Altamira: primeiras impressões

Altamira é uma cidade de contradições! O Xingu, banhando-a, oferece-lhe, gratuitamente, uma vista singular e, aos moradores e visitantes, uma orla aconchegante. Ali é o local do encontro, da convivência […]

Altamira é uma cidade de contradições! O Xingu, banhando-a, oferece-lhe, gratuitamente, uma vista singular e, aos moradores e visitantes, uma orla aconchegante. Ali é o local do encontro, da convivência e descanso, em especial nos finais de tarde e à noite.  Os namorados se encontram, encostados nos muros. As pessoas caminham, correm, e alguns fazem exercícios, espichando a perna sobre um banco e apertando o joelho. A brisa do rio contrasta com o mormaço e o sol escaldante.

Tirado esse cartão postal, que é bem cuidado, Altamira, semelhante às outras cidades da região, carece de políticas públicas elementares.  O esgoto corre a céu aberto nos cantos das ruas. Parece não haver serviço de limpeza urbana. Em diferentes pontos, urubus disputam as sacolas de lixo, buscando alimento.

A periferia é pior! As áreas alagadiças, particularmente, onde residem muitas centenas de famílias, a situação é deprimente. Os esgotos, o lixo e, no período das cheias, a água parada sob as palafitas propiciam a incidência de diferentes vetores de inúmeras doenças graves. Essa população mais simples, por vezes em miséria, é a mais sofredora. Mas não perde seu encanto pela vida, manifestado no espírito da boa acolhida.

O mormaço de Altamira, como se fosse uma estufa, impõe uma especial característica às lojas: boa parte delas, particularmente as mais equipadas, dispõe de ar condicionado, por vezes de porta fechada com a inscrição: ‘empurre’! Andando pela rua, sob um sol de rachar, entrei diversas vezes numa ou noutra loja; não para comprar, que não sou desse feitio, mas para me refrescar um pouco naquele ambiente.

As contradições de Altamira tendem a se agravar, enormemente, se Belo Monte for construída.  Antes mesmo de sua implantação, os sinais dos impactos negativos são visíveis. São vários os boatos que correm nas ruas, mas nem sempre se confirmam. No dia 27/09, por exemplo, dizem que 1000 homens chegaram à cidade, todos atraídos pela promessa de emprego. Correu em boca miúda que um sujeito teria andado a região avaliando os melhores pontos para se implantarem os bordéis.

Os sinais se fazem visíveis, também, na orla. Os bares, antes rústicos, agora vão ganhando uma nova performance, sem perder seu ar de simplicidade, ao menos por enquanto. Cadeiras e mesas se estendem às dezenas em áreas espaçosas. Os carros estacionados com placas de cidades variadas, o perfil das pessoas sentadas às mesas, e o seu sotaque, desvelam esse novo momento. Altamira não é mais a mesma! A cidade vem sendo invadida por pessoas de diversas partes do Brasil, cada qual com seus interesses e motivações. Eu e um colega de Minas Gerais nos incluímos entre esses.

O comércio, no geral, está movimentado! Um exemplo típico são as lojas de celulares, ramo dominado pelas empresas TIM e VIVO. Num espaço relativamente pequeno, da VIVO, contei dez funcionários, todos ocupados no atendimento aos muitos clientes; a maioria, como eu, buscava ali uma forma eficaz e econômica de comunicação com seus estados de origem. Uma equação difícil, senão impossível! Os planos atraentes, que os funcionários trazem na ponta da língua, nem sempre funcionam.

Do ponto de vista econômico, Altamira começa a experimentar um momento de economia aquecida, para alegria dos empresários em geral. Do ponto de vista sociológico, Altamira está, literalmente, inchando. Em pouco tempo o número de habitantes quase dobrou, saltando para 105 mil habitantes.

Em recente Audiência Pública na cidade, debateram-se os impactos e ameaças do projeto de barragem de Belo Monte. Empresários, com sua visão capitalista, políticos, e parte do povo, que hoje vive na miséria, vêem em Belo Monte um sinal de redenção. O Governo Federal, seduzido e influenciado pelo deus-capital, se aproveita dessa situação, e faz promessas de políticas públicas em troca de Belo Monte. Muitos, porém, questionam e resistem. Um cidadão falou do pós-barragem, como uma ressaca depois da tsunami no mar bravio. O representante do consórcio respondeu, na maior cara de pau, que o momento não seria para isso: ‘ocupemo-nos agora dos empregos gerados, não com o que será daqui a 10 anos’.

Ele procurou dissimular-se, pois sabe muito bem que o efeito ressaca, mais que o aquecimento repentino, é desastroso. Já existem, hoje, várias cidades fantasmas no entorno de barragens as quais, depois de um período ‘aquecido’, caem no completo esquecimento. O que ele fez pode chamar-se de pragmatismo de má fé.

É comum governos e empresas se servirem desse artifício para desviar a atenção do povo. Lula fizera algo semelhante em sua visita a Altamira no 2º semestre de 2010. Acossado por pessoas contrárias a Belo Monte, disse que, ao invés de se posicionarem contra, deveriam pensar formas de uso dos 4 bilhões de reais reservados para a região. Não se sabe, até hoje, se a promessa é real.

Há gente se mexendo feito pigmeu contra gigante, ciente de que todo gigante, por grande que seja, tem os pés de barro. Todo império tem sua fragilidade! Há uma luta histórica da Prelazia do Xingu na defesa dos ribeirinhos e dos povos da Amazônia. Existe o Xingu Vivo, que vem denunciando amiúde esse Belo Monstro e fazendo uma grande articulação, dentro e fora do Brasil. Existem, ainda, movimentos populares incipientes, entre eles o MTD – Movimento dos Trabalhadores Desempregados e o MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens. Há reações espontâneas em áreas ameaçadas pelo projeto Belo Monte, na região urbana de Altamira, com ocupações, duramente reprimidas pela força bruta.

A intervenção do Ministério Público Federal anunciada no dia 28/09 e sua proibição de intervenção das obras de Belo Monte no leito do rio Xingu soou  em nosso meio como piada de mau gosto. É que, no momento, não existe nem está planejada nenhuma intervenção direta no rio, pois a prioridade da empresa até dezembro é a infra-estrutura de acesso à região da barragem. O trecho da transamazônica perto da volta do Xingu  está sendo asfaltado e os travessões  melhorados com essa finalidade, e essas obras continuam a pleno vapor.

Quanto aos peixes ornamentais, principal objeto da suposta paralisação das obras, faz-se necessário um esclarecimento. Não se trata de alguns peixinhos de aquário; trata-se de uma variedade imensa de peixes ornamentais endêmica da Volta Grande do Xingu, a qual se estende por um trecho de mais de 100 km , que será extinta, caso a barragem seja construída. Há ainda outros peixes, animais e plantas que, também endêmicos, teriam o mesmo fim.

O impacto sobre o rio e seu entorno significa o impacto sobre o ser humano. O exemplo são, de novo, os peixes ornamentais. Os pescadores conseguiram junto ao IBAMA uma licença para sua exploração sustentável, inclusive para exportação. Extingui-los é, portanto, tirar o ganha-pão desses trabalhadores. É muito contraditório que o IBAMA, tendo concedido licença aos pescadores, agora conceda uma licença a favor de Belo Monte, pois as duas atividades são conflitantes entre si.

Essa ‘aparente’ contradição do IBAMA tem uma explicação. Belo Monte não é uma decisão dos órgãos ambientais nem do governo, mas do capital, ao qual o governo é subserviente. Essa clareza é importante! Os que se arvoram a levar adiante esse crime anunciado o fazem de forma consciente, para acumulação de capital. Buscar convencê-los do contrário é o mesmo que dizer ao gambá para não mexer na ninhada de ovos, sem expulsá-lo com uma boa sova. Contra a força destruidora do capital somente a força soberana do povo organizado.

Esse é o principal, senão o único desafio de todas as entidades e pessoas que desejam, honestamente, defender os bens naturais e os povos da Amazônia: a organização! O acúmulo histórico de alguns segmentos e entidades e sua unidade, o encantamento do povo e a articulação com os parceiros, dentro e fora do Brasil, são elementos decisivos nessa dura, mas importante empreitada.

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