Saúde dos atingidos pelo crime na Bacia do Rio Doce é tema de Feira em Baixo Guandu (ES)

Foto: Fred Loureiro / Secom ES / Fotos Públicas Na próxima sexta-feira (15), o Movimento dos Atingidos por Barragens e a Prefeitura Municipal de Baixo Guandu, no Espírito Santo, realizam […]

Foto: Fred Loureiro / Secom ES / Fotos Públicas

Na próxima sexta-feira (15), o Movimento dos Atingidos por Barragens e a Prefeitura Municipal de Baixo Guandu, no Espírito Santo, realizam a primeira Feira da Saúde dos Atingidos. A partir das 9 horas da manhã e durante todo o dia, a praça Getúlio Vargas será palco de debates e relatos sobre a saúde dos atingidos pelo crime da Samarco/Vale/BHP Billiton em 2015.

O dia 15 de novembro marca os quatro anos exatos da chegada da lama, produto do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), ao estado do Espírito Santo.

Pela manhã, haverá um ato com a presença de representantes das secretarias de saúde de Baixo Guandu, Colatina, Linhares, São Mateus e Conceição da Barra, além do Conselho Estadual de Saúde do Espírito Santo, Ministério Público Federal, Defensoria Pública, Diocese de Colatina, Comitê Inter Federativo (CIF) e Câmara Técnica de Saúde (CT-Saúde). Logo após, haverá um debate público com a presença de: Simone da Silva, atingida do município de Barra Longa (MG), pesquisadora Dulce Pereira, secretário de saúde de Baixo Guandu, Nésio Fernandes, e o prefeito anfitrião, Neto Barros.

No período da tarde, os atingidos participarão de oficinas e atendimentos de práticas integrativas de cuidado com a saúde, aulas de dança, capoeira, apresentações culturais e uma feira de alimentos saudáveis. A partir das 20 horas, começa o Festival Rock in Doce, um tributo de rock ao Rio Doce, com a presença de bandas locais como a consagrada Dead Fish.

Contexto

Desde o rompimento da barragem da Samarco Vale e BHP em Mariana, há 4 anos, comunidades, família e indivíduos da bacia do Rio Doce tiveram suas vidas radicalmente modificadas. Atividades tradicionais como a pesca e a agricultura foram duramente afetadas, ao passo que o comércio e o turismo em algumas localidades também se viram afetados pelo crime. Em toda a bacia do Rio Doce, estes danos seguem longe de serem reparados ou compensados – na medida em que a Fundação Renova é hoje um exemplo nacional de inoperância e incompetência.

A falta de compromisso com o povo e a função de minimizar a real abrangência do crime cometido pelas mineradoras da Fundação Renova já é tema de várias reportagens, estudos e relatórios, como o último realizado a partir de diligência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.

Além dos relatos comuns dos erros na reparação, inclusive financeira, o documento resultante da diligência lança luz sobre um tema que tem preocupado cada vez mais as comunidades que vivem próximas ou se abastecem do Rio Doce: a saúde.

Foto: AI Sesa / Fotos Públicas

O relatório traz denúncias de aumento nos casos de doenças de pele, gastrointestinais, oculares e mesmo câncer – além da maior vulnerabilidade de idosos e crianças e casos específicos da saúde da mulher como a percepção do aumento do número de abortos espontâneos e doenças no útero.

Outra injustiça que o relatório aponta é a sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS) e consequentemente sobre o orçamento público. Apesar da ausência de diagnósticos e especialistas no sistema, a população aumentou a frequência nas unidades de saúde e consultas, gerando uma sobrecarga. #mce_temp_url#

A diligência visitou as comunidades na sequência do retorno dos exames de um estudo do Departamento de Farmácia da USP – que testou urina e cabelo de indivíduos nas comunidades atingidas no ano de 2017 – e retornou às comunidades no segundo semestre de 2019. O estudo reforça a preocupação com a saúde ao indicar um índice aparentemente alarmante de contaminação de Arsênio e índices preocupantes de Níquel e Manganês.

O que os exames comprovam é que a contaminação existe e as denúncias das comunidades tem de ser levadas a sério já que danos à saúde – principalmente por tratarem de metais pesados e o consequente processo de bioacumulação. Ou seja, o aumento destas substâncias nos organismos leva a uma saturação e à manifestação de doenças crônicas, com o agravante da impossibilidade de eliminação destes metais pesados dos organismos.

E a Fundação Renova?

Criada para afastar as empresas mineradoras do crime que cometeram e garantir a proeminência destas no planejamento e execução dos planos de reparação, a Fundação Renova parece pouco disposta a encarar o problema de frente.

Se por um lado a discussão da emissão de cartões auxílio (Auxílio Financeiro Emergencial) e da indenização consegue individualizar a compensação – oferecendo maus acordos para os atingidos e automaticamente se eximindo do compromisso com o dano causado à família que aceita o acordo do PIM (Programa de Indenização Mediada) – a saúde não pode ser tratada do mesmo jeito. Mais que isso, caso tratados de forma particular, as questões de saúde só exemplificam o quão pífio é o acordo financeiro oferecido a título de compensação para as comunidades atingidas.

Além de não ter executado nenhuma ação efetiva na área de saúde nestes quatro anos de crime – nem aquelas previstas no TAC que permitiu a sua criação – e a exemplo do que faz com outros estudos por ela contratados, a Fundação Renova ainda guarda sigilo sobre os estudos por ela contratados e que atestam as denúncias até então apresentadas.

#mce_temp_url# informa o fato de que a Fundação Renova possuía, desde 22 de março deste ano, um Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana (ARSH) com informações que atestavam a contaminação e até hoje não deixada pública pela fundação renova.

Mostrando o descompasso entre a “governança” do crime e os anseios e necessidades da população atingida, descobrimos via a matéria que a secretaria de saúde de Minas Gerais sabia desde o dia 17 de maio. Por isso, é preciso cobrar o papel do Estado nesta governança, na defesa do elo mais fraco que são os cidadãos que não tiveram lucro com a atividade minerária, pelo contrário, só prejuízos.

Neste sentido, a construção dos planos municipais de saúde, uma exigência do Ministério Público Federal às secretarias municipais tem por objetivo qualificar as exigências dos atingidos. A construção participativa dos planos visa garantir a partir dos municípios – que são os responsáveis pelo primeiro atendimento na saúde básica – que as empresas criminosas arquem com a ampliação do serviço oferecido no SUS.

Os atingidos querem que esta iniciativa seja o começo do debate de novas políticas públicas e compensatórias no âmbito do crime no Rio Doce, de forma a fortalecer a participação das comunidades na tomada de decisão, e evitar que a porta-voz das criminosas nos territórios repita seus desmandos no trato com a saúde dos cidadãos afetados.

Também é importante frisar a importância de estudos, laudos e relatórios independentes – assim como a presença imediata das Assessorias Técnicas nos territórios atingidos – para que as comunidades não sigam reféns do que a Fundação Renova.

Finalmente, o direito à informação é um direito humano – especialmente neste contexto de desastre crime – que vem sido constantemente violado na confusa estrutura (diversos conselhos e câmaras técnicas) de governança criada para seguir enrolando os atingidos e minimizando o real impacto do crime cometido em 2015.

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