Genocídio indígena
Por pouco que se pare no Cais de Altamira, vêem-se grupos de indígenas, muitos de calção, tênis, ou calça comprida, que transitam por ali, entre a Casa do Índio, o […]
Publicado 23/04/2012
Por pouco que se pare no Cais de Altamira, vêem-se grupos de indígenas, muitos de calção, tênis, ou calça comprida, que transitam por ali, entre a Casa do Índio, o escritório da Norte Energia e as voadeiras, ancoradas no Xingu. Sob o sol quente, alguns usam chapéu ou boné. Ainda que em trajes urbanos, seu andar é inconfundível. E no rosto, por trás da serenidade mais que milenar do índio, se nota um ar de tristeza, feito pássaro que canta de dor fora do seu ninho.
Esse cenário, antes incomum, torna-se sempre mais amiúde. Carros da FUNAI, Fundação Nacional do Índio, também ficam encostados perto da Norte Energia um escritório chique à margem do Xingu – e, dali, saem abarrotados de alimento e de uma série de bugigangas rumo às aldeias. A FUNAI, que deveria protegê-las, virou uma espécie de braço da Norte Energia. Assim funciona a política indigenista do governo brasileiro atrelada, nesse momento, a Belo Monte.
Faz-se necessário um esclarecimento. Norte Energia é uma empresa recém-inventada, privada, que agrega as mega-empresas donas da barragem de Belo Monte, entre as quais a Vale. O objetivo dessa empresa fantasia é implantar Belo Monte – que segue goela abaixo, a pleno vapor – e esconder os seus verdadeiros donos. O seu nome completo é NESA Norte Energia Sociedade Anônima.
Cartilha de comunicação com os índios, do Programa de Comunicação da Hidrelétrica de Belo Monte, assinada por NESA e FUNAI, revela que foram gastos 14 milhões de reais com os povos indígenas entre Outubro de 2010 a Setembro de 2011. Para mais exatidão, R$ 14. 224.081,30. Na discriminação dos diversos gastos, 5 mil com regularização de associações, 4 milhões com proteção de terras indígenas e 1 milhão com fortalecimento da FUNAI em Altamira.
O olhar superficial pode imaginar que, finalmente, o índio está sendo valorizado por empresas privadas e estatais em parceria com o governo. Mas aí está o mais curioso: apesar desses gastos volumosos, a maioria das associações continua não regularizada, as terras dos indígenas estão – hoje mais do que nunca! – totalmente desprotegidas, sem demarcação, e não se sabe em que, exatamente, a FUNAI se fortaleceu em Altamira.
Além de não resolver problemas crônicos e muito importantes dos indígenas, como o é a demarcação de suas terras, essa política indigenista atrelada a Belo Monte está criando impactos de caráter permanente e irreversível sobre as populações indígenas, o que permite classificá-la, sem exageros, de política de genocídio.
Relatos de observadores dão conta de que a Norte Energia está doando roupas, calçados, voadeiras, combustível, caixinhas de som e muita comida aos indígenas. Em uma das aldeias, o cacique, agora, vai com as cestas básicas andando de família em família, levando o alimento num carrinho de mão.
Essa política de assistência desestrutura as aldeias e desnaturaliza os índios. As famílias e as aldeias se dividem. No mesmo período de investimento desses mais de 14 milhões, o número de aldeias saltou de 19 para 34. Eles não mais trabalham, como antes: não plantam, não caçam, diversos deles abandonam as aldeias e vêm para a cidade. Muitos vão engordando, o alcoolismo aumenta entre eles, e seu modo de vida é destroçado.
Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu, figura histórica na defesa dos indígenas, denuncia: Não digo que estão [os índios] a favor da barragem. Muitos deles que antes viviam abandonados pelo governo e entregues à sua própria sorte hoje têm todas as contas pagas no comércio, recebem cestas básicas, combustível e outros benefícios. O governo que negou aos índios se manifestarem em oitivas previstas em Lei, agora se esmera em entupi-los de dinheiro para fechar-lhes a boca. Antigamente se enganou os índios com espelhos e bugigangas, hoje milhões de reais são injetados nas aldeias para paralisar a luta indígena e cooptar as lideranças. O preço é muito alto. Não se mata mais o índio a ferro e fogo. O dinheiro farto é a punhalada traiçoeira no coração das culturas indígenas e de sua organização comunitária. E finaliza: Os homens perderam o coração. Tornaram-se insensíveis, brutos, cruéis. Decidiram matar a vida (Maxapanã – o povo à jusante de Belo Monte).
Nas regiões do Brasil onde há mais tempo o capitalismo se intensificou e fincou suas raízes danosas, os povos indígenas foram dizimados, e sua cultura virou folclore. Há casos em que o nome de um povo indígena virou, num grande cinismo, o nome de barragem, como Aimorés, da Vale e CEMIG, em Minas Gerais. Essa mesma tragédia de outrora, novamente anunciada, vai se tornando realidade em Belo Monte, e em todos os mega-projetos pensados e executados na Amazônia. A colonização continua!