MAB promove Seminário Binacional Brasil-Argentina sobre atual modelo energético

Durante evento online, promovido em parceria com a organização Rosa Luxemburgo, atingidos dos dois países discutiram impactos do Complexo Hidrelétrico Garabi-Parambi, além de propostas de transição para um projeto energético popular.

Na última quarta, 20, atingidos por barragens do Brasil e da Argentina participaram de um seminário virtual que tratou das contradições do modelo energético vigente nos dois países e abordou alternativas para a produção de energia com soberania popular. Nesse contexto, foi discutido o discurso da crise hídrica promovido pelo Governo Federal do Brasil e os impactos do projeto do Complexo Hidrelétrico Binacional Garabi e Panambi na vida das populações atingidas no Rio Grande do Sul, no lado brasileiro, e nas províncias de Misiones e Corrientes, na Argentina.

Rio Uruguai, que já tem 7 hidrelétricas de médio e grande porte em operação. Foto: Silvio da Silva Vargas

A integrante da coordenação do MAB, Laís Tonatto, explica que a discussão sobre o megaprojeto planejado para a Bacia do Rio Uruguai foi retomada pelo governo Bolsonaro como possível resposta à crise energética vivida no país.  “Esse seminário tem como objetivo dar visibilidade à luta contra esse projeto, onde o sujeito dessa resistência são os atingidos, que não só fazem a resistência, mas se colocam na construção de um modelo energético popular”.

No início do evento, a coordenadora nacional do MAB, Dalila Calisto, apresentou um panorama geral do setor energético no Brasil e ressaltou as violações cometidas.

“A luta das populações atingidas por barragens, desde o seu início, foi marcada por graves violações aos direitos humanos. Se a gente pensar nas primeiras construções de usinas hidrelétrica no Brasil, nas usinas termelétricas, ou mesmo nas barragens de acumulação de água, elas já provocavam violações dos direitos humanos, seja o direito à memória, o direito à história, o direito à água, o direito à terra, o direito à indenização, o direito a uma vida digna, o direito à participação, ou o direito à organização”.

As contradições do setor energético brasileiro

Dalila também fez uma contextualização sobre a situação do setor elétrico do país, que passou a ser controlado pela iniciativa privada a partir das reformas neoliberais que aconteceram nos anos 90. A coordenadora afirmou que essa situação resultou na prática de preços de mercado para o consumidor e em altos padrões de acumulação para os bancos e fundos internacionais que são donos das companhias de energia que atuam no país. “Temos as maiores reservas de água doce do mundo e, com isso, a matriz hidrelétrica tem baixo custo de produção, o que garante lucros altíssimos para o setor”.

Segundo Dalila, uma das grandes contradições desse modelo é que o estado brasileiro financia todo trabalho de pesquisa, desapropriação de terras e construção das hidrelétricas, que depois passam para a mão de empresas privadas, que exploram a produção de energia como mercadoria. Segundo ela, a tarifa de energia vai aumentar ainda mais com as novas privatizações. “A conta de luz pode aumentar em até 20% com a venda da Eletrobras”, ressaltou a coordenadora.

Os impactos de Garabi e Panambi

Outra representante do MAB que também participou do seminário, Tereza Pessoa é atingida pelo projeto do Complexo Hidrelétrico Binacional Garabi e Panambi, pescadora e moradora de Alecrim, na região noroeste do Rio Grande do Sul. Ela é membro da coordenação estadual do MAB (RS) e falou sobre os impactos que o projeto pode causar para o território e para o Rio Uruguai, que já tem sete hidrelétricas de médio e grande porte já construídas.

“Eu sempre tive pra mim que o Rio Uruguai é como se fosse as nossas veias, porque no momento que você vai trancando as veias, você vai morrendo e o Rio Uruguai está assim, o único trecho que ele corre é aqui na nossa região. Então, eles estão querendo acabar com a vida do rio”, afirmou Tereza.

A moradora de Alecrim também reforçou que o projeto que irá tirar as pessoas de suas terras não vai promover o desenvolvimento local. “Essas barragens não são construídas para atender a demanda da população, elas são construídas pra atender a demanda do capital estrangeiro. Então, uma coisa é você sair da sua terra voluntariamente, outra coisa é você ter que sair em nome do desenvolvimento”.

Segundo Tereza, essa proposta de desenvolvimento não contempla os moradores da região. “Mas que desenvolvimento é esse? Que explora, que expulsa? Especialmente nós, mulheres, que somos duplamente atingidas. Somos atingidas porque somos excluídas de qualquer participação no processo de andamento do projeto das barragens, mas também somos excluídas enquanto pescadoras, como agricultoras, porque perdemos nosso pescado, que é tão importante economicamente. Muitas espécies, inclusive, já desapareceram com a construção das outras hidrelétricas no Rio Uruguai. Por isso, é muito importante a gente se manter organizado e mobilizado”, concluiu a coordenadora.

Falando em nome dos atingidos da Argentina, Rulo Bregagnolo, da “Mesa Provincial No a las Represas”, falou sobre as semelhanças do modelo energético brasileiro com outros ao redor do mundo. “A diferença é que temos uma geografia distinta, mas no setor elétrico é sempre assim. Não nos perguntam se queremos ou não queremos uma barragem, é sempre uma imposição. Então, a resistência é algo que vai crescendo diante da imposição de uma coisa que não queremos – algo de grande impacto, como são as grandes represas. Por isso, a resistência social é quase como implícita. Então, na província de Misiones tem se construído uma resistência social muito importante à Garabi e Panambi”, contou o atingido que é professor e pesquisador.

Na segunda parte do seminário, Rudinei Cenci, da coordenação nacional do MAB, falou sobre alternativas ao modelo vigente e apresentou a experiência de geração de energia através de biodigestores em Itapiranga, no extremo oeste de Santa Catarina.

 “Os biodigestores usados no projeto são uma conquista da luta dos atingidos e foram instalados no local que seria alagado por uma barragem. Além de beneficiar as famílias atingidas, a iniciativa se utiliza de um passivo ambiental – dejetos de suínos – para gerar energia”, afirmou Rudinei. Ao todo, o projeto de Biogás vai gerar energia para abastecer praticamente 600 residências.

Também falou sobre alternativas energéticas o professor Pedrinho Escher, atingido pelo projeto do Complexo Hidrelétrico Binacional Garabi-Panambi, em Alecrim. Em sua fala, ele ressaltou os pontos positivos do uso de placas solares, uma conquista do MAB nas regiões atingidas no Rio Grande do Sul. “Além de pagarmos menos  pela energia, estamos protegendo o meio ambiente. E não vai ser preciso construir tantas barragens, se mais pessoas tiverem acesso às fontes de energia alternativas”, avaliou.

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