MPF investiga estudos de impacto e planos ambientais de usinas na Amazônia
Estudos incompletos e planos ambientais desrespeitando a legislação preocupam. Consequências para povos indígenas no Xingu, Tapajós e Teles Pires já são trágicas O Ministério Público Federal (MPF) acompanha, com vários […]
Publicado 06/05/2014
Estudos incompletos e planos ambientais desrespeitando a legislação preocupam. Consequências para povos indígenas no Xingu, Tapajós e Teles Pires já são trágicas
O Ministério Público Federal (MPF) acompanha, com vários procedimentos, as consequências para os povos indígenas dos estudos de impacto e planos ambientais de usinas hidrelétricas que o governo brasileiro implanta nas bacias dos rios Xingu (Belo Monte), Teles Pires (Teles Pires, Sinop e São Manoel) e Tapajós (São Luiz do Tapajós e Jatobá). Em todos esses casos, problemas na realização dos estudos e deficiências graves nos planos ambientais provocaram severos danos aos povos indígenas.
No caso dos índios do médio Xingu, afetados pela usina de Belo Monte, estudos insuficientes deixaram de prever impactos que hoje se observam. É o caso dos índios Xikrin, do rio Bacajá, que foram completamente ignorados nos estudos. Apenas dois anos depois do licenciamento de Belo Monte é que foram realizados estudos de impacto sobre os Xikrin. Para surpresa do MPF, os estudos constataram poucos impactos e previram condicionantes insuficientes, o que deixa os indígenas completamente vulneráveis e sem perspectiva de compensação diante das alterações que já se observam em seu modo de vida.
Mesmo para os povos indígenas onde houve previsão de impactos, a realização do Plano Básico Ambiental (PBA) ficou comprometida pelo atraso do empreendedor Norte Energia S.A e, em 2011, diante de impactos iminentes, foi criado um Plano Emergencial em substituição aos programas do PBA. O Plano Emergencial deveria fortalecer a presença da Fundação Nacional do Índio (Funai), garantir a proteção das terras indígenas contra invasões e realizar ações de etnodesenvolvimento. Nada disso foi implementado. Os recursos foram desviados para uma política anômala em que os indígenas eram obrigados a negociar mercadorias nos balcões da empresa.
O repasse mensal de valores diretamente do empreendedor para as aldeias atingidas desorganizou completamente os modos de vida dos Araweté, Assurini, Juruna, Arara, Xikrin, Parakanã, Xipaya e Curuaya que deveriam ter sido protegidos. Hoje, a não implementação das ações mitigatórias condicionantes da obra, somada às ações ilegais do empreendedor, gerou um cenário novo, em que os indígenas se aproximaram do núcleo urbano, perderam a capacidade de auto-subsistência e modificaram seus hábitos alimentares, com as terras absolutamente vulneráveis, analisa a procuradora da República Thais Santi, que acompanha em Altamira a situação dos índios afetados por Belo Monte.
No rio Teles Pires, mil quilômetros distante de Altamira, a situação não é muito melhor. Atingidos pelas usinas Teles Pires (em construção) e São Manoel (em fase de Licença Prévia), índios Kayabi, Apiaká e Munduruku já sofrem as consequências das intervenções no rio e da presença de pesquisadores, engenheiros e operários em suas terras. Em recente visita à aldeia do Kururuzinho, procuradores da República do Pará e Mato Grosso, junto com a sub-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, receberam várias denúncias, inclusive contra ações dos pesquisadores contratados pelas usinas.
Na implantação do Plano Básico Ambiental Indígena para os Kayabi, os indígenas foram obrigados a constituir um conselho com dez representantes para tomar decisões relativas ao PBA, o que viola as tradições políticas deles, impondo maneira de organização própria dos não-índios. Além disso, os programas previstos no PBA não contemplam diversos impactos. Chamou atenção do MPF a existência de programas de educação ambiental e de comunicação e a ausência de compensações concretas por danos ambientais.
A política de assimilação, apesar de ultrapassada por convenções internacionais e pela própria Constituição brasileira, continua muito presente nas ações governamentais para a implantação de usinas hidrelétricas, alerta o procurador Felício Pontes Jr, de Belém, que esteve na aldeia do Kururuzinho. Todas as nossas necessidades ficam para depois. Somem os peixes e o programa que eles trazem no PBA é monitoramento de peixes. Como isso vai resolver?, perguntou Valdenir Munduruku, de uma das aldeias afetadas pelas usinas no Teles Pires. A sub-procuradora-geral da República Deborah Duprat informou que os PBAs do rio Teles Pires serão analisados pelo MPF.
Várias lideranças indígenas denunciaram ao MPF a empresa Documenta, de arqueologia, pela retirada de urnas funerárias Munduruku e Kayabi durante os estudos para as usinas. Os indígenas foram convidados a visitar o escritório da empresa em Alta Floresta e se surpreenderam com a existência de artefatos retirados de seus cemitérios ancestrais. O assunto já é objeto de investigação na Procuradoria da República em Santarém.
Em estágio menos avançado de licenciamento estão as usinas do rio Tapajós, Jatobá e São Luiz do Tapajós, em Jacareacanga e Itaituba no Pará. Como em todas as outras usinas, não foi realizada a Consulta Prévia, Livre e Informada nos moldes do que determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Para realizar os estudos de impacto ambiental, o governo federal, em vez de consulta, enviou tropas da Força Nacional para a região em 2012, causando grande revolta nos índios Munduruku. Foram realizados poucos meses de levantamento de campo, um forte indício de que os estudos mais uma vez podem subdimensionar impactos. No último mês de fevereiro chegaram à região de Itatuba pesquisadores contratados para fazer o componente indígena dos estudos. Até agora apenas pesquisas sobre os meios físico e biótico foram realizadas. Com a tensão existente entre indígenas e governo, os pesquisadores não tiveram até agora permissão para entrar na Terra Indígena Munduruku. Uma investigação sobre os estudos indígenas das usinas do Tapajós já foi iniciada, em Belém.