“Me sinto abandonada”: a voz dos excluídos das listas de atingidos pelas enchentes no RS
A luta do MAB no Vale do Taquari (RS) garantiu a publicação das listas dos beneficiários para os programas habitacionais, mas há ainda um longo caminho pela frente, já que as listas apontam uma alta subnotificação
Publicado 24/11/2025

No Vale do Taquari, interior do Rio Grande do Sul, são mais de dois anos de luta por reparação desde setembro de 2023. Dois meses depois, uma nova enchente atingiu a região e em maio do ano seguinte, a maior de todas devastou o Estado. Famílias que ainda buscavam formas de se recuperar da tragédia vivida nos meses anteriores, viram a sua vida totalmente devastada no pior cenário que a crise climática poderia impôr sobre os gaúchos.
Até hoje, os atingidos das três enchentes lutam, antes de tudo, por reconhecimento, ponto de partida para garantir que tenham acesso a direitos básicos, especialmente moradia. Há um mês, em 24 de outubro, as famílias atingidas dos municípios que compõem o Vale do Taquari se reuniram em mais um ato, em frente ao Ministério Público, em Lajeado.
O grito dos atingidos chegou ao auditório do prédio, onde acontecia mais uma audiência da Ação Civil Pública contra nove municípios do Vale do Taquari, o estado do Rio Grande do Sul e a União, e resultou em uma conquista importante: a publicação das listas com os nomes dos atingidos em cada município. Esse é o primeiro passo para o reconhecimento e fortalece a luta de cada família em busca de seus direitos.
Publicadas na semana passada, as listas apresentam os beneficiários que deveriam ser contemplados pelos programas habitacionais. A questão é que essa divulgação deixa evidente um problema fundamental já apontado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB): as listas não incluem grande parte dos atingidos.
Durante o último fim de semana, o MAB visitou grupos compostos por famílias que vivem em módulos provisórios na cidade de Arroio do Meio. O levantamento aponta uma realidade assustadora: de 44 famílias que hoje vivem em módulos provisórios, 63% (28) não são citadas em lista alguma. Ou seja, não têm nenhuma perspectiva de moradia definitiva. Djeison Diedrich, membro da coordenação do movimento no Rio Grande do Sul, alerta que essa “política de subnotificação” fere de morte todo o processo de reconstrução: “Não adianta esconder o problema embaixo do tapete. Se não tratarmos de maneira adequada as ações de cadastramento de toda a população atingida, nunca vamos poder construir políticas capazes de reconstruir, de forma segura, nossas cidades”, alerta ele.
A angústia da falta de respostas

Sem nenhuma explicação, Odete Ines Vidaletti recebeu com surpresa e indignação a informação de que seu nome não está nas listas para receber uma nova moradia. Moradora do Bairro Navegantes, ela lembra que não sobrou nada da casa onde viveu por mais de 20 anos, que foi totalmente levada pela “enchente do meio”, como ela definiu, em novembro de 2023. Odete conta que esteve na prefeitura buscando seus direitos. “Lá, me disseram que iam me colocar na lista. Fiquei confiando que ia ser assim, e não me avisaram se podia ter alguma pendência. Agora eu me sinto abandonada, excluída”, diz ela.

Apesar de viver há um ano e meio em um módulo dito como provisório, a atingida questiona por quanto tempo ainda deve ficar no “contêiner” – como a população local tem chamado os módulos provisórios.
Sem transparência não há reconstrução
Desde que foram divulgadas as listas dos aprovados aos programas de moradia, o MAB começou a fazer um pente fino, como explica Djeison: “Passamos nome por nome para entender quem está contemplado e quem está fora, questionando também porquê está fora”.
Agora, os atingidos têm acesso a duas listas: a que foi apresentada por cada prefeitura – e que contém também as pendências de cada caso – e também a lista final divulgada pela União dos beneficiários para os programas habitacionais.

A determinação para publicação das listas prevê que estas relações sejam amplamente divulgadas pelas prefeituras em cada município, o que não vem acontecendo. “Não é interesse das prefeituras divulgarem as listas, porque isso vai gerar uma pressão popular por respostas – que eles não parecem – ter sobre os critérios estabelecidos para o reconhecimento dos atingidos; sobre a ausência de uma busca ativa nas regiões mais atingidas e mesmo da ausência de muitas famílias nestas listas”, comenta Djeison.
O Movimento dos Atingidos por Barragens no Vale do Taquari e em todo o Rio Grande do Sul segue em luta para garantir a reparação e a efetivação dos direitos das populações atingidas, a partir da pauta prioritária definida no coletivo: por moradia adequada, segura e saudável; por proteção e segurança das comunidades atingidas; por segurança alimentar; por água e energia de boa qualidade; pela reconstrução das estruturas públicas de saúde e educação e; por ampla participação dos atingidos.
