Indígenas da aldeia Krenak lamentam a morte do Rio Doce

Por Neudicléia de Oliveira Fotos: Leandro Taques de Resplendor MG Descendente dos primeiros habitantes da cidade de Resplendor, em Minas Gerais, a tribo indígena Krenak reúne uma das populações mais […]

Por Neudicléia de Oliveira

Fotos: Leandro Taques de Resplendor MG

Descendente dos primeiros habitantes da cidade de Resplendor, em Minas Gerais, a tribo indígena Krenak reúne uma das populações mais afetadas pelo lamaçal que invadiu as águas do Rio Doce, desde o rompimento da barragem da Samarco (Vale/BHP Billiton), ocorrido no dia 5 de novembro.

 As 126 famílias vivem na aldeia que é uma das últimas remanescentes da nação dos Botocudos. Euclides Krenak, de 105 anos, é o integrante mais antigo da comunidade e grande uma história viva da resistência indígena pelo território. “Aqui antigamente tinha mais de dois mil habitantes, mas os fazendeiros invadiram e os índios foram se espalhando porque fomos obrigados a sair. voltamos depois da demarcação das terras para onde estamos morando”, recordou Euclides.

Todavia, nada foi mais trágico para o ancião que nasceu e se criou às margens do rio, do que o despejo de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério na bacia do Rio Doce. “Antes nós vivíamos na beira do rio, na beira da praia, andando, pescando. O fato é que tudo se acabou. Mas nós temos que enfrentar esta é a luta né. Diz que o pobre vive no mundo de teimoso e é verdade mesmo”, afirmou Euclides.

A aldeia indígena já vinha sofrendo impactos ocasionados por grandes obras que cercam a comunidade. A poucos quilômetros dali está localizada a Usina Hidrelétrica de Aimorés, construída sob o Rio Doce. Em operação desde 2006, muitos problemas ocasionados pela sua instalação ainda persistem. Segundo o relatório da Comissão Especial das Barragens, aprovado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) em 2010, a barragem de Aimorés violou 11 direitos humanos, incluindo a reparação por perdas passadas na construção da barragem.

O rio morreu

“Watu é Kwen”, lamenta Laurita Charuk Mik, de 72. De acordo com a professora de língua indígena na escola da aldeia, o termo significa “a morte do Rio Doce”. De acordo com a indígena, o rio Doce já estava morrendo devido à construção da barragem de Aimorés, que acabou prejudicando a fauna e a flora da região, e agora sofreu um grande golpe.

“Acabou com os peixes e com os remédios da beira do rio que a gente pegava. Ensinávamos as crianças a nadar no rio, dançar dentro d’água, a chamar a chuva, mas agora não podemos nem entrar. Isso ai para nós foi muito doloroso, muita tristeza. Nós ficamos quase desmaiados de tanta tristeza, porque foram fazer isso? Mas ai a gente descobriu que a represa que rompeu era parte da Vale e fomos lá e bloqueamos os trilhos do trem [da Vale]. Dinheiro nenhum paga ele [Rio Doce]”, opinou Laurita.

Até o momento, apenas água mineral está sendo distribuída pela Vale, que cedeu após a mobilização indígena que bloqueou a ferrovia de trem de sua propriedade. “Esta empresa tem que fazer alguma coisa, tem que se virar para poder pagar a gente, só que dinheiro nenhum paga nossa crença e nossa cultura. O índio pertence ao rio e o rio pertence ao índio”, explicou a professora.

De acordo com Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), já está havendo espetacularização do sofrimento e da dor de milhares de pessoas que vivem às margens do Rio Doce. Talita Silva, da coordenação estadual do MAB em Minas, afirma que a empresa Samarco (Vale/BHP Billiton) tentará de todas as formas negar direitos, individualizar os problemas e fragilizar ainda mais as vítimas do desastre para gastar o mínimo possível. “Precisamos criar uma organização forte para exigir nossos direitos, caso contrário vamos ser engolidos pela gana do lucro”, ponderou Talita.

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