Há uma padronização da violação dos direitos humanos na construção de projetos hidroelétricos na América Latina
Soniamara Maranho, da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) voltou recentemente de Cuba, aonde se realizou um Encontro do Movimento de Afectados por Represas en América Latina […]
Publicado 14/05/2018
Soniamara Maranho, da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) voltou recentemente de Cuba, aonde se realizou um Encontro do Movimento de Afectados por Represas en América Latina (MAR). Nesta entrevista analisa a conjuntura latino-americana e os desafios da construção da organização continental dos atingidos por barragens.
Foto: Matheus Alves/FAMA.
Recentemente o MAB esteve em Cuba contribuindo em mais uma instancia de construção do Movimento de Afectados por Represas en América Latina (MAR). Qual é a leitura do MAR sobre a conjuntura atual?
Estamos vivendo uma conjuntura internacional de reorganização do sistema capitalista e imperialista. E para que esse sistema se reorganize, ele precisa investir principalmente na questão financeira, com especulação dos bancos, dos acionistas e rentistas, das bolsas de valores e os paraísos fiscais, os mesmos precisam se apropriar dos recursos naturais de uma base de alta lucratividade, assim como sucatear os estados e explorar ainda mais a força de trabalho dos trabalhadores em todo o mundo. Existe hoje a tentativa de uma padronização de custo trabalhador e retira direitos historicamente conquistados por esses trabalhadores em todo o mundo. Ainda por conta do avanço da tecnologia e a comunicação, a reprodução do valor para o capital se da de forma muito mais rápida eficiente e exploratória, e a água e a energia são dois dos recursos mais importantes para esse desenvolvimento do capital.
Se olharmos principalmente para Brasil e a América Latina, é evidente que continuamos tendo um cenário extraordinário de riquezas e bens naturais, porém com Estados vulneráveis, e ao mesmo tempo a serviço do grande capital. Vários desses governos surgiram depois dos golpes que foram arquitetados por este sistema capitalista e imperialista, com isso o capital se coloca com muito mais força para atacar o que é mais valioso, nossa soberania, democracia e direitos. Vivemos vários golpes de varias formas na América Latina, como Honduras duas vezes, antes das eleições e nas eleições com as urnas burladas, tivemos no Paraguai, Argentina e Brasil entre outros. Hoje a guerra contra a América Latina esta declarada e acontece com todos os mecanismos, não é só arma e intervenção militar. É midiática, judiciaria, de parlamento.
E como se expressa isso na disputa pelas riquezas na América Latina?
Olhando para a água, só o 2% da água do mundo é potável. E de essa água potável disponível no mundo, meio por cento é acessível o restante e geleira, porem 30% dessa agua acessível está na América Latina e 12% no Brasil. Então, não é por acaso que eles fizeram o Fórum Mundial da Água aqui em Brasília. Foi para fazer pressão para que empresários e especuladores decidam o destino das nossas águas. No caso do petróleo também é bem claro. Se juntarmos a Venezuela e o Brasil, temos mais de 700 bilhões de barris de petróleo, isso dá uma Arábia Saudita. E no caso do Brasil, temos o pré-sal, a maior reserva de petróleo de nossa história, que está sendo entregado ao grande capital pelo golpista Temer. No caso do potencial hídrico da América Latina, estamos com Brasil em primeiro lugar depois Peru, Colômbia, Argentina e Venezuela.
Então, a guerra contra nossos países tem o simples objetivo de se apropriar das nossas riquezas. Toda essa disputa está colocada hoje nos territórios, é ali que está a maioria dos atingidos. É por isso que tomamos a decisão de organizarmos em todos esses países movimentos nacionais com articulação internacional. Nesse sentido, enquanto MAR vemos que existe em América Latina uma mudança nas leis que até hoje garantiam alguns direitos aos atingidos, principalmente comunidades quilombolas, indígenas, sítios arqueológicos, locais de turismo e assim por diante. Não é momento de construção de muitas barragens, os capitalistas estão atualmente tentando mudar essas leis que até então traziam algum empecilho na construção. No próximo período é muito importante ter o MAR organizado, porque vai ter uma ofensiva muito mais forte do capital para se apropriar da água, a energia e nossos bens naturais. Por isso, organizar as populações atingidas, significa hoje garantir a soberania, a democracia e os direitos historicamente conquistados nos nossos países. Essas três pautas da Frente Brasil Popular aqui no Brasil, são de caráter latino-americano também.
Na última semana foram assassinados 4 militantes na Colômbia por conta da construção da hidroelétrica de Hidroituango, a maior do país…
A Colômbia é um dos países que hoje está num processo de construção de algumas hidroelétricas. No início do mês tivemos o assassinato de nosso companheiro do Movimento Rios Vivos Hugo, que estava acompanhado por seu sobrinho pescando. São garimpeiros artesanais e pescadores atingidos com uma forte relação com a comunidade, e estavam organizando mobilizações para exigir seus direitos. No dia 8, Alberto Torres também do Ríos Vivos estava tomando um café com o irmão e os dois foram assassinados. Então, em menos de 8 dias, 4 pessoas foram assassinadas em um país que não tem uma política nacional que garanta os direitos dos atingidos por barragens, inclusive perdendo a própria vida. Por isso, neste momento pedimos proteção para os militantes de Rios Vivos, e estamos denunciando o que está acontecendo, exigindo também que o Estado continue buscando os corpos dos desaparecidos do conflito armado na região. Quando não se tem um Estado comprometido, e leis que discutam a importância dos direitos dos atingidos, e quando não se respeita aos movimentos que colocam essa pauta acabam acontecendo este tipo de coisas. Há uma padronização da violação dos direitos humanos nas construções de projetos hidroelétricos, tanto no Brasil quanto na América Latina.
Quais são os principais desafios?
Nossos desafios principais têm a ver com o fortalecimento do MAR, fortalecer nossos movimentos nacionais enquanto atingidos por barragens e a nossa articulação politica, debatendo um projeto energético popular para nossos países. Essa construção requer pensar uma alternativa ao sistema capitalista, um processo de redistribuição da riqueza produzida pelos trabalhadores e trabalhadoras, de reestatização de tudo que era público e foi privatizado nos últimos anos, e para isso ao mesmo tempo é necessária a construção de uma unidade muito forte e internacional baseada na soberania e autonomia popular. Atualmente enquanto MAR estamos construindo em todos nossos países (14) encontros estaduais, e até maio do ano que vem encontros nacionais. No final de 2019, no marco dos três anos da formação do MAR (que foi lançado em Chapecó em 26 de setembro de 2016) vamos fazer um encontro continental dos atingidos por barragens, debatendo o novo projeto energético popular e uma nova sociedade. O desafio é chegar em 2020 a um grande encontro internacional dos povos atingidos por barragens e seus aliados estratégicos como trabalhadores dos setores da água e energia que ajudam a construir a riqueza de nossa América Latina e do mundo.