CPI afirma que Vale sabia, indicia responsáveis e aponta reparação integral
Relatório final da CPI de Brumadinho foi aprovado hoje por unanimidade. Documento aponta crime doloso, indicia funcionários e presidente da Vale e reforça protagonismo dos atingidos em reparação O […]
Publicado 13/09/2019
Relatório final da CPI de Brumadinho foi aprovado hoje por unanimidade. Documento aponta crime doloso, indicia funcionários e presidente da Vale e reforça protagonismo dos atingidos em reparação
O rompimento da barragem é um fato jurídico que não se confunde com acidente nem com evento fortuito ou de força maior, aponta relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho, aprovado por unanimidade hoje, 12 de setembro, pouco mais de sete meses após o que agora é atestado como crime da mineradora Vale S.A..
São dezenas de provas da negligencia da empresa, seus funcionários, diretores e o presidente. Após meses de trabalho, mais de 140 depoimentos, visitas técnicas, reuniões e análises de estudos, a CPI, finalmente, aponta seis crimes que tiveram como causa direta o rompimento da barragem B1 de Córrego do Feijão, entre eles homicídio, dano ambiental e falsidade ideológica.
A Vale tinha conhecimento de que a barragem apresentava sinais de instabilidade. Com um laudo falso, se ancorou nele para não evacuar a área e manteve centenas de trabalhadores continuando a frequentar as unidades administrativas imediatamente abaixo da barragem. Portanto foi um crime, crime doloso, dolo eventual, e cabe à CPI apresentar a sugestão de indiciamento à Polícia Civil e de denúncia ao Ministério Público, afirma o relator da CPI, deputado estadual André Quintão.
Com a confirmação de que houve omissão consciente e voluntária de adoção das medidas de segurança necessárias, todos os crimes foram enquadrados na modalidade dolosa, ou seja, como crime intencional. O relatório pede o indiciamento da Vale S.A., além de treze funcionários da Vale e da empresa Tüv Süd (responsável por atestar a segurança da estrutura), incluindo diretores executivos e o então presidente da multinacional Fábio Schvartsman.
Eu trouxe para a CPI o meu clamor por justiça, ver esse crime ser taxado como doloso me deixou um pouco mais tranquila. Eu queria ouvir o nome e sobrenome de cada um dos culpados, e isso eu ouvi hoje, conta Juliana Fonseca, atingida e moradora de Brumadinho. Ela perdeu mais de 50 pessoas de seu convívio, entre alunos amigos e familiares, e participou em diversos momento ao longo dos meses de trabalho da CPI.
Foram citados na recomendação de indiciamento: Fábio Schvartsman diretor-presidente da Vale à época do rompimento; Gerd Peter Poppinga – diretor-executivo de Ferrosos e Carvão da Vale; Lúcio Flávio Gallon Cavalli – diretor de Planejamento da Vale; Silmar Magalhães Silva diretor operacional de Pelotização e Manganês Sul-Sudeste da Vale; Renzo Albieri Guimarães Carvalho – gerente de Geotecnia da Vale; Alexandre de Paula Campanha – gerente executivo de Geotecnia Corporativa da Vale; Joaquim Pedro de Toledo – gerente-executivo de Planejamento e Programação do Corredor Sudeste da Vale; Rodrigo Artur Gomes Melo – gerente-executivo do Complexo Paraopeba da Vale; César Augusto Paulino Grandchamp – geólogo da Vale; Marilene Christina Oliveira Lopes de Assis Araújo – gerente de Geotecnia Corporativa e Gestão de Risco da Vale; Cristina Heloiza da Silva Malheiros – engenheira geotécnica da Vale e responsável pela Barragem B1; André Jum Yassuda auditor da Tüv Süd; Makoto Namba auditor da Tüv Süd.
Reparação com protagonismo dos atingidos
O relatório da CPI tem um aspecto fundamental, pois trata não só da apuração do crime mas também da sua reparação. São mais de 15 páginas de recomendações apontadas pela CPI à diversos órgãos públicos, como Polícias Civil e Federal, Ministérios Públicos, Superior Tribunal federal, Agencias Nacionais de Mineração e das Águas, Ministérios de Minas e Energia e outros, Secretarias de Estado.
O relatório aponta saídas e caminhos importantes. O conceito de reparação integral e de atingidos usados no documento, reforço da importância e urgência das assessorias técnicas, e a proposta de uma política estadual de garantia de direitos dois atingidos por barragens são elementos centrais, além do indiciamento pelo crime doloso diante dos assassinatos e crimes que foram cometidos pela Vale, afirma Pablo Dias, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens-MAB.
A deputada estadual Beatriz Cerqueira, membro da CPI, reforça a reincidência da Vale no crime, com o rompimento de barragem no ano de 2015, em Mariana, e reafirma a importância de cuidados na reparação. A Fundação Renova, empresa responsável pela reparação após o rompimento da barragem de Fundão, foi ouvida durante a CPI, e o modelo não deve se repetir.
A Renova hoje tem recursos vultuosos. Só de publicidade são mais de R$40 milhões, gasta de custeio por ano mais de R$60 milhões, e não vemos isso indo para os atingidos. As recomendações são um processo essencial para que reafirmar a necessidade de reparação integral, com o protagonismo das pessoas atingidas por esse crime, diz. Beatriz afirma, ainda, que o documento recomenda que a Vale não tem o direito de atuar diretamente com os atingidos, apesar de seus muitos deveres, principalmente o financiamento da reparação, e sim o poder público que deve estar junto à população.
CPI não deve ter fim em si mesma
Ouvir as recomendações foi muito bom e importante. Mas isso é nosso primeiro passo por justiça, é uma caminhada longa que não vai acabar agora, já sabe a atingida Juliana. A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) deve seguir acompanhando e fiscalizando a sequências das recomendações e o andamento da reparação aos atingidos.
Pablo, do MAB, afirma que para alterar a atuação da mineração em Minas Gerais é preciso um conjunto de elementos, como seguir avançando nos marcos legais que determinam de que forma a mineração deve agir, aprofundar nos direitos as populações atingidas por barragens, e garantir maior participação da sociedade na atividade minerária, além de repensar a forma de utilização e cobrança de impostos sobre a área.
No início do ano fizemos a legislação sobre licenciamento dos empreendimentos. Agora a ALMG precisa cuidar das pessoas, e cuidar dessas pessoas é termos uma lei que estabeleça limites e que garanta o protagonismo aos atingidos. Porque o poder econômico das mineradoras é fortíssimo, e sozinho o atingido se vê desprotegido diante desse poder, denuncia a deputada Beatriz Cerqueira. Ela reforça a tarefa que a Assembleia de Minas tem em dar continuidade ao projeto da Política Estadual dos Atingidos por Barragens-PENAB, já em tramitação na casa.
Ouvir a aprovação do relatório da CPI da Barragem de Brumadinho foi um alívio para os atingidos e atingidas presentes, mas a luta deve continuar. Devemos seguir na luta por justiça, pelos nossos direitos. Só com a união das pessoas que conseguiremos isso, sozinho ninguém dá conta de lutar contra uma empresa que tem tanto pode financeiro, convoca Juliana.