Empresa de economia mista, a Sabesp é responsável por garantir o acesso ao direito básico de água e saneamento da região metropolitana de São Paulo e municípios do interior do estado
Publicado 13/02/2023 - Atualizado 04/06/2024
No pleito eleitoral de 2022, o então candidato, e agora governador eleito, Tarcísio de Freitas (Republicanos), base aliada de Bolsonaro em São Paulo (SP), apresentou como uma das propostas do seu programa de governo a possibilidade de privatização das empresas públicas de São Paulo. Seu alvo, em específico, foi a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo- SABESP.
Diante dessa possibilidade, nos vêm à mente algumas perguntas: qual o interesse de privatizar a empresa? Quem se beneficia com isso? E quais são consequências para a população?
Elencamos então cinco pontos que podem nos ajudar a refletir sobre o contexto em que se insere essa investida privatista de Tarcísio de Freitas.
- Brasil no centro da disputa de apropriação das bases naturais e dos serviços de saneamento.
As disputas em torno da privatização da SABESP estão subscritas na disputa geopolítica mundial da água, que tem o Brasil como central. O país tem o os maiores rios e bacias hidrográficas do mundo, o que significa 12% das reservas de água superficiais do planeta. Vale destacar ainda os territórios de grande biodiversidade e o aquífero Guarani, um dos maiores reservatórios de água subterrânea do planeta. Os serviços ligados aos recursos hídricos (energia e serviços de água tratada) são estratégicos para as futuras demandas de apropriação desse bem natural. Vale salientar que os serviços de água e esgoto são 92,7% (SNIS, 2022) oferecidos por empresas públicas (autarquias, companhias estaduais de saneamento básico, administração pública direta), sendo este, portanto, um potencial mercado que pode ser apropriado pela propriedade privada, pois parte da estrutura já está construída e o setor já tem um público cativo.
- Expressão da privatização da água: Projeto de Lei nº 14.026/2020.
A movimentação institucional, é, por meio de modificar o arcabouço legal favorável, neste caso, a Lei vigente nº11.445/2007, alterando artigos que garantiam o funcionamento dos serviços públicos. O exemplo disso: a Lei nº 14.026/20 – conhecida como o “Novo Marco regulatório do Saneamento”, aprovada em regime de urgência no pior momento da pandemia da COVID-19. Essa lei termina com o mecanismo de contrato de programas, que previa a preferência das empresas públicas na operação municipal dos serviços; o fim do subsídio cruzado e a regionalização dos serviços, deixando os municípios menores à mercê da organização e orientação dos municípios sedes, ferindo o exercício da titularidade municipal, previsto na constituição de 1988
- Capacidade de lucratividade e reajuste tarifário.
Só em 2021, o lucro da SABESP alcançou R$ 2,3 bilhões, seguidos por R$ 3,36 bilhões em 2019 e R$ 2,83 bilhões em 2018. Somente em 2020, com a pandemia, é que o lucro foi reduzido para R$ 973 milhões. Segundo os resultados consolidados do terceiro trimestre de 2022, “no 3T22 houve lucro de R$ 1.081,1 milhões, ante o lucro de R$ 468,6 milhões no 3T21, representando um acréscimo de R$ 612,5 milhões, ou 130,7% (SABESP, 2022, p.2)[1]”. Ou seja, em menos de 3 trimestres a SABESP consegue alcançar os seus lucros dos anos anteriores.
O aumento da lucratividade está associado a um reajuste tarifário de 12,8% desde maio de 2022, que aumentou as receitas da empresa. Com isso, o aumento da tarifa esteve acima da inflação do período, sendo mais alto do que o reajuste aplicado ao preço geral dos alimentos e de outros itens básicos, já que o acúmulo do Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 11,73% (acúmulo de 12 meses, de 2021 até junho de 2022). Temos, portanto, uma empresa com capacidade de reaver o seu lucro de maneira rápida. Ainda que parte de seu controle esteja sob domínio do Estado de São Paulo, a companhia foca em garantir a lucratividade dos acionistas do mercado financeiro, mesmo em períodos de inflação. Ao contrário do que nos dizem seguidamente, empresas como essa não geram prejuízo, mas, sim, muita riqueza para seus controladores.
- “Tamanho da SABESP”
A SABESP é a maior empresa de saneamento do Brasil e uma das maiores do mundo em população atendida. São mais de 28 milhões de pessoas abastecidas com água e 25 milhões com esgotamento sanitário. Esses números se devem à concentração populacional que reside no estado de São Paulo, um local estratégico para garantir a rentabilidade da empresa por meio da cobrança de tarifas. Vale lembrar que a região metropolitana de São Paulo exibe não só a maior concentração populacional do país, mas também a principal porcentagem de suas receitas: 70%.
- Especulação das ações nas bolsas de valores.
Depois de 2014, a diretoria da companhia alterou a distribuição de suas ações em: 50,3% para o Estado de São Paulo, 34,4% para a B3 Bolsa de São Paulo) e 15,3% para NYSE (bolsa de Nova Yorque). Ou seja, parte de seu lucro se repartirá para a cada acionista a partir de sua porcentagem da riqueza apropriada. Esse mecanismo permite que os agentes do mercado financeiro e fundos de investimentos e bancos de investimentos, abocanhem uma importante parcela dos lucros gerados pela empresa. Além disso, eles passarão a influenciar em uma gestão com foco em maiores lucros, em detrimento do objetivo social e público.
Após o anúncio sobre a possibilidade de privatização da empresa, as ações subiram. Esse “ânimo” vem a partir da valorização das ações que passam a ser mais procuradas e, com isso, aumentam de preço. No início do ano, as ações negociadas na B3 chegaram à R$ 53,60; uma alta em relação ao patamar anterior: R$ 46,00.
Os cincos pontos abordados acima demonstram a capacidade de geração de riqueza da Sabesp e sua capacidade de manter padrões de lucratividade. Outro ponto a ser destacado é que o benefício de seus resultados, custe o preço social que for, é destinado aos acionistas. Por fim, é um consenso coletivo que o alto preço das tarifas de energia, água, esgoto, gás e alimentos tem impactado sobremaneira o custo e a qualidade de vida da população. Por isso, é necessário reverter essa indignação coletiva em luta organizada contra a privatização e os altos preços e pela distribuição justa da riqueza produzida no país.
Não à privatização da SABESP!
[1] Relatórios de resultados trimestrais, acessado em 07/12/2022, site: https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/9e47ee51-f833-4a23-af98-2bac9e54e0b3/06d9029f-5508-3ada-c8cb-8417ae16f1ea?origin=1