Relato de um geraizeiro: a luta por manter viva uma identidade
Adeilson Ferreira Agostinho, Comunidade Água Boa II, em Rio Pardo, fala da luta para manter viva a cultura de sua comunidade
Publicado 27/07/2020 - Atualizado 27/07/2020
“A cultura geraizeira é bem marcada pelo extrativismo. Desde criança eu e minha família sempre praticamos o extrativismo. Nós acordávamos de madrugada, colocávamos os bois no carro de boi e andávamos cerca de cinco quilômetros até chegar na área de uso comunitário da comunidade ‘Areião’. Ao chegar, coletávamos os pequis e quando juntava a quantidade desejada, a gente sentava ao redor do monte e descascava todos os pequis. Isso levava quase o dia todo e quando voltávamos para a casa, a gente colocava o pequi para cozinhar e retirar o óleo, essa era a fonte de sustento da família, ou melhor, da comunidade, pois todas as famílias iam coletar pequi no período de safra.
Mas com o passar dos anos, a comunidade estava correndo risco de perder as áreas de coleta coletiva para grandes empresários, isso seria um grande risco e uma grande perda de cultura. Mas como uma comunidade organizada, nós juntamos e fomos para a luta; conseguimos criar a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes Geraizeiras (RDS). Mas aos poucos a cultura foi se perdendo juntamente com o pessoal mais velho da comunidade. Uma das formas de manter essas e outras tradições vivas é o grupo de mulheres que trabalham na cooperativa de Agroextrativista da comunidade, beneficiando os frutos do cerrado, transformando em polpas, farinhas e óleos. Aos poucos, os jovens filhos dos cooperados estão ingressando ao grupo de beneficiamento e também na coleta dos frutos e entrega na cooperativa para eles serem processados.
Sei que não é fácil, mas levarei comigo todas as minhas raízes e tradições do povo geraizeiro, isso será um grande desafio.
Outras famílias usam do artesanato de barro para complementar sua renda. Os mais velhos contavam que arrumaram suas cargas de vasilhas de barro nas costas de burros, saíam da cidade de Rio Pardo De Minas, atravessavam a serra e viajavam até o município de Mato Verde. Hoje em dia, as vasilhas são comercializadas no próprio município e a tradição é passada de pais para filhos, dentro da própria comunidade.
Com as mudanças climáticas que o bioma Cerrado vem sofrendo com o passar dos tempos, as áreas produtivas não estão produzindo tantos frutos como há dez anos, então pensamos em como continuar usufruindo do extrativismo nessas condições. Foi aí que surgiu a ideia de coletar sementes, pois é uma ótima saída, com os grandes desmatamentos que estão acontecendo, as empresas são obrigadas a reflorestarem as áreas depois do seu uso, e a maneira mais usual que a restauração estava sendo feita pelas empresas é através de mudas, mas estudos comprovam que não é tão eficiente quanto restauração por sementes. Então vendo o exemplo da rede de coletores de sementes do Xingu, a comunidade está criando seu grupo de coletores, pensando no reflorestamento das áreas degradadas dentro da RDS que as empresas precisam restaurar.
O grupo de coletores coletam as sementes no período de safra, beneficiam e armazena. Ao surgir as oportunidades, o grupo entra em contato com as empresas que precisam restaurar e oferecemos a lista de sementes que temos disponíveis em estoque.
Uma das características mais marcantes do geraizeiro é que estamos sempre nos inovando quando necessário, no meio das inovações, algumas culturas perdem seu potencial, outras se desenvolvem mais, mas todas estão andando juntas. Alguns jovens não se interessam pelas tradições, mas muitos jovens seguem os passos dos seus pais aprendendo as culturas.
Um dos maiores desafios para manter a identidade dos jovens geraizeiros é que com o processo de desenvolvimento, eles têm que sair de suas comunidades tradicionais para estudarem nos grandes centros e assim perdem suas características durante o processo, pois ao mudar de ambiente, os jovens tendem a se adaptar muito rápido com outras culturas, deixando a cultura da sua comunidade de lado. Mas não são todos os jovens que são assim, pois alguns se doam mais no processo de manter sempre viva a sua e a cultura de sua família.
Eu tive que me mudar para estudar, e uma das maiores dificuldades é me acostumar a morar em uma cidade que é totalmente diferente do ambiente em que vivi toda a minha infância, pois eu estava sempre em contato com a natureza, coletando frutos e sementes, em contato com os animais, etc. E como manter sempre viva a minha identidade de geraizeiro?
Sei que não é fácil, mas levarei comigo todas as minhas raízes e as tradições do povo geraizeiro. Isso será um grande desafio.”
Adeilson Ferreira Agostinho, Comunidade Água Boa II, Rio Pardo.