Foco de investimentos não mudará, aponta presidente do BNDES
Em audiência com comunidades afetadas por projetos financiados pelo BNDES, o presidente do banco, Luciano Coutinho, afirmou que medidas de mitigação estão sendo discutidas, mas se esquivou de cobranças por […]
Publicado 03/12/2009
Em audiência com comunidades afetadas por projetos financiados pelo BNDES, o presidente do banco, Luciano Coutinho, afirmou que medidas de mitigação estão sendo discutidas, mas se esquivou de cobranças por redirecionamento
Por Verena Glass
Representantes de comunidades e populações atingidas por empreendimentos financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se reuniram esta semana com o intuito de pressionar por mudanças na conduta do principal banco estatal brasileiro de fomento. Após três dias na capital fluminense para o encontro organizado pela Plataforma BNDES – rede de mais de 30 organizações e movimentos sociais que acompanha os impactos da atuação do banco, eles ouviram do presidente do banco, Luciano Coutinho, apenas uma promessa de “reiterar o compromisso de levar a sério o documento [elaborado pelos participantes]”.
Na audiência entre as partes realizada nesta quarta-feira (25), Luciano Coutinho não deu abertura para as demandas de reorientação política e econômica sugeridas pela sociedade civil. Segundo o presidente do BNDES, a instituição tem desempenhado um papel fundamental no setor produtivo – muitas vezes evitando que empresas quebrem, o que, segundo ele, “seria pior”. De acordo com ele, o banco tem atuado nos setores sociais e ambientais dos projetos onde tem participação societária e tem financiado apenas projetos com licenciamento ambiental. Advertiu ainda que “se a empresa omite ou distorce [dados sobre os impactos], isso é um problema de interlocução entre nós”.
A possibilidade de debate sobre a redirecionamento do crédito e a priorização de investimentos em projetos de desenvolvimento social em detrimento dos apoios ao setor macroempresarial parece não encontrar espaço na agenda do atual presidente do BNDES. De acordo com João Roberto Lopes, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Luciano Coutinho reafirmou total alinhamento com o atual modelo, desconsiderando a Plataforma BNDES como interlocutor na medida em esta se baseia na cobrança de mudanças estruturais e não se contenta com mitigações.
O encontro da Plataforma BNDES se concentrou em questões como acesso maior a informações (disponibilização da totalidade da carteira de projetos privados, classificação de risco ambiental dos projetos e critérios de aprovação, condicionantes socioambientais e cláusulas de suspensão de contrato), participação e controle (as populações diretamente impactadas pelos projetos devem ser consideradas, informadas e consultadas durante a análise dos projetos de financiamento do Banco), e remodelação da agenda de desembolsos do banco, atualmente direcionada a grandes empreendimentos. As demandas vieram acompanhadas de depoimentos de lideranças indígenas e de agricultores sobre problemas ambientais, sociais, fundiários e econômicos gerados pelos projetos apoiados pelo BNDES.
“É difícil conversar com o senhor, que financiou a nossa desgraça”, desabafou Cleide Passos, ribeirinha atingida pelas obras de construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, que recebeu R$ 6,1 bilhões do BNDES. A família de Cleide foi uma das desalojadas pela obra, e hoje enfrenta grandes dificuldades em função da impossibilidade de praticar a agricultura de subsistência. “O senhor está financiando a nossa morte; é a nossa desgraça que o senhor assinou”, acusou a ribeirinha, que não conteve o choro e teve que sair da sala para se acalmar.
Balanço
João Roberto Lopes, do Ibase, frisou também a falta de implementação de medidas acordadas no primeiro encontro do presidente do Banco com a Plataforma BNDES em 2007. Na ocasião, o presidente do banco prometera reexaminar financiamentos do setor de papel e celulose, um dos mais impactantes do ponto de vista socioambiental.
De acordo com João Roberto, apesar de um pequeno avanço no quesito transparência – o BNDES passou a publicar, trimestralmente, dados sobre os financiamentos ao setor privado referentes aos últimos 12 meses, mas retira da pagina eletrônica as informações anteriores a cada nova publicação -, todas as demais demandas, e principalmente um estreitamento do diálogo com as entidades da sociedade civil, pouco avançaram e não apresentam nenhuma realização concreta.
Como resultado do I Encontro Sulamericano de Populações Afetadas por Projetos Financiados pelo BNDES, que reuniu cerca de 200 representantes de comunidades atingidas de todo o país, o coordenador do Ibase apresentou ao presidente do banco a exigência de que assuma as responsabilidades e co-responsabilidades pelos problemas causados por obras como as usinas do Madeira, e projetos de empresas como Aracruz e Votorantim (papel e celulose), bem como da Vale (mineração) e dos setores sucroalcooleiro e da pecuária, recordistas na exploração de mão-de-obra escrava.
Em resposta às organizações sociais, Luciano Coutinho refutou a falta de abertura para o diálogo e mencionou as recentes audiências com ambientalistas e com o Ministério Público Federal (MPF) para discutir mitigações e compensações dos impactos causados pelo agronegócio. De acordo com o presidente do BNDES, o banco está preparando uma série de manuais para os diversos setores em que atua – guias que deverão estabelecer protocolos e regras de conformidade para a observação de direitos sociais e ambientais das populações.
Uma nova rodada de negociações foi marcada para meados de dezembro, quando deverão ser apresentadas as considerações oficiais do banco de fomento sobre o documento do “I Encontro Sulamericano de Populações Afetadas por Projetos Financiados pelo BNDES”.
Na avaliação de Gabriel Strautman , secretário executivo da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, apesar superficialidade e da falta de compromisso que marcaram o posicionamento de Luciano Coutinho durante a audiência com os atingidos pelos empreendimentos, “ele ouviu as nossas considerações com atenção”. “Mas o diálogo com o BNDES só vai avançar com pressão e sob exigência contundente da sociedade”, prevê.
CARTA DOS ATINGIDOS PELO BNDES
Somos indígenas, quilombolas, camponeses, ribeirinhos, pescadores, trabalhadoras e trabalhadores do Brasil, Equador e Bolívia, reunidos no I Encontro Sul-Americano de Populações Impactadas por Projetos financiados pelo BNDES.
Somos, todas e todos, atingidos por estes projetos, sobre os quais nunca fomos consultados e que são apresentados para nós como empreendimentos que irão trazer progresso e desenvolvimento para o Brasil e para América do Sul. São projetos financiados pelo BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, voltados para o monocultivo de cana de açúcar e eucalipto, para a produção insustentável de carne, para a exploração de minério, para a construção de fábricas de celulose, usinas de produção de agroenergia, siderúrgicas, hidrelétricas e obras de infraestrutura, como portos, ferrovias, rodovias, gasodutos e mineriodutos. Estes têm afetado direta e profundamente nossas vidas, em especial das mulheres, nos expulsam das nossas terras, destroem e contaminam nossas riquezas, que são os rios, florestas, o ar e o mar, dos quais dependemos para viver, afetam nossa saúde e ampliam de forma permanente a exploração sobre os povos de nossos países.
Os investimentos crescentes do BNDES, que apenas em 2009 podem ultrapassar os R$ 160 bilhões de reais, utilizando recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Tesouro Nacional, estão servindo para aumentar os lucros de um grupo reduzido de algumas dezenas de grandes empresas de capital nacional e internacional. Enquanto isso, a apropriação por parte dessas empresas dos nossos territórios, da água, das florestas e da biodiversidade ameaça não só a segurança alimentar das nossas comunidades, mas também a soberania alimentar, mineral e energética dos nossos países. Dessa forma, os financiamentos promovem uma integração da América do Sul que se baseia em uma forte concentração do capital, no controle e na privatização de territórios de uso comum e na exportação dos bens naturais do nosso continente.
Por diversas vezes, buscamos as autoridades para protestar contra o financiamento do BNDES a estes projetos, mas nossos argumentos são invariavelmente desconsiderados. Na verdade, o que constatamos é o comprometimento da grande maioria do Executivo, Legislativo e Judiciário com a defesa destes projetos, que promovem a constante violação dos nossos direitos. Enfrentamos cada vez mais dificuldades para a demarcação de nossas terras indígenas e quilombolas, a realização da reforma agrária e a obtenção de empregos com garantia de direitos, no campo e nas cidades. Denunciamos a verdadeira ofensiva de ameaças, perseguição e criminalização que estamos sofrendo, que já custou a vida de inúmeros companheiros e companheiras na luta pela defesa do nosso território, dos nossos rios, mares e matas.
Nossa troca de experiência explicita que há um bloco, formado por grandes empresas multinacionais, o Estado e os grandes meios de comunicação, que cria, promove e se beneficia dos projetos que o BNDES financia. O principal argumento do BNDES para justificar estes financiamentos – a geração de empregos – é falso. Os projetos financiados destroem milhares de formas de trabalho nas comunidades impactadas e os empregos criados pelos financiamentos, além de insuficientes, aumentam a superexploração do trabalho, o que inclui muitas vezes a prática do trabalho escravo. As grandes obras de infraestrutura e a reestruturação dos processos produtivos, que automatizam e terceirizam a produção, afetam ainda mais os trabalhadores e as trabalhadoras. O resultado é um grande contingente de desempregados e lesionados, com direitos cada vez mais reduzidos.
Nossa luta é pela vida e contra a morte que os projetos do BNDES têm promovido através dos seus financiamentos. Lutamos por uma inversão da lógica de acumulação capitalista e do lucro, causadora da crise ambiental, climática, econômica e social que vivemos, de modo a garantir o respeito à dignidade e à diversidade dos modos de vida das populações sul-americanas.
Perante essa situação, nos comprometemos a:
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Prosseguir em nossa luta em defesa da nossa terra, ar e água, certos de que esta será a principal ferramenta para resistirmos aos projetos financiados pelo BNDES.
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Socializar com nossas comunidades e movimentos e com todo o povo dos nossos países todas as informações e denúncias relatadas neste encontro e incentivar o trabalho de formação nas nossas regiões no Brasil e na América do Sul sobre o papel do BNDES e dos governos que promovem o atual modelo, chamado de desenvolvimento, mas a serviço da acumulação de lucros de grandes empresas multinacionais.
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Articular e fortalecer cada vez mais nossas lutas contra os projetos de barragens, monoculturas, celulose, agrocombustíveis, agropecuária, mineração, infraestrutura e siderurgia, buscando fortalecer nossa resistência.
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Exigir do BNDES critérios socioambientais transparentes que não se restrinjam à legislação ambiental e ao ambientalismo de mercado, incorporando critérios de equidade que respeitem a diversidade dos modos de vida e de produção já existentes nos territórios. Além disso, exigimos o respeito aos direitos humanos e a aplicação com rigor de todos os tratados e convenções ratificados por nossos países.
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Denunciar as graves conseqüências destes projetos sobre os povos indígenas nos nossos países, apoiar e incentivar as suas lutas contra os projetos que destroem seus territórios, bem como exigir a imediata demarcação e desintrusão das terras indígenas.
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Fiscalizar as irregularidades das empresas financiadas pelo BNDES.
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Exigir do BNDES transparência e acesso irrestrito ao conjunto das informações dos financiamentos.
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Responsabilizar o BNDES e os governos pelos prejuízos causados pelos projetos que o Banco financia e exigir a suspensão do financiamento a empresas que violam direitos, degradam o meio ambiente e as condições de trabalho.
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Fortalecer nossa luta por um projeto popular que possa gerar perspectivas para todos, e principalmente para a juventude, para que não abandonem nossos territórios ameaçados pelos projetos financiados pelo BNDES.
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Lutar, em nossos países, por uma forte integração dos povos, pela economia solidária, pelo respeito aos nossos direitos, pela garantia da nossa soberania, pelo bem-estar das comunidades e pela integridade dos nossos territórios.
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Exigimos que o BNDES seja um instrumento para fortalecer este novo projeto de sociedade.
Rio de Janeiro, 25 de novembro de 2009
Assinam esta Carta representantes das seguintes organizações:
Actionaid Brasil
Assembléia Popular
Assoc. de Moradores Sem Casa de Entre Rios de MG
Associação Indígena Tupiniqueira e Guarani ES – AITG
Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
Associação de Funcionários do BNB
ATTAC Brasil
Campanha Justiça dos Trilhos
Centro de Apoio Sócio-Ambiental – CASA
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Centro de Defesa de Direitos Indígenas – CDDI
Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária – CEDAC
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura – CONTAG
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica – COICA
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
Sistema de Cooperativas de Crédito Rural com Integração Solidária – Cresol
Esplar Centro de Pesquisa e Assessoria
Equipe de Conservação da Amazônia – ACT Brasil
Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar – FETRAF
Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo – Fobomade
Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES
Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional – FBSAN
Fórum Permanente de Mulheres do RJ
Frente Nacional do Saneamento Ambiental – FNSA
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – Fase
Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES
Fórum Popular e Independente do Madeira
Fórum Permanente de Mulheres
Instituto Brasileiro de Inovações Pró-Sociedade Saudável – IBISS-CO
Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul – PACS
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase
Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc
Justiça Global
Movimento dos Atingidos por Barragens -MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra _ MST
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST
Movimento Nacional de Direitos Humanos _MNDH
Movimento Quilombola
Movimento Xingu Vivo para Sempre
Núcleo Amigos da Terra Brasil
Pastoral da Juventude Rural de ES – PJR
Plataforma Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – DESCHA
Rede Alerta contra o Deserto Verde
Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Rede Brasileira de Teatro de Rua
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
Rede Brasileira pela Integração dos Povos – REBRIP)
Repórter Brasil
Sindicato Matabasi Inconfidentes – Congonhas MG
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mucuri – BA
Sindicato dos Portuários – Suporte/ES