O vendedor de frango assado e os gigantes (quase) indomáveis

O mundo “parou”. Quanto menos circulação de pessoas, menos chance de circulação do vírus da pandemia.  Mas as mineradoras não pararam. Por Antônio Claret, militante do MAB e padre da […]

O mundo “parou”. Quanto menos circulação de pessoas, menos chance de circulação do vírus da pandemia.  Mas as mineradoras não pararam.

Por Antônio Claret, militante do MAB e padre da Arqidiocese de Mariana (MG)


O domingo foi “ruim” para o homem do barzinho, que vende frango assado, na subida do Bom Jesus, em Congonhas (MG). Dos 20 na máquina, vendeu apenas quatro. Dizem que, nas crises, os pequenos quebram os próprios ossos e, os grandes, queimam a gordura e ganham musculatura. Questão para o pós-vírus. Agora as ruas estão vazias. As pessoas evitam sair de casa por precaução e orientação das autoridades.

Pelas mesmas razões, as igrejas pararam suas atividades “públicas”. Os templos continuam abertos para orações pessoais. Mas em lugar das reuniões, celebrações, encontros, grupos de reflexão, elas arranjam formas criativas de transmissão de suas mensagens, que chegam às famílias. Igreja virtual nunca foi nossa praia! Deus é trindade-comunidade! A presença física, ativa, comprometida, é parte essencial de nossa fé. O sal e o fermento do mundo saem daí, chão pisado do evangelho. Nesse momento, porém, os meios virtuais cumprem um papel importante.

As escolas, públicas e privadas, também dão exemplo, apesar da boa dose de sacrifício dos estudantes, pais, servidores e de todos os envolvidos. São muitas as incertezas! Ouvimos de diretora de importante colégio de Congonhas e de diretor de dois colégios renomados (Ouro Preto e Ouro Branco).  Ambos comentaram que, sem aulas os pais questionam as mensalidades, sem mensalidades, têm dificuldade para pagar os profissionais. Compreendem, no entanto, a singularidade do momento.

Congonhas, patrimônio mundial, está sem turistas, quase sem carros de passeio nas ruas, com poucos pedestres, com transportes urbanos reduzidos. E, apesar desses cuidados, tem, até agora, 71 casos suspeitos de Coronavírus. Em apenas um dia foram 23 novos casos.

O mundo “parou”. Quanto menos circulação de pessoas, menos chance de circulação do vírus da pandemia.  Mas as mineradoras não pararam.

 Ainda agora, enquanto escrevo esse texto, ouço o trem da MRS berrar lá embaixo, na linha, no centro da Cidade dos Profetas. Ele chega sempre vazio, esfomeado, e sai com mais de uma centena de vagões lotados de minério, várias vezes por dia. Quantos operários estão envolvidos nesse processo? Tudo por dinheiro! Seu lucro anual bate quase R$ 4 bi.

Congonhas e região concentram “grandes” mineradoras – Vale, CSN, Guerdau, Ferrous + -, que transportam milhares de trabalhadores diariamente, os quais se encontram no ambiente de trabalho, no refeitório, em aglomerados maiores ou menores. O Sindicato Matabase Inconfidentes informa que, somente em sua base, são 8 mil trabalhadores, mas o número é muito superior. Essa aberração irracional dos donos do capital financeiro, que mandam no capital produtivo, comprometem os esforços gigantescos de isolamento social por parte da população, das igrejas, das escolas, dos comerciantes – grandes ou pequenos – e de toda a sociedade.

Estudos da J.P. Morgan indicam que o pico do vírus será em meados de abril, quando o Brasil poderá chegar a 40 mil infectados. A curva ascendente, iniciada em 9 de março, somente começará a descer por volta de 15 de junho. Previsão de período longo e dramático pela frente. A partir desses dados, deduz-se que esta semana, agora, é decisiva para que o pico não ocorra ou seja mais brando.

Os capitalistas e seus lambe-farelos, cuja acumulação tem por base a exploração de bens naturais e de pessoas, são sempre muito violentos. Mas estamos diante de uma questão humanitária grave e as mineradoras precisam dar uma trégua. É o mínimo do mínimo que teriam que fazer.

Elas deveriam, imediatamente, parar suas atividades, em Congonhas, Ouro Branco, Ouro Preto, Mariana, Barão de Cocais, em todos os lugares de Minas Gerais. Fazemos eco ao Sindicato Metabase Inconfidentes, que reivindica, entre outros pontos de pauta, “licença remunerada de todos os trabalhadores, garantia de estabilidade de emprego e benefícios”. Isso é o que esperam, também, os familiares dos trabalhadores.

O grito é uníssono: parem de colocar em risco a vida de operários, de seus familiares e de toda a população! Parem de matar!

As gestões municipais ficam, em geral, reféns das mineradoras. Mas não valem dois pesos e duas medidas. Os decretos dos prefeitos precisam ter o mesmo efeito sobre o vendedor de frango assado e sobre esses gigantes. Eles podem ser domados e imobilizados.  O contrário disso é irresponsabilidade e omissão.

Apenas mais um dado preocupante em relação aos moradores de rua. Na cidade de São Paulo são 24 mil, no Rio de Janeiro somam quase 20 mil, em BH passam de 10 mil, e no Brasil todo, pelo levantamento do Ipea (01/2019), são 101 mil. Além de ser grupo vulnerável ao Coronavírus – sem as condições objetivas para precaução -, é impactado pelo esvaziamento das ruas, sem comida, sem os meios de sobrevivência. Que nosso isolamento social tenha criatividade suficiente para intensificar nossa solidariedade. 

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