Geraizeiros: cultura, resistência e lutas no Cerrado mineiro
Conhecidos como guardiões do Cerrado, os povos Geraizeiros do norte de Minas, lutam e resistem para poderem reproduzir cultura e modos de vida
Publicado 23/07/2020 - Atualizado 17/09/2024
É no norte de Minas Gerais, em meio às chapadas, vales, veredas e grotas, que vivem os povos reconhecidos tradicionalmente como geraizeiros. Uma população fortemente enraizada à paisagem do gerais – sinônimo de Cerrado. A relação desse povo se estabelece de forma muito especial, particular e politicamente relevante ao bioma.
De acordo com Carmem Gouveia, geraizeira do distrito de Vale das Cancelas, em Grão Mogol, e militante do MAB, essas famílias estão na região há mais de sete gerações. “Como bons conhecedores do Cerrado e suas espécies, os geraizeiros se adaptam às características do bioma e suas possibilidades de produção, garantindo a subsistência familiar. Eles cultivam lavouras diversificadas, como milho, mandioca, andu, frutas e verduras, e plantam tudo junto e em pequena quantidade, pois muitos lugares não tem água”, afirma Carmem.
Além de plantar e cultivar, os geraizeiros fazem coletas de espécies nativas do Cerrado, como frutos, raízes, ervas medicinais, mel silvestre, madeira e demais produtos que o gerais oferece a seus guardiões. Em troca, os geraizeiros contribuem com a propagação de espécies, proteção das chapadas e dos animais, e principalmente na linha de frente da luta contra os empreendimentos à serviço do capital, que exploram e destróem a biodiversidade local.
Os geraizeiros foram reconhecidos pelo Governo Federal somente em fevereiro de 2007, a partir do Decreto Nº 6.040, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. No entanto, foi apenas em 2018 que os geraizeiros de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis, que se dividem nos núcleos Tingui, Lamarão e Josenópolis, receberam a Certidãode Autodefinição, concedida pela Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais (CEPCT-MG).
Mais que povos tradicionais, os geraizeiros são conhecidos como guardiões do Cerrado. Bioma marcado por um histórico de desvalorização e representações sociais negativas, considerado pobre e sem beleza quando se comparado a outros biomas – consequência das razões conjunturais e da exploração dos segmentos dominantes da sociedade. As populações locais contrapõem estes significados sobrepostos a paisagem do gerais, com experiências e atividades cotidianas que comprovam a riqueza ecológica e mostram as possibilidades e potencialidades dos agroecossistemas, além do desenvolvimento de relações sociais e culturais especificas dos povos do Cerrado.
Tempos atrás, o território geraizeiro era conhecido como “terras livres”, porque não existia cercas e propriedades privadas. As terras eram de uso comum e os contornos de cada família e comunidade eram guardados apenas na memória. Os animais, o gado e os suínos eram criados soltos nas áreas de chapadas.
A chegada das empresas e a mudança da paisagem
A chegada das empresas mudou o cenário e o povo livre e sem preocupações com a demarcação das terras, se tornou vítima de grileiros, por não possuírem o documento de posse das terras, perderam as propriedades para as empresas.
Ao longo das últimas décadas a região foi tomada por extensos plantios de eucalipto, que impactou diretamente no modo de vida da população local. O plantio foi impulsionado por uma política de Estado em meados da década de 1970, que viabilizou o arrendamento de terras tidas como “desocupadas” para as empresas. O desenvolvimento dessa cultura causou e vem causando severos impactos ao território geraizeiro, desde a perda da biodiversidade e escassez de água, até as relações sociais e culturais do povo. Além das empresas de eucalipto, a região também foi invadida por outras empresas, como a Mantiqueira Transmissora de Energia e a empresa Sul Americana de Metais – SAM, que não respeitam e desconsideram os direitos das famílias que são atingidas.
A organização popular
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) está organizado em comunidades geraizeiras na bacia do Jequitinhonha e no Alto Rio Pardo. Para Carmem Gouveia “o MAB trouxe conhecimento dos direitos humanos, e do direito a vida para as pessoas. O movimento está aqui na região desde 2011 e nós travamos grandes lutas contra as empresas de eucalipto, mineração, e agora contra as linhas de transmissão e contra o governo que não atende a zona rural.”
O movimento junto às outras organizações locais, trabalham a fim de garantir os direitos do povo que são violados pelas empresas, na busca de melhorias para a região. Em meio a todos os desafios encontrados, os geraizeiros lutam pela retomada do seu território e pela garantia das condições para a reprodução do seu modo de vida e cultura.