pois foram os primeiros a enfrentar a invasão portuguesa em 1500. Eles recuperaram terras, expulsaram proprietários de terras e pararam o desmatamento, mas também sofreram grandes represálias por isso, com massacres como o de 2008.
Esta também não é a única usina Iberdrola que afeta os povos indígenas, pois a enorme usina hidrelétrica de Belo Monte (11.233,1 MW) afeta os povos Juruna, Kayapó, Xipaya, Kuruaya, Asurini, Parakanã, Arara, Munduruku. Por outro lado, seu projeto de outra macro usina hidrelétrica, Tapajós, no afluente amazônico de mesmo nome, atualmente paralisado, afetaria o povo Munduruku. O Tapajós teria uma capacidade semelhante à de Belo Monte: 10.682 MW. A Iberdrola já construiu outra usina macroelétrica neste rio, Teles Pires (1.820 MW), que afetou os povos Kayabi, Apiaka e Munduruku.
Além destas, a Iberdrola é proprietária das usinas hidrelétricas Baguari (140 MW), Corumbá (96,45 MW), Dardanelos (261 MW) e Baixo Iguaçu (350 MW) no Brasil. Apesar de seus graves impactos sociais, culturais, econômicos e ambientais, a Iberdrola se refere a todas elas como renováveis.