O Método Popular: as 18 bocas com fome em tempo de pandemia
“A solidariedade constrói direitos e salva vidas” É sábado! A Mulher vai vencendo um câncer de mama e, ao mesmo tempo, vive o isolamento social solidário. Escreve pelo celular: – […]
Publicado 02/04/2020
“A solidariedade constrói direitos e salva vidas”
É sábado! A Mulher vai vencendo um câncer de mama e, ao mesmo tempo, vive o isolamento social solidário.
Escreve pelo celular:
– Precisamos arrecadar alimento para famílias do Residencial!
– São quantas? pergunto.
– São três! Sem emprego e no trabalho informal. Uma delas é particularmente necessitada, dois núcleos familiares numa mesma casa; 18 pessoas, sendo 6 adultas e 12 adolescentes. Precisamos priorizar essa.
Após alguns instantes, ela informa:
– Liguei agora para o Coordenador da Comunidade Santa Luzia, ele disse que pode cuidar do recebimento e entrega das cestas de alimento.
– Ótimo! respondi-lhe. E perguntei, em seguida, o que ela achava do envolvimento dos Grupos de Famílias Atingidas organizados pelo MAB, nas ruas.
– Envolver o pessoal do próprio lugar é muito bom, até porque essa crise pode demorar bastante e a organização vai ser fundamental.
E acrescentou:
– Na segunda vou procurar o CRAS. Mas fome não espera! Então vou ver algum alimento aqui e mandar de uma vez.
– Certo! respondi-lhe. E nos despedimos.
Enquanto a Mulher ia se preocupando com o socorro mais imediato e necessário, a militância do MAB socializou a demanda e a proposta de mobilização dos Grupos de Famílias Atingidas.
Uma militante mais que depressa, porém de forma planejada, pensando cada palavra, prepara mensagem para as pessoas encarregadas da mobilização dos grupos.
Aquilo, na visão do Movimento, exigia uma ação humanitária e política. Pois trabalho de base é intervenção política na realidade para transformá-la.
No fundo, além de socorrer a família, queria testar o método para averiguar se funciona. Pois a prática é sempre o critério definitivo de qualquer proposta.
Enviou:
“Considerando a piora das condições de VIDA das famílias empobrecidas em função do Coronavírus e levando em conta as condições de nosso isolamento social solidário, o MAB vem propor mobilização dos Grupos de Famílias Atingidas por Rua para socorro a uma família do bairro Residencial, que tem 18 membros, na mesma casa. O contato para doação é o Coordenador da Comunidade Santa Luzia (nome e telefone).
E acrescentou:
“Lutar é, também, solidarizar-se!”.
A mensagem foi enviada na segunda-feira, dia 30. A militante esperou durante toda a tarde e a noite. Ninguém dos 7 grupos respondeu.
Ela confessa certa frustração. Tanto trabalho desde outubro de 2019 na organização desses grupos, agora não são capazes de arranjar uma cesta de alimento, pensa. Mas não desanima. Avalia que as pessoas recebem de um a tudo pelo Zap e ficam perdidas. Então pensou, pensou, e resolveu mudar a tática.
Na terça-feira bem cedo gravou um áudio e mandou para cada pessoa mobilizadora.
Sua surpresa foi enorme. Pois a resposta veio quase instantânea.
Primeiro foi João: “Bom dia! Consigo sim! Vamos ver se a gente dá uma arrecadada aqui na rua para estar enviando para eles”.
Depois foi Edna: “Vou ao mercado hoje ou amanhã e aí compro alguma coisa e depois ligo para ele, tá bem?”.
Em seguida, chegou mensagem de Lado: “Vou conversar com o pessoal aqui para a gente juntar e fazer uma cesta. Brigado você”.
Ela achou aquele “brigado você!” a coisa mais fofa do mundo.
Por fim, Maria: “Eu não tenho contato do pessoal da minha rua, mas posso falar com os meus vizinhos mais próximos!”.
A militante não cabia em si de tanta alegria. Por um lado, havia a esperança de alimento para aquelas 18 bocas de uma família empobrecida. Por outro lado, via o método funcionar, mesmo na pandemia.
Ela chama uma reunião virtual da Coordenação do Movimento.
Depois de tudo posto e refletido, vem o aprendizado: quando existe uma história de cumplicidade, quando as referências de rua recebem um áudio de alguém cuja voz é conhecida, elas respondem mais prontamente.
Agora é continuar o trabalho a partir da porta da necessidade concreta do povo. E das contradições. Alimento, água, gás, luz, e tudo que é necessário à vida.
Congonhas, onde fica o bairro Residencial, é a primeira maior arrecadadora de Cfem de Minas Gerais e a terceira do Brasil. O valor chegou a 240 milhões em 2019.