Sob pressão, Ibama cede e autoriza Norte Energia a reduzir a vazão para a Volta Grande do Xingu, colocando em risco a vida na região.
Publicado 10/02/2021 - Atualizado 10/02/2021
Após pressão do governo e empresas do setor elétrico, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) fez um acordo com a Norte Energia, concessionária da hidrelétrica de Belo Monte, permitindo à empresa desviar mais água do rio Xingu para geração de energia.
Com isso, o trecho do rio chamado de Volta Grande, na região de Altamira e Senador José Porfírio, no Pará, voltará a sofrer com redução drástica do volume de água.
O acordo é resultado de um grande processo de pressão sobre o órgão ambiental promovido pelo próprio governo federal e também pelas empresas do setor elétrico.
Batalha das águas
Desde que a hidrelétrica de Belo Monte entrou em operação, a concessionária Norte Energia vinha adotando um regime de liberação de águas para a Volta Grande chamado por ela mesma de “hidrograma de consenso”.
Estudos feitos por entidades independentes, além do monitoramento das próprias comunidades atingidas, comprovaram que a partilha das águas, tal como proposta pela empresa, inviabiliza a reprodução da vida neste trecho do rio, em cerca de 130 km de extensão, morada de comunidades ribeirinhas e povos indígenas.
Entre os impactos, destacam-se a perda de navegabilidade, a mortandade de peixes, o desequilíbrio para a fauna e a flora com a alteração no regime de cheias, a contaminação das águas e a insegurança alimentar da população.
O chamado “hidrograma de consenso” prevê programações mensais de vazão de água e alterna entre dois modelos anuais (hidrograma A e B), que deveriam ser “testados” pelo período de seis anos. No entanto, o Ibama chegou à conclusão que o referido hidrograma impõe sérios riscos às condições de vida na região de vazão reduzida e deveria ser substituído por outro.
Neste ano de 2021, por exemplo, no mês de janeiro, a Norte Energia pretendia liberar apenas 1.100 m³/s para a Volta Grande, mas o Ibama mandou liberar 3.100 m³/s. Em fevereiro, a empresa pretendia liberar apenas 1.600 m³/s, mas o Ibama mandou liberar 10.900 m³/s, 6,8 vezes mais.
Com o acordo entre Ibama e Norte Energia, a partir dessa quinta-feira (11), a empresa poderá voltar a liberar apenas 1.600 m³/s. De acordo com o histórico do rio, sem a barragem, a vazão de água naquela região este mês seria por volta de 14 mil m³/s.
“A questão é que, quanto mais água é liberada para a Volta Grande, menos água é destinada para a geração de energia, uma vez que Belo Monte chega a desviar até 80% do volume de água dessa região em alguns meses do ano para alimentar suas turbinas através dos canais”, explica Edizângela Barros, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Acordo
Como parte do acordo, a Norte Energia deverá adotar 15 medidas de compensação ambiental para a região, durante três anos, no valor de R$ R$ 157,5 milhões. Uma das principais medidas será o aluguel de dois helicópteros no valor de R$18 milhões para monitoramento da área.
O Ministério Público Federal (MPF), já pediu explicações ao Ibama sobre a mudança de posição.
O Ibama já havia recomendado, em parecer técnico, que a empresa adotasse o novo hidrograma a partir do início do ano passado. A empresa não cumpriu e entrou com ação na justiça. No fim do ano passado, o caso foi julgado pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1), que negou o pedido da Norte Energia.
Pressão do capital
A decisão do Ibama de aumentar a vazão para a Volta Grande vinha gerando uma série de manifestações de órgãos do governo federal e do setor elétrico contrários à decisão.
Até o Ministério da Economia, de Paulo Guedes, procurou pressionar o órgão, afirmando que a decisão poderia causar riscos à economia e até mesmo à “ordem pública”.
No final do ano passado, o Ministério de Minas e Energia chegou a admitir que a decisão do Ibama poderia prejudicar os planos de privatização da Eletrobrás, uma vez que a estatal é a principal acionista da Norte Energia.
Em um tom chantagista, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) afirmou que essa decisão poderia custar R$ 1,3 bilhão a ser cobrado nas contas de energia do povo brasileiro nesses meses de janeiro e fevereiro. Segundo a agência, com a diminuição da geração em Belo Monte, seria preciso acionar usinas termoelétricas, cuja energia é mais cara.
De acordo com estimativa da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) divulgada na imprensa, apenas entre os dias 1º e 7 de fevereiro Belo Monte deixou de gerar 6.550 megawatts (MW) médios, perdendo cerca de R$ 162 milhões, quando considerado o preço da energia no mercado de curto prazo. Esse valor é maior do que o previsto nas ações de compensação socioambiental negociadas com o Ibama.
“De um governo que despreza a vida do povo e a natureza e que prioriza o lucro de poucos, não podíamos esperar nada de diferente. É preciso continuar lutando e denunciar o que está acontecendo na Amazônia e no Brasil”, afirma Edizângela.
*Esse texto conta com informações dos jornais O Estado de S. Paulo e Valor Econômico