Uma cidade destruída pela lama
Quando a lama das barragens da Samarco (Vale/BHP Billiton) chegou à sede do município de Barra Longa, eram por volta de 2h, ou seja, quase 10 horas após o rompimento. […]
Publicado 18/11/2015
Quando a lama das barragens da Samarco (Vale/BHP Billiton) chegou à sede do município de Barra Longa, eram por volta de 2h, ou seja, quase 10 horas após o rompimento. Ainda assim, os moradores foram pegos de surpresa. Em depoimentos, eles contam que a empresa não informou à população dos riscos e nem prestou socorro para a remoção das famílias.
Desceu um particular avisando, mas ninguém acreditou que vinha nesse nível não. Se fosse a Samarco [avisando] era outra coisa, reclama Raimundo Fernandes, vice-presidente da Associação do Bairro Morro Vermelho. Ele mostra os estragos feitos pela lama na sede da entidade, local utilizado para festas e outras atividades, à beira do rio Carmo, hoje um rio de lama. Dezessete anos para construir e em três horas tudo acabou.
Raimundo e a sede da Associação do Bairro Morro Vermelho
Antônio Rizo, dono de um restaurante e pousada, faz um relato ainda mais preocupante. Conta que chegou a telefonar para a empresa após a meia-noite e ouviu de seu funcionário que a enchente não chegaria até ali. Menos de duas horas depois, a lama tomou conta de seu estabelecimento e residência, localizado próximo à praça da cidade que antigamente era motivo de orgulho para seus moradores, mas agora está completamente tomada pela lama. A Samarco é uma máquina de destruir sonhos, disse.
O desatre desalojou mais de 130 famílias no município de 7 mil habitantes. Diferente dos atingidos nos distritos de Mariana, em Barra Longa, os desabrigados não foram para hotéis. Até a tarde de ontem (17 de novembro), a empresa havia alugado 35 casas para alojar as famílias.
Em uma assembleia realizada ontem na igreja, uma moradora que chegou à cidade há apenas quatro meses e perdeu todos seus móveis novos reclama que a empresa ainda não havia entregado o kit mobiliário. Ela tem apenas o colchão para dormir em cima (no total, foram 1000 comprados pela empresa e outros tantos fruto de doação). A escola voltaria a funcionar hoje, mas ela já mandou seus filhos para a casa da mãe, em outra cidade.
A praça de Barra Longa, tomada pela lama
Uma moradora do povoado de Gesteiro conta que há 16 famílias desabrigadas ali. O povoado ficou isolado da sede da cidade, pois seu acesso por terra ficou destruído. A empresa abriu um acesso alternativo, mas a este foi prejudicado pela chuva.
Outro morador da área rural reclama da falta de suporte para os produtores, que tiveram perdas com o soterramento dos pastos, a perda da produção leiteira e a morte dos animais. A assistência da Samarco é desastrosa. Chegaram a comprar ração de cavalo para o gado, ele reclama. O funcionário da empresa presente na reunião queixa-se de que eles não têm experiência em agronegócio e estão esperando apoio da Embrapa e da Emater.
Esse mesmo representante da Samarco afirma que há no momento 270 funcionários da empresa atuando na reconstrução do município (embora a impressão visual seja de que a grande maioria das pessoas na limpeza das ruas seja de voluntários ligados às igrejas e os próprios moradores).
Uma moradora mais antiga queixa-se da falta de assistência da empresa. No domingo só tinham cinco funcionários da empresa aqui e duas carriolas. Pelas ruas da cidade, se vê um monte de caçambas cheias de lamas paradas nas ruas algo inusitado para a cidade que sempre teve fama de pacata, limpa e organizada, conta um padre que viveu ali no começo dos anos 90. Moradores reclamam que para fazer o mineroduto, a empresa colocou três turnos, mas para reconstruir Barra Longa, é só um. O funcionário da Samarco (Vale/BHP Billiton) afirma que é para não atrapalhar o sono dos moradores.
Os moradores também cobraram informações sobre a segurança das demais barragens da mineradora, devido às informações veiculadas pela imprensa desde o fim de semana que outras duas, Santarém e Germano, estão em risco de estourar. A barragem [de Germano] está sendo monitorada e estão sendo feitos reforços, mas a avaliação técnica é que não há nenhum problema em sua estrutura, afirmou. Enquanto isso, diretores da empresa admitiam em coletiva de imprensa que há risco de ruptura nas barragens.
Iris Ferreira, moradora
A moradora Iris Ferreira mostra os estragos feitos em sua casa, já com os cômodos todos vazios. Artesã, ela conta que perdeu R$ 40 mil em materiais de bordado. Ela e seu marido não tiveram tempo de sair quando a lama chegou, subiram para a cobertura da casa e lá ficaram até serem resgatados no dia seguinte. Na tarde de ontem, Iris tentava resgatar alguns móveis e mostrava outros quebrados. Só as orquídeas, penduradas no teto da varanda, ficaram intactas.