Com falta de manutenção na rede, gaúchos sofrem com desabastecimento de energia após ciclone

Distribuidora de energia, RGE é a responsável por inúmeras perdas em áreas rurais

Estrago causado em SC, região mais afetada / Foto: Prefeitura de Chapecó

Na semana passada, a região sul do Brasil foi atingida por fortes chuvas e rajadas de vento em decorrência do ciclone bomba extratropical, provocando destelhamentos, destruição de casas, quedas de árvores e postes e falta de energia elétrica.

Segundo informações da Rio Grande Energia (RGE) e da Companhia Estadual de Energia Elétrica  (CEEE-D), cerca de 639 mil residências ficaram sem luz no Rio Grande do Sul.

A situação escancarou um problema sério enfrentado pelas famílias gaúchas atendidas pela RGE: a má qualidade do serviço prestado, evidenciado pela demora em reestabelecer o fornecimento de energia elétrica.

Na região Altos da Serra, algumas localidades ficaram mais de 50 horas sem luz. No município de Barra do Rio Azul, por exemplo, a luz foi reestabelecida após cinco dias.

Dentre as consequências negativas para o povo, estão o longo tempo em que as famílias ficaram incomunicáveis, a perda de alimentos pelas condições de conservação e os prejuízos para a agropecuária, com destaque para a produção leiteira, suinocultura e avicultura. Um agravante nesta época do ano são as baixas temperaturas, características do inverno no sul e intensificadas pela passagem do ciclone, que tornam ainda mais necessário o acesso à energia elétrica para aquecimento.

Na residência de Darlei Libero, agricultor familiar do município de Aratiba, no Alto Uruguai gaúcho, a energia só foi reestabelecida após mais de quatro dias sem luz em casa.

“Em situações como essa, os agricultores ficam desamparados, sem luz e com a produção comprometida. Tivemos muitas perdas, principalmente por causa da falta de água para os frangos que estão alojados no aviário, o que terá impacto na qualidade de todo o lote”, argumenta Libero.

Falta de manutenção

Darlei também denuncia que a falta de energia por longos períodos é recorrente no município, impactando diretamente na vida e na dinâmica produtiva das propriedades.

“Sabemos que a principal causa para tanta demora no reestabelecimento da energia é a falta de manutenção das redes. Algumas foram construídas há cerca de 30 anos e estão abandonadas pela distribuidora. Fica aqui a nossa indignação, pois pagamos um preço alto pela energia, que não é garantida de forma plena, e ficamos reféns da RGE”, conclui o agricultor.

Segundo apurou a reportagem do MAB Rio Grande do Sul, a situação ficou mais grave em Aratiba e Itatiba do Sul, que demoraram mais tempo para ter a energia reestabelecida.

Nos últimos dias, muitos relatos vêm sendo feitos nas redes sociais pela população, denunciando o problema da falta de manutenção das linhas de transmissão. O mato que cresce embaixo das redes acaba ocasionando a queda de árvores durante os temporais e dificultando o acesso dos trabalhadores da RGE para os reparos necessários.

Além disso, há reclamações pela falta de comprometimento da distribuidora em fazer a troca dos postes de madeira que se encontram deteriorados após mais de 30 anos da instalação. Cabe lembrar que este foi um compromisso assumido pela RGE em reunião realizada em janeiro de 2019 com a Associação de Municípios do Alto Uruguai, a AMAU.  

Descaso com o interior

Conforme relato de Fernando Fornazieri, agricultor familiar de Linha Agulha, em Aratiba, o abandono com o interior compromete a permanência das pessoas no campo. “É um grande descaso por parte da empresa RGE com o nosso interior, não é a primeira vez que isso ocorre e demora muito para voltar a luz. Na atividade leiteira, sem o resfriamento, a indústria não recebe a produção e os prejuízos se acumulam”, diz ele.

Sobre possíveis medidas a serem tomadas, Fornazieri afirma que “as autoridades devem cobrar uma postura mais séria da RGE, com o cumprimento dos contratos, com qualificação do serviço e agilidade no reestabelecimento da energia. Não é concebível  que em pleno ano de 2020 fiquemos uma semana sem luz.”, reclama Fornazieri.

Aumentos na conta da luz

Em meio a isso, no dia 1º de julho a distribuidora aplicou o Reajuste Tarifário Anual de 5,22% nas contas de luz dos consumidores residenciais de energia elétrica. A medida foi aprovada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, em 17 de junho. Para os consumidores de alta tensão, o reajuste médio foi de 6,24%.

Dentre as justificativas para o reajuste, de acordo com a RGE, estão o acionamento das usinas térmicas e a alta no preço do dólar, que encareceu a compra de energia elétrica pela distribuidora. Ao todo, no Rio Grande do Sul, a RGE atende 2,9 milhões de residências em 381 municípios, que agora serão impactadas com uma tarifa de energia elétrica ainda mais cara, com efeitos diretos na manutenção do sustento das famílias gaúchas, que já vem sofrendo com os reflexos da pandemia da Covid-19, como o desemprego e aprofundamento da vulnerabilidade socioeconômica.

MAB crítica aumento na tarifa

A RGE é uma empresa privada de distribuição de energia, pertencente ao Grupo CPFL Energia, que por sua vez é composta por capital estrangeiro, ou seja, todo o lucro obtido é drenado para fora do país.

Para além do Rio Grande, a CPFL atua nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, em mais de 600 municipios. Só nesse primeiro trimestre de 2020, a RGE teve lucro líquido de R$ 904 milhões e, toda essa riqueza sai dos bolsos da população.

O serviço prestado pela empresa é um bom exemplo do que acontece quando serviços básicos, essenciais para a sociedade, são submetidos ao controle da iniciativa privada, que visa o lucro acima da vida e do bem estar da população.

Segundo relato de Laís Tonatto, moradora de Aratiba e membro da Coordenação Estadual do MAB, nas comunidades de Volta Fechada e Enjeitado, ambas atingidas pela barragem de Itá, as famílias que tiveram suas terras alagadas para a construção da hidrelétrica sofrem o descaso da precarização e má qualidade da energia elétrica, sendo as últimas a serem atendidas quando ocorrem eventos climáticos como na última semana.

“Isso só mostra o descaso com que companhias privadas como a RGE tratam o povo gaúcho, que paga umas das maiores tarifas de energia do mundo”, argumenta Tonatto, que também pontua a importância de diferenciarmos os funcionários da empresa de seus diretores: “Os trabalhadores da RGE também são explorados, pela ausência de condições dignas de trabalho, insuficiência de estruturas e investimentos necessários para fazer os reparos na rede de forma efetiva, sendo este também um dos reflexos da privatização”, conclui a coordenadora do movimento.

Em seus documentos e posições, o MAB afirma a importância da energia elétrica ser estabelecida como um direito do povo, e não como uma mercadoria, cotada em dólar. As milhares de hidrelétricas instaladas nos rios ao longo de todo o território brasileiro, assim como a energia produzida por elas, são patrimônios do povo que constrói e movimenta o país. Para o MAB, é urgente a implementação de um projeto energético popular para o Brasil, que coloque a soberania nacional e as necessidades do povo acima dos interesses privados e lucro de poucos.

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