Feira Popular da Saúde reafirma luta por reparação integral no rio Doce

Atividade foi resultado do trabalho conjunto do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), da Comissão Local de Cachoeira Escura e da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Oriente Thiago Alves, […]

Atividade foi resultado do trabalho conjunto do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), da Comissão Local de Cachoeira Escura e da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Oriente

Thiago Alves, jornalista e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

“O tempo que eu passei com vocês foi muito bom. Aprendi muito com vocês, superei as dificuldades da vida, amei fazer parte desta festa com vocês. Foi muito bom.” Este é um dos relatos de atingidos que organizaram a I Feira Popular de Saúde de Perpétuo Socorro, também conhecido como Cachoeira Escura, distrito de Belo Oriente, realizada no último sábado (17).

A atividade aconteceu na Praça dos Correios do distrito que tem mais de 13 mil habitantes e foi um momento para reafirmar a saúde como direito humano fundamental, um dos mais violados pelo crime da Samarco (ValeBHP Billiton) na bacia do rio Doce, além de criar a oportunidade de acesso a atendimentos básicos de orientação de cuidado pessoal e familiar: verificação de glicemia e pressão arterial, dicas e orientações sobre métodos contraceptivos, ginástica aeróbica, orientações sobre higiene bucal, massagens, etc. A Secretaria Municipal de Saúde disponibilizou as equipes da Atenção Básica e Saúde Bucal, do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Núcleo de Promoção a Saúde que reuniu mais dos 30 profissionais. Além disto, três terapeutas voluntários de Ipatinga trouxeram massagem, benção com ervas, entre outras.

A Comissão Local dos Atingidos e Atingidas ficou quase dois meses organizando a atividade: a acolhida dos visitantes foi solidária, o almoço foi comunitário para todos os envolvidos na organização, os lanches doados por padaria parceira da luta dos atingidos. Mais de 50 igrejas evangélicas foram convidadas, quase todas as casas do distrito receberam material de divulgação, aviso de som foi ouvido nas ruas da comunidade tendo como final a frase: “saúde, água e energia não são mercadorias”.

A Feira Popular é uma iniciativa que está inserida em uma luta mais ampla e cotidiana para garantir a Reparação Integral de Danos. Este é um conceito fundamental para defesa dos direitos humanos baseado nas melhores orientações dos organismos internacionais que buscam garantir que todos os aspectos da vida das pessoas atingidas pela violação de direitos sejam reparados. Ela está organizada em oito pontos centrais: mitigação, que são medidas para diminuir os danos causados, como, por exemplo, o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), usado para atender temporariamente a perda na renda; restituição, reposição do bem danificado ou perdido, como um barco que foi com a lama, redes e outros materiais de pesca perdidos, etc.

A indenização é o pagamento em dinheiro de tudo aquilo que não pode ser restituído ou compensado que inclui os danos morais, a tentativa de pagar em dinheiro os sofrimentos e outros danos psicológicos causados pelas violações.

Outro direito muito importante é a compensação, que são soluções alternativas para os danos que não podem ser restituídos ou aquele “algo a mais” que a empresas farão para os indivíduos, para as famílias ou para a comunidade como forma de compensar os sofrimentos causados que pode ser em dinheiro ou não. Este direito dialoga com a reabilitação que são medidas que possibilitem aos atingidos e atingidas retomarem suas atividades econômicas, sociais, culturais, religiosas, etc. Exemplo: ações na saúde, desenvolvimento local para geração de emprego e renda, etc.

E para finalizar os pontos centrais da Reparação Integral, é preciso sempre reafirmar que os atingidos e as atingidas tem o direito a não-repetição das violações com seus agentes causadores assumindo a responsabilidade em todas as esferas e garantindo que não mais vai acontecer.  Ao mesmo tempo, os atingidos devem aprovar ou não as medidas de reparação demonstrando satisfação com os resultados.

Estes pontos centrais se dialogam de forma permanente e não se anulam em nenhuma situação, exceto em casos que o próprio indivíduo ou comunidade devidamente informados assim decidam, e fazem parte de um processo de longo prazo que deve ser constantemente avaliado com as populações envolvidas. É a partir destes princípios que a I Feira Popular da Saúde foi pensada: além de ser um momento de autocuidado e acesso à informação, foi também um grito contra a forma com que a Fundação Renova conduz a reparação do dano da saúde das pessoas atingidas.

A Fundação Renova não assume e mantêm mecanismos que dificultam a possibilidade de “medir” sua responsabilização. Por exemplo, no Programa de Levantamento e de Cadastro dos Impactados (PG-001), a pessoa que afirma que deseja ser cadastrada devido a alguma percepção de dano na sua saúde, sobretudo de natureza psicológica, é considerada “inelegível”, ou seja, impedida de se registrar como atingida. Danos à Saúde é um dos 7 critérios de “inegebilidade” no modelo que vigorou nas chamadas campanhas 1, 2 e 3 referentes às solicitações de cadastros feitos até dezembro de 2017. Após este período, a Fundação Renova considera que existe a “fase 2” que já totaliza quase 23 mil pessoas que fizeram solicitação e ainda aguardam algum tipo de atendimento. O que era para ser a porta de entrada na reparação tornou-se uma ferramenta intencional para negar direitos em larga escala destruindo qualquer perspectiva de reparação integral.

Este é apenas um dos exemplos entre vários que motivam as comunidades a se organizarem em Coletivos de Saúde e outras iniciativas para fomentar a luta pelo direito à saúde para além dos “escopos” impostos pela Fundação buscando dialogar com as Secretarias Municipais de Saúde e pressionando a atuação da Câmara Técnica de Saúde (CT-Saúde) do Sistema CIFIBAMA. Um dos resultados deste diálogo e desta pressão organizada é o compromisso conquistado de que todos os municípios atingidos devem apresentar Planos de Ação em Saúde elaborados com a participação dos atingidos. Eles devem apresentar a percepção dos atingidos sobre os danos, os dados colhidos no SUS local sobre a evolução dos problemas em saúde e uma pauta de demandas para a ampliação da capacidade de atendimento que deve ser custeada pela Fundação.

Este foi um avanço muito importante porque trouxe a Renova para discutir aquilo que ela vergonhosamente não se responsabiliza envolvendo as Comissões Locais e as comunidades. Os municípios mais avançados em seus planos são Barra Longa, onde foi realizado uma Feira Popular da Saúde em agosto de 2018, e Belo Oriente, sobretudo considerando as informações de Cachoeira Escura. O Plano foi construído de maneira participativa com exemplar disposição e diálogo da Secretaria de Municipal de Saúde, parceria que continuou na organização da Feira Popular de Saúde.

O direito à saúde como um estado de bem estar físico e social é um ponto de síntese da reparação que alcançou seus objetivos integrais. Por esta razão, o Movimento dos Atingidos por Barragens-MAB continua motivando todas as Comissões Locais da bacia do rio Doce a debater seus planos locais com as Secretarias de Saúde e vai fortalecer a existência dos Coletivos de Saúde que são espaços autônomos da organização popular. Estes grupos serão ambientes para o debate político, mas também para o autocuidado, a aprendizagem de técnicas alternativas saudáveis para cuidado pessoal, familiar e comunitário e o fortalecimento dos vínculos diante de um cenário internacional em que empresas e governos se aliam para destruir o meio ambiente, os direitos humanos e, por conseqüência, a saúde da população.

Para dialogar e fortalecer estas iniciativas, todos os atingidos aguardam a chegada das assessorias técnicas independentes que serão um elo fundamental para fortalecer esta discussão trazendo equipes multidisciplinares para os territórios que serão uma importante ferramenta para superar as barreiras impostas pelas mineradoras por meio da Fundação Renova.

Assim, damos passos concretos na efetivação de todos os princípios da reparação integral abrindo diferentes frentes de atuação e buscando o maior desafio de todos: a reabilitação dos modos de vida, dos laços comunitários e da dignidade humana em busca de uma satisfação que melhore a vida de todos e todas na bacia do rio Doce.

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