Nota Pública: Juiz do caso Samarco: espetáculos, manobras e violação de direitos civis e políticos.

Na última quarta-feira, 8, a Justiça e empresas criminosas Samarco/Vale/BHP realizaram um verdadeiro espetáculo ao qual foi dado o nome Sessão Solene de Conciliação, no Prédio da Justiça Federal, em […]

Na última quarta-feira, 8, a Justiça e empresas criminosas Samarco/Vale/BHP realizaram um verdadeiro espetáculo ao qual foi dado o nome Sessão Solene de Conciliação, no Prédio da Justiça Federal, em Belo Horizonte.


 Com a participação dos advogados das empresas, órgãos públicos federais e dos estados do Espírito Santo e Minas Gerais, a “conciliação” de mais um documento jurídico orientador da reparação dos danos causados com rompimento da Barragem de Fundão foi firmada sem a participação dos atingidos, reais interessados e vítimas do crime.

 Na ocasião, o juiz titular da 12ª Vara Federal de Minas Gerais Mário de Paula Franco Júnior homologou o TAC Governança, que define alterações na governança da Renova justamente com a intenção de garantir a participação dos atingidos nos processos decisórios. O Movimento dos Atingidos por Barragens-MAB já publicou em nota as críticas ao documento, construído sem o diálogo com atingidos e, apesar de apresentar alguns avanços na participação, os mantêm como sujeitos minoritários em todas as instâncias de decisão. Na nova governança as empresas criminosas seguem no comando do planejamento e execução das ações de reparação.

Manobra e traição

 Ainda na sessão, o mesmo juiz apresentou, sem qualquer anuncio anterior, suas ressalvas para o Termo Aditivo ao TAP, documento que foi debatido amplamente e construído em conjunto com a população da Bacia do Rio Doce.

 Tal termo dispõe sobre o diagnóstico do meio socioeconômico e a contratação das Assessorias Técnicas, maior vitória conquistada pelos atingidos do crime da Samarco/Vale/BHP. No entanto, as ressalvas elaboradas pelo referido Juiz apontam um grande retrocesso para a conquista, além de demostrar clara intenção de beneficiar as empresas criminosas e ainda ferem a constituição.

 A manobra colocou em alerta, não somente os atingidos e as organizações sociais, mas o conjunto das instituições públicas que estavam na sessão, notadamente os Ministérios Públicos e as Defensorias Publicas da União e dos estados de Minas Gerais e Espirito Santo.

 

Críticas aos pontos de ressalva ao Termo Aditivo

                O juiz entendeu que vários critérios do Termo Aditivo, principalmente no aspecto da Assessoria Técnica, eram insuficientes para a “condução do processo” e definiu o acréscimo de novos critérios. Em modificação da cláusula 7.3 do Termo Aditivo, três novos pontos determinam que “fica expressamente vedada” a vinculação político-partidária, à movimentos sociais, ong e entidades religiosas no processo de escolha das entidades que devem prestar a Assessoria Técnica.

Para nós a sentença viola os direitos à organização e livre associação dos atingidos e atingidas, e fere esses direitos garantidos pela Constituição a possíveis entes que se disponham à promover a Assessoria. O MAB denuncia que tais ressalvas se tratam de uma restrição, que pode ser entendida como uma restrição aos direitos civis e políticos dos envolvidos no processo, inclusive dos atingidos.

 Estes requisitos só foram colocados pelo Juiz para as Assessorias Técnicas, que servem diretamente aos interesses dos atingidos. Caso esta mesma regra fosse aplicada a todos os envolvidos na reparação dos danos causados pelo Crime, seria inviabilizada a participação de muitas das entidades e técnicos que atuam nas empresas, na Fundação e as consultorias, inclusive o Presidente do Conselho Curador da RENOVA Wilson Brumer (mais alto posto da Fundação) que é conhecidamente envolvido com atividades político-eleitorais e partidárias.

Nesses quase três anos de ausência do Estado na luta para a garantia de direitos, os atingidos contaram com apoio de movimentos sociais, ongs, entidades religiosas, grupos acadêmicos para terem suas demandas atendidas. Essa atuação foi fundamental para a compreensão da realidade dos territórios por parte da Defensoria Pública e Ministério Público. E agora, essas mesmas entidades são qualificadas como oportunistas, “aproveitadoras” que tentam se beneficiar de alguma forma. A legitimidade destas entidades junto aos atingidos tem sido imprescindível no dia a dia da vida dessa população atingida pela lama de rejeitos e deve ser garantido a essa população a livre escolha de suas Assessorias Técnicas.

Ressaltamos que já há Assessorias Técnicas sendo desenvolvidas em duas regiões da Bacia do Rio Doce e têm demonstrado a importância da articulação destas entidades com atuação local como igrejas, movimentos sociais, associações de bairro, cooperativas, sindicatos, ONG’s, no processo de reconstrução da vida das comunidades. O próprio Estado reconhece a importância desses atores garantindo representatividade em diversos conselhos nacionais de criação e acompanhamento das políticas públicas para a região. Até mesmo as próprias empresas, bem como a Fundação Renova, têm buscado dialogar com esses atores, dada sua relevância junto aos atingidos. Nessa sentença, simplesmente todo esse processo histórico ativo e fundamental na construção e fortalecimento dos direitos humanos dos atingidos pelo crime da Samarco/Vale/BHP é ignorado por uma decisão unilateral do juiz em questão.

 O próprio judiciário já reconhece a impossibilidade de neutralidade política na construção dos processos. Em uma compreensão mais profunda da própria democracia, isso é vital ao processo decisório. Não existe assessoria imparcial, uma vez que o papel da assessoria é exatamente trabalhar orientada pelos atingidos e suas necessidades. Dessa forma, devem defender, sim, os interesses daqueles para quem trabalham, ou seja, os interesses da população a que servem.

 O MAB acredita que a ação do juiz titular da 12ª Vara Federal trata-se da criminalização dos movimentos sociais e da livre organização dos atingidos.

 Ao longo desses quase três anos em que praticamente não recebemos apoio do Estado para evitar as violações, os atingidos e atingidas se organizaram nos mais distintos espaços,  recebendo apoio de diversas organizações da sociedade civil. Neste processo nasceu o direito a Assessoria Técnica, que é fruto da mobilização das comunidades. Nós entendemos que a Assessoria Técnica é muito mais que simples assistência técnica, possuí também o caráter pedagógico e permite a organização coletiva das demandas das comunidades, garantindo maior eficiência e efetividade ao processo de reparação.

 Vale destacar ainda, que muitos dos atingidos e atingidas não são seres apáticos no cenário político brasileiro, obviamente eles exercem seus direitos civis e políticos, bem como a liberdade de manifestação de pensamento, e podem estar filiados, organizados politicamente e em movimentos sociais. Essa decisão viola a liberdade de escolha dos atingidos pelas Assessorias que eles acreditam que melhor irá representar seus interesses, é uma restrição ao direito de representação.

 Lembrando que o papel do MAB é a defesa dos atingidos, reiteramos que seremos protagonistas em denunciar qualquer ato, pessoa ou entidade, que venha prestar assessoria técnica, e que de qualquer forma tente “aproveitar-se ou mesmo beneficiar-se” da situação. Seja propagandeando partidos, candidatos ou doutrinas religiosas.  Nos interessa que as entidades cumpram os princípios previstos no aditivo ao TAP, ressaltando a efetiva participação e a centralidade das pessoas atingidas, a transparência, idoneidade, a negociação coletiva e o respeito a auto-organização dos atingidos.

Está claro que a decisão privilegia critérios que estão relacionadas ao perfil e condução dos processos por parte das empresas, não refletindo profundamente sobre o debate e construção que as comunidades atingidas vêm efetuando acerca da Assessoria que querem para suas comunidades. Para quem está no diálogo cotidiano, que observa os inúmeros questionamentos das comunidades sobre a atuação dos “experts” nos territórios e da Fundação Renova, sabe que os atingidos não querem mais consultorias empresariais. Até hoje nenhum atingido foi ouvido pelo Juiz, bem como o mesmo não esteve nos territórios para acompanhar o debate. Os atingidos e atingidas, estão cansados de serem tutelados pelo estado, sem a garantia de direitos à informação, transparência e a participação.

Conteúdos relacionados
| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

Desenvolvimento para quem? Piauí, um território atingido pela ganância do capital

Coletivo de comunicação Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Piauí, assina artigo sobre a implementação de grandes empreendimentos que visam somente o lucro no território nordestino brasileiro