Relator da ONU visita Brumadinho e ouve atingidos

Entre os dias 02 e 13 de dezembro o Brasil recebeu a visita do especialista em Direitos Humanos e Relator da Organização das Nações Unida (ONU) de Resíduos Tóxicos, Baskut […]

Entre os dias 02 e 13 de dezembro o Brasil recebeu a visita do especialista em Direitos Humanos e Relator da Organização das Nações Unida (ONU) de Resíduos Tóxicos, Baskut Tuncak. A visita incluiu paradas em Brasília, e nos estados de Minas Gerais, Maranhão e Pernambuco, além de encontros com representantes do governo, sociedade civil e da comunidade empresarial.

Brumadinho e regiões atingidas pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão da mineradora Vale receberam a visita do Relator durante os dias 05 e 06 de dezembro. Ele também esteve na aldeia indígena e na comunidade do Parque da Cachoeira, onde ouviu atingidos pelo crime da Vale da bacia do Paraopeba para colher relatos e entender a realidade da população.

Na ocasião, Baskut reafirmou sua solidariedade com os atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão em Mariana, que completou 4 anos em 5 de novembro. O relator reconhece que da mesma forma que as consequências do rompimento seguem afetando as vidas da população do rio Doce, o mesmo ocorre na bacia do rio Paraopeba. “Esse era um desastre previsível e possível de prevenir. As populações estão sofrendo impacto a longo prazo que ainda não se encerraram”, afirma.

Atingidos e atingidas relatam violações


A agricultora agroecológica Valéria, da comunidade Pastorinha, conta dos problemas vivenciados pelos agricultores da região desde o rompimento. “Não se fez nada até hoje na pauta da agricultura familiar na bacia do Paraopeba. Os agricultores viraram pedintes, tem que mendigar pra Vale o auxílio emergencial, e antes as pessoas tinham a autonomia e dignidade”, conclui.

Aparecida, também agricultora e moradora da comunidade de Tejuco, conta que não conseguem vender as mercadorias pela desconfiança de contaminação da água do rio. “Agricultores não são reconhecidos, desde os meus nove anos trabalho em horta. É triste ver a mercadoria da gente indo e voltando”, lamenta.

A saúde mental da população atingida é o maior desafio que o Relator da ONU teve que ouvir. Todos os relatos citam questões graves pelas quais passam os moradores da bacia do Paraopeba. A atingida Aparecida emocionou a todos os presentes contando sua preocupação com o filho de 12 anos, que já tentou suicídio por duas vezes. “Ver uma criança de 12 anos tomando remédio e ficando dopado é algo que uma mãe não merece. Eu fico perturbada e não sei o que fazer. A Vale matou várias pessoas e vai continuar matando porque ela tem muito poder”, diz.

A impunidade da Vale contribui para aumentar ainda mais o sofrimento da população atingida. “O que a Vale faz não é apoio, a Vale não dá apoio pra ninguém. Foram 20 anos explorando o Córrego do Feijão, destruindo tudo, assoreando os rios, e o Estado não fez nada, ficamos à deriva e agora a Vale mata e segue impune”, denuncia Jeferson, morador da comunidade do Córrego do Feijão.

Ele perdeu a avó no crime e conta que foram 17 dias de busca até que a encontrassem, e lamenta não ter tido direito à um velório como “merecido”. “Não pudemos fazer velório com caixão aberto, e tivemos somente quinze minutos para enterrar. A Vale tirou dignidade da gente, ficamos sem luz, energia, sem tudo. Na casa da gente não nos sentimos em paz, porque o tempo todo é lama”, conta.

Como especialista em resíduos tóxicos, o representante da ONU leva para seu relatório diversas informações sobre os problemas de saúde das populações afetadas pela contaminação de rejeitos de minério. “Com a barragem veio poeira, sinusite, sangramento do nariz toda semana, bronquite. O povo do Tejuco está com uma coceira no corpo e isso não tinha antes não. E a Vale fala que não somos atingidos e que a lama não chegou lá”, conta a atingida Fernanda.

Regiane mora na comunidade do Pires e conta que há muitas crianças com feridas na pele. “A gente vive dia após dia preocupado. Já morreram sete cachorros do meu pai, que mora à 30 metros do Rio”, relata.

Após ouvir os atingidos, o Baskut fez uma visita aos locais atingidos do Parque da Cachoeira e Córrego do Feijão. Como resultado da visita, o Relator deve elaborar recomendações para o governo brasileiro e empresas que atuam no país com medidas práticas para prevenção e reparação. O relatório ajuda a subsidiar trabalho das entidades de justiça de Minas e da proposta entidade internacional.

Conteúdos relacionados
| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

Desenvolvimento para quem? Piauí, um território atingido pela ganância do capital

Coletivo de comunicação Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Piauí, assina artigo sobre a implementação de grandes empreendimentos que visam somente o lucro no território nordestino brasileiro