Energia elétrica: Governo mira lucros de acionistas
Intervenção de Dilma Rousseff no setor busca compor interesses do capital industrial abatido pela crise Pedro Rafael, Brasil de Fato Pressionada pelo setor industrial fortemente afetado pelos reflexos da crise […]
Publicado 08/01/2013
Intervenção de Dilma Rousseff no setor busca compor interesses do capital industrial abatido pela crise
Pedro Rafael, Brasil de Fato
Pressionada pelo setor industrial fortemente afetado pelos reflexos da crise econômica internacional a desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) se deve, principalmente, à estagnação do setor a presidenta Dilma Rousseff decidiu antecipar a renovação das concessões de energia elétrica controladas por empresas estatais (federais e estaduais), que venceriam entre 2015 e 2017.
Em setembro, o Executivo editou a Medida Provisória 579, estabelecendo as exigências. A medida alcança concessões de 18 empresas geradoras e nove transmissoras. Correspondem a 85 mil km de linhas de transmissão e 22% da geração de eletricidade do país.
Ao garantir a exploração do serviço por esses grupos ao longo de mais três décadas, Dilma condicionou uma nova composição tarifária, que inclui o fim de dois impostos (Conta Consumo de Combustível/CCC e Reserva Geral de Reversão/RGR) e a redução em 75% de outra tarifa recolhida pela União, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Incentivos
A redução da conta de energia se alia a outras iniciativas do governo Dilma para fortalecer a indústria, como a queda da taxa Selic, o reforço financeiro ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as concessões nos setores de infraestrutura (aeroportos, rodovias e ferrovias). O setor é o que consome metade de toda a energia elétrica gerada no país.
A própria indústria via com bons olhos a ideia de esperar o fim das concessões para haver nova licitação e o patrimônio ser repassado de forma definitiva para o capital privado. Nesse sentido, a decisão de renovar foi uma vitória que atendeu aos apelos dos sindicatos, movimentos populares e das próprias estatais, pondera Dalla Costa, do MAB.
Máquina de fazer dinheiro
A renovação dos contratos de concessão das empresas estatais de energia elétrica é a tentativa do governo federal em regular o preço do serviço vendido no país, que é um dos mais caros do mundo. Desde que o sistema elétrico foi privatizado, na metade da década de 1990, o valor final da energia cresceu de forma extraordinária, ainda assim em meio aos apagões e programas de racionamento.
Estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), de 2011, apontou algumas disparidades. O valor médio da energia no setor industrial custa R$ 329 megawatts/hora (MW/h), algo 50% superior à média de outros 27 países (R$ 215 MW/h), segundo informações da Agência Internacional de Energia. Mesmo descontados os impostos, a energia elétrica industrial brasileira ainda é 134% maior do que as tarifas de China, Índia e Rússia. Na comparação com os quatro maiores parceiros comerciais do Brasil (Estados Unidos, Argentina, Alemanha e China), o custo elétrico brasileiro também rompe o padrão médio.
Preço internacionalizado
Esse modelo foi fixado pouco antes do processo de privatização. O governo elevou o valor da eletricidade ao preço internacional e, a partir daí, passou a regular em cima desse preço internacionalizado de mercado, não levando em conta o real custo da energia elétrica produzida aqui, explica o professor Dorival Gonçalves, do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Segundo o docente, como o preço final da eletricidade não está fundado no custo da mercadoria no Brasil, e tendo em vista uma cadeia produtiva de elevada produtividade, a fonte de lucros se torna espetacular, observa.
No Brasil, 90% da eletricidade são produzidos a partir de usinas hidrelétricas, consideradas fontes mais baratas. Mas Gonçalves vai além. Citando dados do Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat), o professor compara o valor da eletricidade entre Brasil e França. Lá, em média, o preço da energia elétrica é uma vez e meia menor do que o brasileiro, mesmo a maior parte da produção francesa, mais de 75%, ser fundada na energia nuclear, que é muito mais cara.
Esse alto valor é normalmente atribuído a tributos e encargos, todavia, ao calcular apenas o custo com geração, transmissão e distribuição, o valor continua entre os mais altos do mundo. Dessa forma, o setor elétrico se transformou em um grande gerador de lucro e levou a uma pior condição de trabalho, sem condições mínimas de segurança, avalia o Daniel dos Passos, economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e assessor dos sindicatos da Intercel e Intersul.
Apesar de a eletricidade ser considerada um serviço público, a geração de lucros no setor é eloquente. Dados contidos em nota técnica do próprio Dieese informam que, somente nos últimos cinco anos, entre as 12 maiores pagadoras de dividendos aos acionistas, medido em proporção do valor da ação, nove são empresas de energia elétrica.
PSDB e sua aliança de classe
Com a negativa dos governos de Minas Gerais, Paraná e São Paulo controlados pelo PSDB de renovar as concessões de energia elétrica das empresas estaduais (Cemig, Cesp e Copel), o governo federal pode não conseguir atingir a meta de 20,2% de redução na conta de luz. O total de usinas hidrelétricas aptas a terem suas concessões renovadas produzem 22,6 mil MW/h de eletricidade. Com a debandada, esse valor cai para 15,4 mil MW/h, inviabilizando o desconto prometido. No caso das transmissoras, não houve discordância e os contratos devem ser renovados.
A disputa política foi assumida publicamente pelo senador Aécio Neves, virtual candidato tucano à presidência da República em 2012, que subiu à tribuna do Congresso Nacional para repudiar a medida. Em seguida, repetiu as críticas nos meios de comunicação. Queremos discutir a redução na conta de luz com corte de impostos, sugeriu o mineiro. Com a redução de encargos anunciada, no entanto, o governo federal diminuirá R$ 3,3 bilhões do seu caixa e a expectativa é que a ativação da economia compense a redução dos tributos.
Para Dilma Rousseff, a não participação das estatais paulista, mineira e paranaense deixa um rastro de falta de recursos, que serão custeados, segundo ela, pelo Tesouro Nacional. Essa alternativa, ainda não detalhada, deve durar ao menos até o fim das concessões, que terminam em 2017, quando as regras para redução de tarifas passarão a vigorar para os três estados, mesmo se houver licitação para novas concessionárias.
Parte da grita dos governos do PSDB tem a ver com o tamanho da indenização inicialmente proposta pelo governo, considerada abaixo do valor contábil registrado pelas empresas em relação aos seus investimentos. O governo, no entanto, afirma que já houve amortização total da maior parte dos investimentos. O cálculo da indenização proposto na MP 579 terá como referência o Valor Novo de Reposição (VNR), que corresponde ao que seria investido atualmente, se houvesse a substituição de um ativo velho por um novo. Esse valor não leva em consideração o progresso tecnológico dos últimos anos, que baratearam os custos de equipamentos, daí a diferença que pode haver entre o VNR e o registro no balanço das empresas.
Acionistas sem lucros
A posição tucana reforça os interesses dos acionistas que ganham dinheiro através das empresas de energia elétrica. Apesar de serem estatais, as ações que geram mais dividendos estão nas mãos do capital privado. Para entender isso, basta saber que a maior parte das ações ordinárias, aquelas que conferem poder de mando nas empresas, estão nas mãos dos governos. Porém, as ações preferenciais, para onde são destinados os lucros, estão completamente diluídas entre investidores particulares. Eles terão seus dividendos bastante diminuídos para que o povo brasileiro e as indústrias paguem menos pela energia elétrica.
O que o PSDB pretende é se cacifar junto à burguesia do setor elétrico, e aí se coloca como seu representante político. O que tem de crucial nessa história é que eles querem que somente as forças de mercado definam o preço. Porém, as várias cadeias produtivas que se articulam em torno do setor elétrico, mesmo já tendo amortizado o investimento em patrimônio, não reduzem seus custos, afirma o professor Dorival Gonçalves, da UFMT.