Carta Política da Cúpula dos Povos consolida agenda de lutas construída por centenas de organizações

Resultado de dezenas de debates, o documento aponta responsabilidades estruturais – sobretudo das empresas transnacionais -, e consolida o horizonte comum das lutas por justiça climática

Entrega da declaração da Cúpula dos Povos rumo à COP 30. Foto: Joka Madruga / MAB
Entrega da declaração da Cúpula dos Povos rumo à COP 30. Foto: Joka Madruga / MAB

A Cúpula dos Povos, realizada de 12 a 16 de novembro em Belém (PA), encerrou-se com a apresentação de um dos documentos políticos mais amplos e representativos já construídos por movimentos sociais no Brasil nos últimos anos. A Declaração da Cúpula dos Povos Rumo à COP 30, resultado de dezenas de debates e de um processo coletivo que envolveu mais de 70 mil pessoas, sintetiza as denúncias, propostas e compromissos assumidos por organizações populares de todas as regiões do país e de diversos biomas, territórios e modos de vida.

A carta é fruto direto da construção coletiva que marcou o processo da Cúpula: atividades formativas, plenárias, rodas de conversa, intercâmbios de experiências, rituais culturais e encontros territoriais que, ao longo de dois anos de preparação, alimentaram os oito eixos de debate do evento. Cada eixo – da defesa dos territórios à centralidade das mulheres, da transição energética à soberania alimentar – funcionou como coluna vertebral do acúmulo político que se materializou no documento final.

Uma carta construída por muitos povos

A Cúpula reuniu povos originários, quilombolas, camponeses, pescadores, extrativistas, quebradeiras de coco, juventudes, sindicatos, trabalhadores urbanos, movimentos feministas, coletivos LGBTQIAPN+, comunidades ribeirinhas, populações das periferias, atingidos por barragens e pela crise climática, entre muitos outros. Essa pluralidade aparece claramente já nos primeiros parágrafos da carta, que afirma: “Somos a unidade na diversidade”, declararam os movimentos ao apresentar o documento.

Para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que participou ativamente do processo e coordenou debates centrais, o caráter coletivo da carta traduz a força política que emerge quando diversos povos constroem um mesmo horizonte de luta.

Empresas transnacionais e o papel estrutural do capital na crise climática

Entre os pontos de consenso nos debates, o Eixo 3, que analisa o papel das empresas transnacionais na produção e agravamento da crise climática, se destacou pela contundência com que denunciou a arquitetura global das injustiças socioambientais.

A carta afirma que as empresas transnacionais, em articulação com governos do Norte global, estão no centro do sistema capitalista, racista e patriarcal, sendo “os atores que mais causam e mais se beneficiam das múltiplas crises que enfrentamos”. O documento cita explicitamente setores que moldam e aprofundam a destruição climática, entre eles: mineração; energia; indústria bélica; agronegócio; Big Techs.

Essa denúncia dialoga diretamente com as lutas travadas pelos povos atingidos por barragens e por megaprojetos de infraestrutura. Para o MAB, reconhecer o papel dessas corporações é fundamental para compreender porque os desastres socioambientais – de enchentes a rompimentos de barragens -, não são acidentes, mas expressões de um modelo que converte territórios e populações em áreas de sacrifício.

O documento também reforça que a privatização e financeirização dos bens comuns – água, energia, terras e florestas -, agravam essas violações e devem ser enfrentadas com políticas públicas que recuperem a soberania dos povos e dos Estados.

Como apontam as organizações, esse eixo sintetiza um entendimento central: não haverá justiça climática sem enfrentar o poder econômico de corporações que lucram com a destruição e com a precarização da vida.

Da denúncia às propostas: caminhos populares contra a crise climática

Além das análises, a carta apresenta 15 diretrizes políticas que miram tanto a superação das “falsas soluções de mercado”, quanto a afirmação de alternativas construídas pelos povos, como agroecologia, reforma agrária, cidades justas, desmilitarização, financiamento público, transição energética popular e proteção integral de defensoras e defensores da natureza.

Para os movimentos, enfrentar a crise climática exige reconhecer o protagonismo das comunidades negras, indígenas, originárias e periféricas, historicamente responsáveis por proteger florestas, rios, lagos e ecossistemas essenciais à manutenção da vida.

O documento também reivindica o fim dos combustíveis fósseis e políticas de reparação plena, materiais, ambientais e territoriais às populações atingidas por barragens, mineração, expansão energética e desastres climáticos.

Um chamado internacionalista

A carta reafirma o internacionalismo popular como base do enfrentamento à crise climática, denunciando guerras, ocupações coloniais e o genocídio do povo palestino. E aponta um horizonte estratégico: fortalecer a organização dos povos ao redor do mundo, unificando lutas territoriais em uma frente global capaz de enfrentar o capital e construir um mundo de bem viver.

Nesse sentido, a Cúpula saudou a criação do Movimento Internacional de Atingidos por Barragens e pela Crise Climática, articulado por organizações de cinco continentes, uma conquista histórica celebrada no encerramento do encontro.

O que representa esta carta

Mais do que um documento político, a Declaração da Cúpula dos Povos é um marco histórico na construção de uma agenda popular para enfrentar a emergência climática. Ela expressa a convergência de lutas diversas, articula denúncias estruturais e projeta alternativas reais, enraizadas no cotidiano dos povos.

A Cúpula terminou, mas as vozes reunidas em Belém deixaram um recado claro para o Brasil e para o mundo: Povos do mundo, uni-vos!

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