7 razões para aprovar a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB)

O Projeto de Lei (PL) 2788/2019, que institui a PNAB, entra novamente em votação hoje, 06, na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado e pode se tormar um marco legal para a defesa dos atingidos por barragens que sofrem as mais diversas violações de direitos no país

Por que aprovar a PNAB?

1 Porque “o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”, conforme reconhecido no relatório da Comissão Especial “Atingidos por Barragens”, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em 2011. Esse padrão implica na violação recorrente de um conjunto de direitos humanos:

1. Direito à informação e à participação;

2. Direito à liberdade de reunião, associação e expressão;

3. Direito ao trabalho e a um padrão digno de vida;

4. Direito à moradia adequada;

5. Direito à educação;

6. Direito a um ambiente saudável e à saúde;

7. Direito à melhoria contínua das condições de vida;

8. Direito à plena reparação das perdas;

9. Direito à justa negociação, tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados;

10. Direito de ir e vir;

11. Direito às práticas e aos modos de vida tradicionais, assim como ao acesso e preservação de bens culturais, materiais e imateriais;

12. Direito dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais;

13. Direito de grupos vulneráveis à proteção especial;

14. Direito de acesso à justiça e a razoável duração do processo judicial;

15. Direito à reparação por perdas passadas;

16. Direito de proteção à família e a laços de solidariedade social ou comunitária.

2Porque essas graves violações de direitos humanos, ocorrem em grande medida pela ausência de um marco legal que estabeleça o conceito de atingido, seus direitos (de acordo com o atual estágio de reconhecimento dos mesmos no âmbito socioambiental brasileiro), atribua para órgão público específico a responsabilidade por eles e por ausência de fonte de financiamento. Os direitos instituídos em normas legais, com órgão público responsável e fonte de financiamento e controle social são imprescindíveis.

3Porque para as empresas do setor de energia e da mineração isso não acontece (assimetria de marcos), sendo que o “marco regulatório” desses setores é extremamente normatizado (constituição, leis complementares, leis e decretos); possui um conjunto de órgãos públicos que o assegure (MME, ANEEL, ANM, EPE e ONS); compreende garantias contratuais (30 anos de concessão) licitadas; tem garantia de retorno para os investimentos (no preço da energia, nos estudos de viabilidade); e fontes de financiamentos públicas e privadas (até mesmo a venda de debentures).

4Porque há assimetria e inexistência de marco legal, institucional e de financiamento, e falta de transparência:

4.1 – Fazem com que “o povo pague a conta” e não o poluidor/violador que deveria ser o pagador dos custos socioambientais; os impactos socioambientais são impingidos à população brasileira em geral, e aos atingidos em particular;

4.2 – Fazem com que os custos dos projetos de investimento não sejam “internalizados” nos mesmos, mas socializados; 

4.3 – Permitem que empresas se apropriem de recursos públicos (custos) embutidos em tarifas públicas e que estavam inicialmente destinados a reparação socioambiental.

5Porque a não internalização dos custos incentiva a repetição das violações de direitos e dos desastres. Enquanto for mais barato reparar do que impedir/mitigar, haverá estímulo a repetição. Isso é claramente visível no setor elétrico pós-privatização com o “rebaixamento” dos direitos e mitigações e sua repetição em espiral.

6Porque é dever do Estado assegurar a não repetição das violações/desastres. É necessário parar esse círculo vicioso, que se aprofundará nos próximos anos com o aumento da intensidade e velocidade desses projetos.

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Leia mais sobre:
CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA (CDDPH) RECONHECE A EXISTÊNCIA DE UM PADRÃO DE VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS NA CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS

7Porque todos atingidos são iguais perante a lei… Ou melhor, deveriam ser. Então porque os atingidos não possuem os mesmos direitos no Brasil? Porque os atingidos pela Samarco não possuem os mesmos direitos que os atingidos pela Vale? Porque os atingidos pela Equinox Gold não possuem os mesmos direitos dos atingidos da Hydro? Os atingidos pela Casan (SC) e os atingidos pela CAR na Bahia? Pela Eletronorte ou pela Engie (ex Suez, ex Tractebel)?

Os direitos que um atingido possui no Rio Grande do Sul não são os mesmos que uma atingida possui no Pará; os direitos de um povo indígena atingido no Paraná não são os mesmos de uma comunidade quilombola no Maranhão; os direitos de alguém que perdeu sua casa na Bahia não são os mesmos de que perdeu sua casa em Rondônia; os direitos de um/a agricultor/a atingido do Ceará não são os mesmos de um agricultor na Paraíba; os direitos de um atingido que perdeu a vida em Minas Gerais não são os mesmos de alguém que perdeu a vida em Goiás.

Isso ocorre porque hoje os direitos dos atingidos são fruto de conquistas sociais, em cada caso, em cada projeto, em cada estado, a depender da força e organização dos movimentos populares, suas alianças com as instituições do Estado, grupos e forças sociais… os termos de acordo, tacs, acps, e mitigações que conseguem estabelecer no licenciamento ambiental…

Embora sejam orgulhosos de todas essas conquistas, desde a histórica conquista do direito a troca de terra por terra em 1986, de reconhecer o papel central dos sujeitos de direito, do MAB e das comissões de atingidos, aos quais devemos “a efetivação de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais aos atingidos por barragens, quando eles foram conquistados.”

É chegado a hora de reconhecer os limites e a insuficiência das mesmas. Enquanto a PNAB não for aprovada, a igualdade perante a lei estará sendo negada aos atingidos no Brasil.

E mais adiante exigiremos a igualdade perante a lei em outras instâncias, com os mesmos direitos para os atingidos em todo mundo, com a aprovação de um tratado vinculante para empresas no âmbito do sistema ONU, e um mecanismo para reparação de todas violações de seus direitos.

Temos clareza que os atingidos somente serão livres e iguais em dignidade (e também perante a lei), se auto constituírem, individual e coletivamente, enquanto sujeitos, lutando por isso. Enunciando e afirmando quais são e exigindo o reconhecimento de seus direitos. E que os atingidos também têm o direito de dizer não as barragens!

* Leandro Gaspar Scalabrin é advogado do Coletivo de Direitos Humanos do MAB

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