Aumento da violência contra os povos originários no Brasil é resultado da política anti-indígena adotada pelo governo Bolsonaro

Etnias da Amazônia vivem pressionadas pelo avanço de madeireiras, garimpeiros e pelo agronegócio e temem retrocesso de legislação para os direitos de todos os povos originários do país antes das eleições

Juarez Saw Munduruku, cacique da Aldeia Sawré Muybu. Foto: Gabriel Bicho/Greenpeace.

A gente sabe que em todas as regiões em que está tendo garimpo ilegal dentro das terras indígenas vem aumentando a doença, a violência e vem aumentando a fome. O peixe não fica na água suja. Não fica na água poluída. Se a PL (191/20) passar, esse é o impacto que a gente vai sofrer”.



Ainda que a mineração em terras indígenas seja proibida pela Constituição Brasileira, o cacique Juarez Saw Munduruku conhece bem os rastros deixados pela atividade na Aldeia Sawré Muybu, em Itaituba (PA), no Médio Tapajós, onde vive obstinado em proteger as terras do seu povo, apesar das ameaças de morte que sofre. Segundo ele, além da contaminação, o garimpo ilegal que ronda os Munduruku, assim como tantas outras etnias da Amazônia, é também sinônimo de violência e insegurança sobre o futuro. Se a atividade for regulamentada, seu modo de vida poderá desaparecer, assim como sua história, seus saberes ancestrais e a porção de floresta que seu povo ocupa.

Por isso, Juarez se mantém vigilante, com um olho na aldeia e o outro no Congresso, onde tramita o PL 191/2020. De autoria do atual governo, o Projeto de Lei libera a mineração, a geração hidrelétrica, a exploração de petróleo e gás e a agricultura em larga escala nas terras indígenas.

Antes mesmo do PL, os Munduruku já eram atingidos pelas barragens e projetos de hidrelétricas do Tapajós e se tornaram uma referência na luta pela defesa dos rios da Bacia, que é território tradicional da etnia.

Ao todo, existem mais de 100 aldeias Munduruku, onde vivem cerca de 15.000 indivíduos protegendo a floresta de diversos crimes ambientais na fronteira com o agronegócio, que avança a passos largos na região. O cacique explica que, além da a degradação ambiental do território, a insegurança jurídica dos povos indígenas do país se tornou constante durante a gestão Bolsonaro, já que projetos como o 191/20 podem entrar a qualquer momento em votação por conta da pressão de líderes do Governo. Em março deste ano, inclusive, a Câmara dos Deputados aprovou um requerimento para que o PL tramitasse em regime de urgência. Mesmo que a votação não tenha avançado por conta da mobilização da sociedade e da repercussão negativa na imprensa, Juarez conta que segue em alerta.

Além deste projeto – relacionado à mineração e às hidrelétricas – tramitam no Congresso Nacional o  PL 490/2007 – ligado ao Marco Temporal – que inviabiliza a demarcação das terras indígenas (TIs) de todo o país, o  PL 3729/04, que flexibiliza o licenciamento ambiental, e o PL 2633/20, relacionado à regularização fundiária. Todos eles significam grandes retrocessos legislativos, não apenas para a preservação dos biomas brasileiros, mas também para os direitos dos povos tradicionais que vivem em áreas protegidas e/ou isoladas e dependem dos recursos naturais para sobreviverem.


Se homologada, a Terra Indígena Sawré Muybu não poderá ser alagada pelas hidrelétricas que ameaçam a Bacia do Tapajós. O processo de demarcação ocorre há anos, mas, por estar no caminho das barragens, foi paralisado pelo governo, que nega aos indígenas um direito garantido na Constituição. Foto: Carol Quintanilha/Greenpeace.


O polêmico marco temporal é o maior motivo de preocupação de Juarez e da maioria dos caciques do país. Em suma, a tese defende que os povos indígenas só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, as populações indígenas precisariam comprovar que estavam em disputa judicial ou conflito pela área na mesma data. Para os especialistas, porém, essa ideia é inconstitucional, uma vez que desrespeita a decisão da sociedade brasileira, que reconheceu aos povos indígenas os direitos originários sobre os territórios que ocupam sem qualquer menção a um período específico.

A tese jurídica seria votada pelo Supremo Tribunal Federal (STF no último dia 23, mas foi retirada da pauta temporariamente.

“Começou como uma tese e agora quer ser uma lei. Isso deixa muita gente preocupada, mesmo que tenha saído da pauta por enquanto. Se as terras homologadas estão em risco, imagina a nossa que está em processo (de homologação). É por isso que a gente tem que estar fazendo a mobilização e a pressão constante. A gente sabe que tem ministro indicado pelo Bolsonaro no Supremo, então temos que ficar espertos”, ressalta Juarez.

O reconhecimento da Terra Indígena Sawré Muybu é uma luta que o cacique e seu povo travam há anos para tentar se proteger da invasão de madeireiros e garimpeiros em seu território.  “Há uns dias eu encontrei um branco garimpando em nossas terras enquanto estava fiscalizando, porque este é meu trabalho: fiscalizar. E ele estava falando muito alto com a gente. Mesmo estando errados, eles falam muito alto (…). A gente sabe que a gente está lutando pela defesa do território e por uma geração e pelo futuro da gente, mas, assim mesmo, os garimpeiros não entendem essa parte, por causa da ganância. Eles acham que o ouro é tudo. A agente sabe que o dinheiro do ouro é um dinheiro passageiro”, afirma o líder.

Segundo Juarez, os garimpeiros também são explorados. “O garimpo nunca trouxe resultado pra ninguém. Quem se dá bem com isso é dono de máquina, é quem compra o ouro, mas os trabalhadores estão sofrendo, estão sendo escravos dos patrões deles, mas eles não entendem”, complementa o cacique.

Em 2014, os Munduruku de Itaituba deram início a autodemarcação de suas terras, em um processo inédito para a região. “A gente sabe que a terra é nossa. Se formos esperar o governo demarcar vai demorar muito”, afirma o cacique.

Segundo Juarez, o processo de demarcação é importante para mostrar a legitimidade do seu povo na defesa do território. “Foi muita luta e foi muito sofrido autodemarcar, mas a gente faz isso para mostrar para o não-indígena que a gente não quer só preservar para a gente, mas para todos. O desmatamento prejudica o planeta todo e a gente está tentando evitar isso, mas o branco só pensa em destruir. Por isso, a gente fez a autodemarcação, para evitar que eles entrem”, contou Juarez ao Portal Infoamazônia.  

Cacique da aldeia Sawré Muybu, às margens do Rio Cururu, importante afluente do Rio Tapajós. Assembleia Geral do povo Munduruku, em 2015, na aldeia Waro Apompu, às margens do Rio Cururu, no Alto Tapajós. O encontro contou com a participação de mais de 700 pessoas de 102 aldeias para discutir temas como as hidrelétricas a serem construídas no Rio Tapajós, saúde e educação. Jacareacanga, Pará. 02/04/2015. Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace.

Oficialmente, a Sawré Muybu já teve a primeira fase de demarcação concluída pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2016, mas o processo de homologação encontra-se paralisado desde então e pode ser simplesmente abandonado caso a tese do marco temporal seja validada pelo STF.  Segundo dados do Sistema de Informações de Áreas Protegidas (Sisarp) do Instituto Socioambiental – ISA, 223 Terras Indígenas aguardam os passos finais do processo de homologação e demarcação no Brasil.

Por isso, assim como os caciques que lutam pelo reconhecimento destas terras, muitas organizações ambientais, como o próprio ISA, e entidades indigenistas também se mantém em alerta sobre a tramitação do PL 490/2007. Sobre ele, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) emitiu um comunicado oficial chamando atenção para o risco da aprovação ainda em 2022.

“O acirramento da hostilidade de Bolsonaro contra os povos indígenas pretende responder aos interesses de setores da mineração e do agronegócio, na tentativa de manter apoios eleitorais e de consumar, antes das eleições de 2022, seu projeto de poder e de morte”, critica o órgão.

Atingidos pelo garimpo, pelo desmatamento, pela violência e pelas barragens

Vista aérea da Amazônia na região do Tapajós / PA. Crédito: Flávio Forner

Mais do que garantir a manutenção do direito constitucional de ocupação de suas terras, os povos indígenas da Amazônia precisam lutar diariamente para manter a floresta de pé e seu modo de vida.

O modo de vida tradicional dos Munduruku, bem como das demais populações que vivem nas margens do Tapajós, depende das dinâmicas naturais de funcionamento do rio e está sendo ameaçado pela construção de complexo de usinas hidrelétricas previsto pra região.

Se licenciada, apenas a UHE São Luiz do Tapajós alagaria uma área de 722,25 km², destruindo uma extensa porção de mata nativa, inclusive, áreas de unidades de conservação, como o Parque Nacional da Amazônia, afetando a reprodução de peixes e aves, além do próprio funcionamento do rio. Para contornar o entrave ambiental, o governo federal editou uma Medida Provisória reduzindo os limites de diversas unidades de proteção na Amazônia – uma manobra para tentar burlar a legislação e avançar com o projeto. A medida chegou a ser aprovada pela Câmara dos Deputados em 2012, mas a pressão indígena feita por povos como os Munduruku e os Apiaká foi determinante para o arquivamento do processo de licenciamento da hidrelétrica em 2016.

Embora haja populações ribeirinhas e pescadores artesanais igualmente atingidos pela ameaça da barragem, são os Munduruku que estão à frente deste processo de resistência contra a implantação do empreendimento. Na sua luta, contam com o apoio do MAB e de mais de 60 entidades da região e das demais etnias indígenas da Amazônia, que também sofrem constantes ameaças em seus territórios, como no caso da usina de Belo Monte, no rio Xingu.

Além de São Luiz do Tapajós, o complexo do Tapajós prevê a construção de Jatobá (2.338 MW) no próprio Rio Tapajós; no rio Jamanxim, seu afluente, seriam construídas as UHEs Jamanxim (881 MW), Cachoeira do Caí (802 MW) e Cachoeira dos Patos (528 MW). Os Munduruku, porém, estão prontos para o enfrentamento e para a luta pelo seu direito a vida e à vida do Rio Tapajós.

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