Feira da economia solidária reúne sabores e luta na Cúpula dos Povos
Durante a Cúpula dos Povos, feirantes de várias regiões transformam a Universidade Federal do Pará (UFPA) em um território de trocas, afetos e resistência popular
Publicado 15/11/2025 - Actualizado 15/11/2025




Entre barracas e sabores, me pego pensando: será que existe, de fato, alguém que não goste de uma boa feira? Quando alguém diz que sim, que há quem não goste, eu sempre duvido. Em Belém do Pará, durante a Cúpula dos Povos, entre os dias 12 e 16, feirantes de diferentes regiões do país encontraram um espaço para celebrar a economia solidária entre os povos. Com frutas, artesanatos, comidas típicas e sementes crioulas, a feira funciona como um microcosmo da própria Cúpula: diversa, politizada e profundamente humana.
Economia que se faz com mãos coletivas
Organizada para valorizar o trabalho de mulheres, comunidades tradicionais, agricultores familiares, artesãos e movimentos populares, a feira é um ponto de encontro onde troca, afeto e sobrevivência caminham lado a lado. No meio do movimento, entre o cheiro das frituras recém-saídas do óleo e a fala rápida dos fregueses que passam, está Cíntia Monteiro.
Militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e coordenadora de um grupo de mulheres em um residencial do Programa Minha Casa, Minha Vida em Belém Cíntia Monteiro destaca que muitas mulheres encontraram na produção coletiva de alimentos um caminho de autonomia desde a pandemia para garantir segurança alimentar para os familiares.

As coxinhas que chamam atenção na barraca de Cíntia, não são apenas uma receita bem estruturada: elas carregam um projeto de vida. “São feitas com macaxeira fornecida por produtores locais, vindos da agricultura familiar e preparadas em mutirão pelos meus familiares. Esse alimento simboliza a resistência num país onde a sobrevivência raramente é garantida”, afirma Cintia.
Para ela, estar na feira da Cúpula dos Povos tem um significado que ultrapassa a comercialização dos produtos. “A Cúpula é, também, reflexo do momento político que o país vive. Não tem como não lembrar da democracia. Viver em um país livre, onde todos os povos possam entrar, se divertir, dialogar e conviver pacificamente, sem precisar ter medo de guerra. Realmente é um país livre e que tem um presidente que nos educa a sermos livres também”, aponta.
A aceitação das coxinhas de macaxeira tem sido imediata. “Minha renda está tendo retorno de 100%. Não está sobrando nada”, diz Cíntia sorrindo, enquanto entrega mais uma porção a um grupo de visitantes.
Apesar da energia vibrante da feira e da boa demanda pelos seus produtos, Cíntia lembra que a vida na economia solidária está longe de ser simples. O principal obstáculo, segundo ela, é a infraestrutura. “O mais difícil para nós ainda é o transporte. Nem todos temos condições de comprar um carro, um transporte adequado para levar o que produzimos. Faz muita falta um carro com estrutura”, desabafa.
Ao observar a diversidade de povos, sotaques e costumes presentes na Cúpula, Cíntia se emociona. “Os costumes, a cultura… Tudo isso faz parte da nossa ancestralidade. Nesses momentos, lembro do papa Francisco quando ele falava sobre a gente não esquecer dos pobres. Minha mensagem para toda a nação, a nível de Nações Unidas mesmo, é que todos nós, juntos, não esqueçamos dos pobres do mundo inteiro”, finaliza.
Do Piauí para Belém: Cacilda e sua compostagem
Um pouco adiante, numa barraca marcada pelo cheiro de terra úmida, embalagens biodegradáveis e recipientes transparentes cheios de composto orgânico, está Cacilda Melo Lima, feirante de Campo Maior, “a terra da carne de sol” no Piauí, como ela mesma faz questão de destacar. Neuropsicopedagoga, dona de casa e entusiasta da sustentabilidade, ela encontrou na compostagem caseira um caminho para unir cuidado ambiental, autonomia e renda.

Ela explica aos visitantes, com paciência, que o adubo orgânico não é apenas para as plantas: é, também, uma forma de reduzir o impacto ambiental e gerar renda.“Isso aqui serve para nossas plantas como nutriente, mas serve para nós também, porque estamos evitando um dano ambiental. Na minha casa, cascas, folhas secas, restos de legumes e verduras, casca de ovo, borra de café… nada vai para o lixo. Eu faço compostagem. Resolvi fazer, vender e incentivar as pessoas. Nós não podemos degradar e poluir nosso solo”, destaca.
Para Cacilda, participar da Feira durante a Cúpula dos Povos no Brasil é sinônimo de aprendizado e a experiência já rendeu convites para projetos e cursos que poderão levar a compostagem para outras comunidades. “É muito gratificante. Tudo é novo para mim. Estou aprendendo muito, tendo trocas, ouvindo pessoas admiradas com o trabalho e recebendo convites para explicar e ensinar todo o processo de compostagem”, afirma.
O trabalho com compostagem, porém, também tem seus desafios. O principal é a paciência. “É um trabalho lento. A natureza tem seu tempo. As pessoas às vezes não entendem o que é isso aqui. Mas o retorno é imediato: o sabor das hortas orgânicas fala por si. O pepino do supermercado é totalmente diferente do da minha horta. O sabor é outro. A folha é outra. É tudo diferente, são mais saborosos”, destaca.
Ao observar o movimento da feira, Cacilda compartilha o que mais a surpreende e inquieta:
“O que me chama atenção é a diversidade. Mas eu acho que as pessoas ainda não acordaram para ver o que o mundo está pedindo socorro. Aqui não é só um evento de compra, é para entender, ter consciência”, conclui.
Ao final do dia, quando as barracas começam a diminuir o ritmo e os corredores já não são tão cheios, ficam no ar os aprendizados dos encontros. Entre as coxinhas de macaxeira de Cíntia e o adubo orgânico de Cacilda, a feira da economia solidária revela aquilo que a Cúpula dos Povos mais deseja afirmar: que outro modelo de vida é possível. Uma economia construída por mãos de mulheres que, cada uma à sua maneira, insistem em lembrar ao país que dignidade, democracia e natureza caminham em unida.
