Genocídio indígena

Por pouco que se pare no Cais de Altamira, vêem-se grupos de indígenas, muitos de calção, tênis, ou calça comprida, que transitam por ali, entre a Casa do Índio, o […]

Por pouco que se pare no Cais de Altamira, vêem-se grupos de indígenas, muitos de calção, tênis, ou calça comprida, que transitam por ali, entre a Casa do Índio, o escritório da Norte Energia e as ‘voadeiras’, ancoradas no Xingu. Sob o sol quente, alguns usam chapéu ou boné. Ainda que em trajes urbanos, seu andar é inconfundível. E no rosto, por trás da serenidade mais que milenar do índio, se nota um ar de tristeza, feito pássaro que canta de dor fora do seu ninho.

Esse cenário, antes incomum, torna-se sempre mais amiúde. Carros da FUNAI, Fundação Nacional do Índio, também ficam encostados perto da Norte Energia – um escritório chique à margem do Xingu – e, dali, saem abarrotados de alimento e de uma série de bugigangas rumo às aldeias. A FUNAI, que deveria protegê-las, virou uma espécie de braço da Norte Energia. Assim funciona a política indigenista do governo brasileiro atrelada, nesse momento, a Belo Monte.

Faz-se necessário um esclarecimento. Norte Energia é uma empresa recém-inventada, privada, que agrega as mega-empresas donas da barragem de Belo Monte, entre as quais a Vale. O objetivo dessa empresa ‘fantasia’ é implantar Belo Monte – que segue goela abaixo, a pleno vapor – e esconder os seus verdadeiros donos. O seu nome completo é NESA – Norte Energia Sociedade Anônima.

Cartilha de comunicação com os índios, do Programa de Comunicação da Hidrelétrica de Belo Monte, assinada por NESA e FUNAI, revela que foram gastos 14 milhões de reais com os povos indígenas entre Outubro de 2010 a Setembro de 2011. Para mais exatidão, R$ 14. 224.081,30. Na discriminação dos diversos gastos, 5 mil com regularização de associações, 4 milhões com proteção de terras indígenas e 1 milhão com fortalecimento da FUNAI em Altamira.

O olhar superficial pode imaginar que, finalmente, o índio está sendo valorizado por empresas privadas e estatais em parceria com o governo. Mas aí está o mais curioso: apesar desses gastos volumosos, a maioria das associações continua não regularizada, as terras dos indígenas estão – hoje mais do que nunca! – totalmente desprotegidas, sem demarcação, e não se sabe em que, exatamente, a FUNAI se fortaleceu em Altamira.

Além de não resolver problemas crônicos e muito importantes dos indígenas, como o é a demarcação de suas terras, essa política indigenista atrelada a Belo Monte está criando impactos de caráter permanente e irreversível sobre as populações indígenas, o que permite classificá-la, sem exageros, de política de genocídio.

Relatos de observadores dão conta de que a Norte Energia está ‘doando’ roupas, calçados, voadeiras, combustível, caixinhas de som e muita comida aos indígenas. Em uma das aldeias, o cacique, agora, vai com as cestas básicas andando de família em família, levando o alimento num carrinho de mão.

Essa política de assistência desestrutura as aldeias e desnaturaliza os índios. As famílias e as aldeias se dividem. No mesmo período de investimento desses mais de 14 milhões, o número de aldeias saltou de 19 para 34. Eles não mais trabalham, como antes: não plantam, não caçam, diversos deles abandonam as aldeias e vêm para a cidade. Muitos vão engordando, o alcoolismo aumenta entre eles, e seu modo de vida é destroçado.

 Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu, figura histórica na defesa dos indígenas, denuncia: ‘Não digo que estão [os índios] a favor da barragem. Muitos deles que antes viviam abandonados pelo governo e entregues à sua própria sorte hoje têm todas as contas pagas no comércio, recebem cestas básicas, combustível e outros benefícios. O governo que negou aos índios se manifestarem em oitivas previstas em Lei, agora se esmera em entupi-los de dinheiro para fechar-lhes a boca. Antigamente se enganou os índios com espelhos e bugigangas, hoje milhões de reais são injetados nas aldeias para paralisar a luta indígena e cooptar as lideranças. O preço é muito alto. Não se mata mais o índio a ferro e fogo. O dinheiro farto é a punhalada traiçoeira no coração das culturas indígenas e de sua organização comunitária’. E finaliza: ‘Os homens perderam o coração. Tornaram-se insensíveis, brutos, cruéis. Decidiram matar a vida’ (Maxapanã – o povo à jusante de Belo Monte).

Nas regiões do Brasil onde há mais tempo o capitalismo se intensificou e fincou suas raízes danosas, os povos indígenas foram dizimados, e sua cultura virou folclore. Há casos em que o nome de um povo indígena virou, num grande cinismo, o nome de barragem, como Aimorés, da Vale e CEMIG, em Minas Gerais. Essa mesma tragédia de outrora, novamente anunciada, vai se tornando realidade em Belo Monte, e em todos os mega-projetos pensados e executados na Amazônia. A colonização continua!

Conteúdos relacionados
| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

Desenvolvimento para quem? Piauí, um território atingido pela ganância do capital

Coletivo de comunicação Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Piauí, assina artigo sobre a implementação de grandes empreendimentos que visam somente o lucro no território nordestino brasileiro

| Publicado 26/01/2012

Chegou o inv(f)erno!

| Publicado 06/10/2011

Altamira: primeiras impressões

| Publicado 30/11/2012

Financiamento para quem?